Tutela penal

AutorMichael Schneider Flach
Ocupação do AutorFormado pela PUCRS, ex-aluno da Escola Superior da Magistratura (AJURIS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP)
Páginas53-80
III
TUTELA PENAL
A relevância da questão ambiental na ordem jurídica presente e a urgência de
intensicar-se a conservação e a defesa do amplo patrimônio natural justicam a
tutela penal dos bens culturais. Assim, mostrou-se de grande relevo a decisão do
constituinte em contemplar a proteção ambiental de forma autônoma e direta,
deixando este de ser um bem jurídico per accidens, para ser elevado à categoria
de bem per se.124
A partir disso, o meio e o ambiente cultural foram reconhecidos como bens
jurídicos de caráter supraindividual, difuso e adequados ao livre desenvolvimento
do ser humano, visando à proteção e à melhora de sua qualidade de vida.125 Tal
circunstância veio a traduzir-se no direito à preservação dos recursos ambientais,
sobre os quais recaem interesses que transcendem a esfera individual – já que a
degradação atinge um incontável número de pessoas, e a preservação benecia
tantas outras.126
124 MILAR É, op., cit., p. 180-6. MACHADO, Paulo A onso Leme (Crimes Ambientais , Revista do
Ministério Público, Porto Aleg re, nº 23, p. 61, 1990) já dizia ser insuc iente a “punição civi l e
administ rativa do dano ambienta l”. Ao mesmo tempo em que DELMAS-MART Y, Mireille (Os
Grandes Sistemas de Pol ítica Criminal. B arueri: Manole, 200 4, p. 4) observa que “Enquanto se
tratar de di reito penal, de fato, o campo está jurid icamente delimitado: é ‘penal’ t udo o que o
legislador qual ica como tal”.
125 Conforme HASSEM ER, Winfried. A Preser vação do Ambiente pelo Direito Penal. Tradução
Carlos Eduardo Vanconcelos, Re vista da Fundaç ão Escola Super ior do Ministério Pú blico do
Distrito Fede ral e Territórios. Brasíl ia, ano 6, nº 12, p. 213-28, 1998, “só devemos consenti r
que permaneça m com relevo penal aqueles fatos cuja ilicitude não dep enda de congurações
extrapenai s, ademais variáveis. As sim sendo, é indiscutível que o di reito penal deva continuar
a garantir a t utela dos bens jurídicos clássicos, c uja integridade é também alvo de a meaça por
força dos atentados contra o meio ambiente.”
126 PRADO, Luiz Reg is. Direito Penal do Ambiente . São Paulo: Revista do s Tribunais, 2005, p.
133; e PRADO, Luiz Regis e t al. Crimes Contra o Patrimônio Cu ltural, Revista do s Tribunais,
Ciências Penais. São Paulo, vol. 4, p. 165, jan. 2006. E REI SEWITZ, op. cit., p. 48 -55 e 59-64,
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De onde, formou-se todo um aparato protetivo que alcança o patrimônio cul-
tural, aqui inserido em decorrência dos seus valores ligados à memória, à iden-
tidade nacional, à soberania, à construção da cidadania ao futuro do homem, às
formas de expressão deste e inclusive aos componentes estéticos.127
Em virtude disso, a importância das citadas categorias conduziu os bens cul-
turais ao reconhecimento e previsão especíca na Carta Magna. Vindo a outor-
gar-lhes formas mais amplas de reconhecimento e de tutela, indo muito além do
tradicional tombamento. Como um dos principais efeitos das circunstâncias re-
feridas, tem-se que agora os objetos culturais de caráter especial passam a gozar
de uma proteção mais larga e especicada, de modo a contar com tipos penais
próprios mais especícos, os quais superam as pretéritas e já defasadas guras
inscritas no Código Penal.128
Na espécie, a legitimação da tutela penal dos bens culturais não está dirigida
para o enfoque da propriedade (individual), mas, sim, para a função social (coleti-
vo) do objeto e a sua representatividade, a qual assume caráter imaterial e supra-
patrimonial, versando sobre bens jurídicos de teor fundamental e que requerem
tal intervenção.129
Portanto, não resta dúvida sobre a legitimidade e a exigência da proteção pe-
nal, de todo adequada, necessária e proporcional na forma com que está contem-
plada. E, tudo isso, para que haja uma tutela suciente e eciente de tais catego-
rias, cujo largo valor e interesse absoluto não são apenas do tempo presente, mas
vêm projetados por meio do passado e se irradiam para o futuro.
conceituando o dire ito ambiental como o “conjunto de normas jurídicas que regem a preser-
vação, melhoria ou recup eração do ambiente”, para “garantir a qual idade de vida humana e a
manutenção da vida em to das as suas formas”.
127 FERREI RA, Ivete Senise. Tutela Penal do Patrimônio Cultural . São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1995, p. 62, 115-6. Para PIR ES, op. cit., p. 279, “o patrimônio cu ltural brasi leiro consti-
tui-se das rique zas absorvidas pelo u niverso cultural, seja d e forma material ou imaterial, s eja
de domínio público, priva do ou eclesiástico, apresentando-se t anto individualmente como em
conjunto, em virtude do s eu valor histórico, artístic o, paisagístico, arqueológico, et nográco
ou bibliográco, com forma s de proteção denida em lei.”
128 Sobre o nexo entre bens jurídic o, direito penal e constituição, FL ACH, Michael Schneider. A
Estreita Vincu lação entre Direito Penal e C onstituição, Revi sta Ibero-Americana de Ciências
Penais, Por to Alegre, ano 10, nº 18, p. 201-233, 2010; e FLACH, Michael Schneider. A Relação
entre Bem Jurídico-Pena l e Constituição, Revis ta Sistema Penal e Violência, Por to Alegre, v. 2,
n. 1, p. 45-63, jan./jun. 2010.
129 MIRAN DA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro. Belo Horizonte:
Del Rey, 2006, p. 206.
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