Da conduta culposa do garante

AutorMichael Schneider Flach
Ocupação do AutorFormado pela PUCRS, ex-aluno da Escola Superior da Magistratura (AJURIS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP)
Páginas117-134
VI
DA CONDUTA CULPOSA DO GARANTE
Na visão normativa de Mezger, a culpa advém da inobservância do dever de
cuidado pelo agente, que, de acordo com as circunstâncias, os seus conhecimen-
tos e as suas capacidades pessoais, ele poderia e deveria observar. Mas “em conse-
quência não previu o resultado que poderia prever aplicando o cuidado que seu
dever lhe impunha, ou considera como possível a produção do resultado, mas
cona em que não se produziria”. Nestas situações, de acordo com Graf Dohna,
a conduta culposa decorre do fato de o autor não colocar em prática a diligên-
cia a que estava obrigado e que era capaz, conforme as circunstâncias e as suas
condições.276
Conforme Magalhães Noronha ocorre o crime culposo
quando o agente, deixando de empregar a atenção ou diligência de que era
capaz em face das circunstâncias, não previu o caráter delituoso de sua ação
ou o resultado desta, ou tendo-o previsto, supôs levianamente que não se
realizaria.277
No mesmo sentido a posição de Bacigalupo, para quem o resultado típico
deva ser objetivamente imputável, bem como o autor do fato ilícito deve ter ope-
rado em equívoco ao considerar as condições, os riscos e as possibilidades da
produção do evento danoso.278
276 COSTA JÚNIOR, Heitor. Teoria dos Delitos Culposos. Rio de Janeiro: Lumen Juris , 1988, p. 35
e 41, invocando as lições de Mez ger e de Graf Dohna.
277 NORONHA (1990, op. cit., p. 139), acrescendo ainda que tal pode o correr em virtude de erro
de tipo.
278 BACIGALUPO, op. cit., p. 247.
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Por sua vez, Maggiore aponta na culpa uma conduta só de início voluntária
e que, por ação ou omissão, produz um “evento antijurídico não querido, mas
previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evi-
tado”. Dentre seus elementos, destaca-se: a conduta inicial voluntária, o resultado
lesivo que congura o crime, o nexo causal entre a omissão e o resultado, a previ-
sibilidade do fato lesivo e a involuntariedade na produção do evento, que não fora
desejado, nem aceito.279
Com efeito, ao explicar os fundamentos da culpa, Werner Niese adverte que
as causas evitáveis de eventos lesivos serão consideradas típicas e antijurídicas
quando oriundas da violação da diligência indispensável à relação da vida em
sociedade, por conta do desvalor da ação e do resultado. Neste ponto, a desvalia
do ato decorre do cindir da obrigação objetiva de diligência, onde caso o agente
tivesse empregado tais cuidados, teria previsto o evento típico – o que também
pode ocorrer quando o prevê e ignora.280
Faltou-lhe, pois, a precaução no momento da conduta, ora substituída pelo
desprezo do cuidado, que a ordem jurídica impunha-lhe, sendo ainda exigível e
possível de realizar naquela ocasião.281 Entretanto, aqui a proibição da norma não
reside no m último da ação, mas no resultado real e não desejado, o qual causou
lesão ou risco ao bem jurídico, uma vez que o autor não empregou a diligência
necessária e incidiu em negligência, imprudência ou imperícia.
Assim, em termos nalistas, ao não agir com os cuidados necessários, diante
da sua falta de diligência, ao invés daquele ato levar causalmente ao m propos-
to, ele acaba por produzir o evento danoso e relevante penalmente, por força de
uma falha nas ações intermediárias. Como na eleição e no controle dos meios de
conduta, ou na avaliação das circunstâncias que cercam o caso, v.g ., nas questões
sobre a garantia.282
Trata-se de uma ação defeituosa, incorreta, desatenta e diversa da determina-
da pela ordem jurídica. E que, então, viola o dever de cuidado exigido no âmbito
da relação, causando o resultado lesivo que poderia ter sido evitado caso o sujeito
obrasse com as devidas e possíveis cautelas, prevendo o fato, ou não desprezando
o risco antevisto, ou agindo de forma diversa e ecaz.
279 MAGG IORE , apud MARQUES, op. cit., p. 264.
280 COSTA JR., Heitor, 1988, op. cit., p. 44.
281 VON LISZT (op. cit., p. 290-1), para quem a “medida do cuidado” determi na-se pela natureza
do fato; onde a culpa assenta-se nu m “erro concernente à importância do ato voluntá rio, como
causa ou não impedi mento do resultado [...], quando podiam e deviam ser e vitados”, mas cul-
posamente não o foram.
282 COSTA JR., Heitor (1988, op. cit., p. 45 et seq.), onde também explana a s posições de WELZEL .
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