Um século da Justiça Internacional e os seus prospectos para o futuro

AutorAntônio Augusto Cançado Trindade
Ocupação do AutorJuiz da Corte Internacional de Justiça; Ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Professor Emérito de Direito Internacional da Universidade de Brasília; Doutor Honoris Causa de diversas Universidades na América Latina, Europa e Ásia.
Páginas11-51
Um século da Justiça Internacional e os seus
prospectos para o futuro1
Antônio Augusto Cançado Trindade2
Sumário: I. Introdução: A Emergência dos Tribunais Internacio-
nais. II. Lições do Passado. III. A Expansão da Jurisdição Interna-
cional. 1. Tribunais Internacionais de Direitos Humanos. 2. Tribu-
nais Penais Internacionais. 3. Panorama Geral. 4. A Contribuição
da Jurisdição Consultiva Expandida. IV. O Movimento em Direção
à Jurisdição Compulsória. V. Concepções Emergentes do Exercício
da Função Judiciária Internacional. VI. A Relevância dos Princí-
pios Gerais do Direito. VII. A Consciência da Primazia do Jus Nae-
cessarium sobre o Jus Voluntarium. VIII. Tribunais Internacionais
e Fertilização Cruzada Jurisprudencial. IX. Efeitos do Trabalho dos
Tribunais Internacionais. X. Interações entre Direito Internacional
e Doméstico: A Unidade do Direito. XI. Considerações Finais: As
Tarefas Adiante e os Prospectos para o Futuro.
1 O presente artigo foi originalmente publicado no livro: A.A. Cançado Trindade
e D. Spielmann, A Century of International Justice and Perspectives for the Fu-
ture / Rétrospective d´un siècle de justice internationale et perspectives d´avenir,
Oisterwijk, Wolf Publs., 2013, pp. 1-44 e traduzido para a língua portuguesa por
Amael Notini Moreira Bahia e Lucas Carlos Lima.
2 Juiz da Corte Internacional de Justiça; Ex-Presidente da Corte Interamericana de
Direitos Humanos; Professor Emérito de Direito Internacional da Universidade
de Brasília; Doutor Honoris Causa de diversas Universidades na América Latina,
Europa e Ásia.
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Arno Dal Ri Júnior e Lucas Carlos Lima
I. INTRODUÇÃO: A EMERGÊNCIA DOS TRIBUNAIS
INTERNACIONAIS
É uma satisfação para mim me debruçar sobre o tópico “Um Século
da Justiça Internacional e os seus Prospectos para o Futuro” hoje, 23 de
setembro de 2013, na ocasião da celebração, pela Corte Internacional de
Justiça (CIJ), do centenário do Palácio da Paz aqui na Haia. Proponho
nesta manhã, como o tópico indica, apresentar, dentro das impiedosas
restrições do tempo disponível, uma vue de l’ensemble de um século da
justiça internacional, as lições aprendidas e as perspectivas para o futu-
ro. É um prazer adicional para mim estar na companhia, neste painel,
de dois ilustres colegas e amigos – Juiz Ronny Abraham, da CIJ, e Juiz
Dean Spielmann, Presidente da Corte Europeia de Direitos Humanos –
com os quais tenho compartilhado momentos memoráveis ao longo das
duas últimas décadas, não apenas aqui na CIJ, mas também nas sedes da
Corte Europeia e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Começo recordando de que, há seis anos, tivemos uma comemo-
ração memorável, da qual guardo as melhores lembranças, de um outro
século, aquele da II Conferência de Paz da Haia (de 1907), sediada nas
instalações da Academia da Haia de Direito Internacional. Aquele semi-
nário marcou o centenário do nascimento dos tribunais internacionais,
da solução judicial de disputas internacionais. Como tive a ocasião de
ponderar naquela celebração centenária,3 já havia à época apelos à cria-
ção de cortes e tribunais permanentes, como ilustram duas iniciativas:
em primeiro lugar, tornar permanente a Corte de Justiça Arbitral,4 a
partir do modelo da Corte Permanente de Arbitragem (CPA), prevista
3 A.A. Cançado Trindade, “e Presence and Participation of Latin America at the
II Hague Peace Conference of 1907”, in Actualité de la Conférence de La Haye de
1907, II Conférence de la Paix (Colloque de 2007) (ed. Y. Daudet), Leiden/La Haye,
Académie de Droit International/Nijho, 2008, pp. 66-73, and cf. pp. 51-84, 110-
112, 115-117, 122 and 205-206 (debates).
4 Cf. D.J. Bederman, “e Hague Peace Conferences of 1899 and 1907”, in Interna-
tional Courts for the Twenty-First Century (ed. M.W. Janis), Dordrecht, Nijho,
1992, pp. 10-11.
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A jurisprudência da Corte Internacional de Justiça
na precedente I Conferência de Paz da Haia (de 1899) e, em segundo
lugar, estabelecer uma Corte Internacional de Presas, com seu acesso
concedido a indivíduos.
A proposta de uma Corte de Justiça Arbitral, como um todo, foi
projetada sobre o advento da solução judicial propriamente dita, em ní-
vel internacional, pois se tornou uma das fontes de inspiração para a
redação do Estatuto da CPJI em 1920. E, embora a projetada Corte In-
ternacional de Presas, estabelecida na XII Convenção da Haia de 1907,
nunca tenha visto a luz do dia, visto que a Convenção não entrou em
vigor, esta apresentou questões de relevância para a evolução do Direito
Internacional, a saber: primeiramente, ela previu o estabelecimento de
uma jurisdição acima das jurisdições nacionais para decidir em última
instância sobre os prêmios marítimos; em segundo lugar, ela forneceu,
por exemplo, em tais circunstâncias, o acesso de indivíduos diretamente
à jurisdição internacional5; em terceiro lugar, ela propunha um tipo de
jurisdição internacional compulsória; e em quarto lugar, ela admitiu a
proposta de livre autoridade da Corte para decidir (a compétence de la
compétence).6
5 Foi então admitido que o indivíduo “não está sem legitimidade processual no
direito internacional moderno”; J. Brown Scott, “e Work of the Second Hague
Peace Conference”, 2 American Journal of International Law (1908) p. 22. e
view prevailed that it would be in the interests of the States - particularly the small
or weaker ones - to avoid giving to this kind of cases the character of inter-State
disputes: “les litiges nés des prises garderaient (...) le caractère qu’ils avaient en
première instance (...), aaires regardant d’un côté l’État capteur et de l’autre les
particuliers”; S. Séfériadès, “Le problème de l’accès des particuliers à des juridic-
tions internationales”, 51 Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de
La Haye (1935) pp. 38-40.
6 João Cabral, Evolução do Direito International, Rio de Janeiro, Typ. Rodrigues &
Cia., 1908, pp. 97-98. - On the evolution of this last point (the compétence de la
compétence of international tribunals), cf., generally, I.F.I. Shihata, e Power of
the International Court to Determine Its Own Jurisdiction (Compétence de la Com-
pétence), e Hague, Nijho, 1965, pp. 1-304.

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