O Estado, o trabalho e o Direito do Trabalho

AutorAmanda Martins Rosa Andrade
Páginas21-93
Crises do Estado e Direito do Trabalho 21
O eSTADO, O TRABALHO e O DIReITO
DO TRABALHO
Capítulo 3

       
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(BASTIAT, 2010)
3.1. Estado e trabalho: do Estado Absolutista ao Estado Liberal
Para abordar o tema proposto por este trabalho, como dito em momento
anterior, será necessário examinar a ligação existente entre o Estado e o Direito
do Trabalho, o que será feito através de recortes na história para focar apenas
em alguns fatos importantes, sem se preocupar em fazer um relato histórico
cronológico e exaustivo.
Tendo isso em vista, é importante mencionar que existem diferentes teorias(5)
sobre o surgimento e o desenvolvimento(6), bem como sobre o conceito de Esta-
do. Por esse motivo, explicita-se que neste estudo as ideias serão desenvolvidas
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Jellinek, no sentido de que o Estadoformada por um povo, dota-
  
(JELLINEK, 2000, p. 196).(7)
(5) Existem teorias distintas sobre as origens do Estado. Dalmo de Abreu Dallari as divide em três posições:
a) grupo de autores que entende que o Estado, assim como a sociedade, sempre existiu; b) autores que ado-
tam a ideia que a sociedade já existiu sem o Estado, mas por diferentes razões, este foi formado para satisfazer
as necessidades de grupos sociais, o que não teria ocorrido de forma simultânea e equivalente em todas as
localidades; c) doutrinadores que só reconhecem como Estado, a sociedade política que possua determina-
das características, como por exemplo, autores que defendem que o conceito de Estado só é válido a partir do
surgimento da ideia de soberania. (DALLARI, 2013, p. 60).
(6) Luciano Gruppi (1996, p. 6), por exemplo, defende que o Estado Moderno, no sentido de ser um Estado
unitário e independente de outras autoridades, originou-se na segunda metade do século XV, em locais como
França e Espanha, difundindo-se para outras áreas da Europa em momento posterior.
(7) “Como concepto de derecho es, pues, el Estado, la corporación formada por un pueblo, dotada de um poder
de mando originário y asentada en um determinado territorio [...]”. (JELLINEK, 2000, p. 196).
22 Amanda Martins Rosa Andrade
Esse conceito de Jellinek, revelador dos elementos constitutivos que a teo-
ria política geralmente reconhece no Estado, é considerado por Bonavides como
irrepreensível e digno do prêmio sugerido por Bastiat, mencionado na epígrafe
deste capítulo(8). (BONAVIDES, 2011, p. 70).
Assim, este estudo não entrará no mérito da continuidade ou desconti-
nuidade histórica(9) do Estado Moderno, isto é, não abordará a discussão se
antes dele já havia existido ou não alguma outra forma estatal, até mesmo para
que não seja necessário tratar se seria exigida a presença de características es-

como Estado.
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  
trabalho, como será notado mais à frente, são seus elementos constitutivos, o
que resta demonstrado no conceito apresentado por Jellinek.
Feitos esses esclarecimentos, cabe dizer que a primeira versão do Esta-
do Moderno aparece alicerçada à ideia de soberania, caracterizando-se pela
concentração de poder nas mãos dos monarcas, que inicialmente eram vistos
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confundindo-se com o próprio Estado.(10)
Cuida-se das , as quais, aos poucos, foram se desfa-
zendo de laços teológicos e caminhando para uma fase de secularização, funda-

em sua obra , que apresenta uma nova fundamentação do poder, que
(8) Paulo Bonavides expõe diferentes conceitos de Estado de acordo com acepções losócas, jurídicas e so-
ciológicas existentes, demonstrando assim a diculdade de conceituação do termo. Ao tratar dos elementos
constitutivos do Estado, apresenta o conceito formulado pelo jurista Duguit como aquele que melhor revela
os elementos geralmente aceitos pela teoria política, dentre os quais estaria o “poder político”. No entanto,
Bonavides rejeita o conceito de Estado elaborado por Duguit, pelo fato de ligar o elemento constitutivo
“poder” à ideia de dominação dos mais fracos pelos mais fortes, o que seria inaceitável em seu modo de ver,
porque seria o mesmo que admitir que a dominação de uma classe sobre a outra seria um aspecto inerente
ao Estado. Por esse motivo, Bonavides rejeita o conceito de Duguit e prefere a denição de Estado de Jellinek.
(9) A questão da continuidade ou descontinuidade histórica do Estado é levantada por Lenio Luiz Streck e
José Luis Bolzan de Morais (2014, p. 40) ao perguntar: “Anal, Estado Moderno por quê? Houve, então, um
Estado Antigo?”. A partir disso, os autores fazem citações que podem servir tanto a uma resposta positiva
quanto negativa, mas defendem que, independentemente dos argumentos favoráveis a uma tese ou outra,
seja pela ideia de continuidade ou descontinuidade, o Estado Moderno se apresenta como uma inovação.
(10) Importante mencionar que, para Martin van Creveld (2004, p. 177), até 1648 não existia Estado em seu
sentido abstrato, como pessoa distinta de seu governante. Sendo assim, para ele: “[...] a verdadeira história do
Estado absolutista refere-se não tanto ao despotismo em si quanto ao modo como entre 1648 e 1789, a pessoa
do governante e seu “estado” foram separados um do outro, até que a primeira se tornou quase completamen-
te sem importância em comparação com o segundo”. (VAN CREVELD, 2004, p. 179).
Crises do Estado e Direito do Trabalho 23
          
2010, p. 38).
Quanto a esse modelo estatal, a título de curiosidade, é interessante
mencionar que, embora o nascimento do Direito do Trabalho seja geralmente
associado à Revolução Industrial por diversos autores(11), na Baixa Idade Mé-
dia – período em que também começa a ser gestada a classe burguesa – já havia
uma verdadeira intervenção do Estado absolutista sobre as relações de trabalho
existentes naquela época, de uma forma que surpreendentemente nos remete
aos dias atuais. De acordo com Gerson Lacerda Pistori, a Idade Média Baixa:

o absolutismo nascente, sobre as relações de trabalho. E esse Estado
concentrado nas mãos do rei está aliado à burguesia, que investe
nessa relação e obtém retornos polpudos. Atendendo aos interes-
ses da burguesia e da utilização absoluta do poder, o rei passa a
  -
bre o trabalho temporário. O motivo principal, certamente, além da
intromissão absoluta do poder real, é o lucro pela menor remune-
ração de quem trabalhava, mas houve motivos incidentais muito
-
ceiras no período da Guerra dos Cem Anos, etc. Tal intervenção,
com decretos reais em diversas nações, estabelecendo horários de
 -

e a intromissão do Estado sobre jornada de trabalho e salários pos-
sui uma identidade muito grande com os paradigmas do Direito do
Trabalho que temos hoje, ainda que as relações de trabalho tives-
sem uma característica não capitalista industrial, mas representas-
sem o início de um capitalismo mercantil. (PISTORI, 2007, p. 127).
Portanto, ainda que a história do Direito do Trabalho seja estudada por
muitos autores sem se fazer remissão ao período absolutista, vê-se claramente
que havia traços de uma relação entre o Estado e as relações trabalhistas, a qual
nos alude ao Direito do Trabalho na atualidade.
(11) Pistori (2007, p. 19) aponta que a maioria das obras sobre o Direito do Trabalho tem um pequeno espaço
dedicado à análise do trabalho humano em período anterior ao século XIX. Segundo o autor, diversos auto-
res, como Mauricio Godinho Delgado, Martins Catharino, Orlando Gomes e Élson Gottschalk, delimitam
a origem do Direito do Trabalho a partir da Revolução Industrial, argumentando, por exemplo, “[...] que a
relação de trabalho até o momento industrial não é uma relação de emprego, não há o típico assalariamento,
não ocorre um trabalho com conjunto humano xo em determinado espaço físico, não há regulamentação
e subordinação mais efetiva na forma do trabalho e sua contraprestação, além de não haver liberdade para a
contratação do trabalhador pelo empregador nem regulamentação das condições do trabalho, bem como por
faltar a interferência do Estado ou de seu entrepostos nessas relações”. (cf. Martins, 2001, p. 34).

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