Crises do Estado e Direito do Trabalho

AutorAmanda Martins Rosa Andrade
Páginas94-178
94 Amanda Martins Rosa Andrade
cRISeS DO eSTADO e DIReITO DO TRABALHO
Capítulo 4
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a cada passo podem explodir os seus pés.
(VIANA, 2000)
4.1. Considerações iniciais
Desde a Revolução Industrial, quando se introduziu a noção de economia
de mercado e o trabalho passou a ser tratado como uma mercadoria qualquer,
a luta do movimento operário se tornou a luta contra a forma-mercadoria, isto
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item do mercado.
Desde então, assistiu-se a um crescimento dos movimentos trabalhistas, os
quais, cada vez mais articulados e organizados, obtinham mais e mais respostas
do Estado, por meio de leis heterônomas de cunho social e trabalhista.
A conquista de direitos civis, políticos e sociais iria contribuir para conso-
lidar e institucionalizar o Direito do Trabalho no seio da sociedade e do Estado,
ajudando-o a se colocar nas esferas constitucional e internacional, inclusive com
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que trabalho não é mercadoria.
Mas se esse ramo do Direito é fruto de lutas, em certa medida também pode
ser visto como produto do compromisso entre capital e trabalho no período pós-
-Segunda Guerra Mundial, visando não somente atender aos interesses opostos
de ambas as partes, mas principalmente servir de legitimação ao sistema capita-
lista, demonstrando sob esse olhar a dualidade própria do Direito do Trabalho.
É que, por meio do compromisso, a classe trabalhadora aceitaria a domi-
nação do capital sobre o processo de trabalho em troca da satisfação de alguns
de seus anseios, enquanto a classe burguesa aceitaria incorporar ao capitalismo
princípios contrários ao liberalismo econômico e soluções ligadas à questão so-
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Crises do Estado e Direito do Trabalho 95
No meio disso tudo, o Estado, com uma intervenção cada vez mais cres-
cente, característica do período fordista, seria o intermediador do compromisso,
garantindo seu cumprimento, por meio de políticas que favorecessem a acumu-
lação e, simultaneamente, lhe servissem de legitimação.
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vestimentos em obras de infraestrutura, que viabilizavam diversas atividades
capitalistas. (MORAIS, 2011, p. 15).
Em verdade, o próprio Estado de Bem-Estar Social pode ser visto como o
resultado desse compromisso entre capital e trabalho, um Estado que teria sua
legitimidade atestada pelo  que viria nos trinta anos seguintes à
Segunda Guerra Mundial, uma era dourada que faria parecer que o bem-estar
do povo e o capitalismo poderiam caminhar juntos.
Nas palavras de Márcio Túlio Viana, esse era um momento em que tudo
se encaixava como num quebra-cabeça e em que existia uma estabilidade e
previsibilidade no mundo. No trecho a seguir, o professor resume o espírito
dessa época:
O Estado dos tempos de Ford respondia aos seus anseios, pois se de
um lado dava infraestrutura, com obras de todo tipo, de outra garantia
o consumo com políticas de bem-estar, tudo segundo as lições de John
Maynard Keynes.
Naqueles tempos, o mundo se dividia em pedaços bem visíveis –
o o Segundo e o  e a própria vida tinha muito de
previsível. Se houvesse uma guerra, seria entre EUA e URSS. Se
fosse prendada, a mulher teria sempre um marido. Um anel de doutor
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E também os operários seguiam – ao seu modo – esse modelo.
Repetindo gestos, em jornada inteira, e sem trocar de patrão, suas
vidas eram tão uniformes como os uniformes que vestiam. Tinham o
destino traçado pela história de seus pais, e assim seria também com
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Aliás, tudo se articulava. Se os produtos eram previsíveis, pouco
mutantes, também o trabalho era contínuo, estável, e a própria lei era
rígida e abrangente. Fábrica e sindicato reuniam trabalhadores em
massa. Um correspondia ao outro.
E também em massa eram a reprodução, o consumo e a própria
norma trabalhista. Integrando-se ao sistema, como uma coisa dele, o
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Direito do Trabalho o legitimava, e quase se podia ver um através do
outro. Mas isso nunca o impediu de ser – paradoxalmente – produto (e
 (VIANA, 2000, p. 156, grifo nosso).
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dicato e Direito do Trabalho. Tudo era estável, grandioso e estava integrado à
estrutura capitalista, funcionando como uma engrenagem perfeita para fazer o
sistema girar.
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período não foi diferente. Em princípio dos anos 1970, essa era começou a des-
manchar-se, arrastando consigo o Estado de Bem-Estar Social, o Direito do Tra-
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poder entre as classes como nunca mais se viu na história do capitalismo.
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econômico e de robustez dos Estados, os quais permitiram simultaneamente a
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o crescimento decaiu, como a mundialização e a globalização vieram registrar
a decadência daquele que foi o principal responsável por realizar uma proteção
social generalizada nesse período: o Estado-nação. (CASTEL, 2012, p. 194).
Por consequência, o Direito do Trabalho se viu afetado. Como isso, ocorreu
e como vem ocorrendo desde 1970 é o que se pretende tratar neste capítulo. Se
as peças do quebra-cabeça estavam bem encaixadas, a questão é que o mundo
mudou e as peças também.
As formas de produzir, de trabalhar e de viver já não são exatamente as
mesmas. A tecnologia e as políticas transformaram o mundo num lugar sem
fronteiras. As mudanças são cotidianas e não existe previsibilidade. A obsoles-
cência é programada e não só os produtos devem ser reinventados a cada dia,
mas os trabalhadores também. As empresas estão cada vez mais enxutas. E se
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é que o relógio do tempo parece ter parado de andar para frente. Não se pode
dizer que ele parou de funcionar, mas parece que estamos voltando no tempo e
o único que segue a caminhada em diante é o capital, sempre reinventado e cada
vez mais fortalecido. Tudo parece mudar e se transformar para que ele avance.
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Conforme já registrado, o Direito do Trabalho é fruto da combinação de
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desenvolveram a partir da Revolução Industrial.

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