Formas de proteção

AutorMichael Schneider Flach
Ocupação do AutorFormado pela PUCRS, ex-aluno da Escola Superior da Magistratura (AJURIS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP)
Páginas19-51
II
FORMAS DE PROTEÇÃO
O art. 216 da Constituição Federal fornece o conceito de patrimônio cultu-
ral, colocando-o como bens de natureza material ou imaterial, individuais ou em
conjunto, cujos valores estejam ligados à identidade, à ação e à memória de uma
sociedade brasileira plural, abarcando criações, obras, objetos, edicações, do-
cumentos, espaços, sítios, paisagens, locais de interesse ecológico, arqueológico,
paleontológico, formas de expressão, modos de criar, fazer e viver, numa ampla
abrangência.
A partir disso, determinando que o Poder Público, junto com a comunidade,
promova e proteja esses bens, seja “por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preserva-
ção”. Passando a congurar uma nova forma de tutela, mais ampla, a qual vai além
do mero tombamento e de outros mecanismos instituídos a contar do Decreto-lei
nº 25/1937.
Nessa esteira, o legislador elevou os níveis de proteção com o advento da Lei
dos Crimes Ambientais, cujos tipos representam avanço em relação aos bens jurí-
dicos tradicionais, suplantando as antigas disposições do Código Penal e demais
normas.
Exemplo inequívoco temos no art. 62, I, da Lei nº 9.605/95, o qual tipica ser
crime a conduta de destruir, inutilizar ou deteriorar “bem especialmente protegi-
do por lei, ato administrativo ou decisão judicial”, meios de tutela que serão aqui
analisados e que são imprescindíveis para formar o elo de ilicitude e completar o
preceito penal.
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MICHAEL SCHNEIDER FLACH
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2.1 Da Lei
De início, e dentre os vários conceitos45, podemos convencionar o termo “Lei”
como sendo uma regra geral “que, emanada de autoridade competente, é imposta
coativamente, à obediência de todos”, a quem obriga e é dirigida sem distinções.46
No âmbito penal, para Von Liszt lei “é a vontade da coletividade declarada
pelo concurso de fatores legislativos e publicada nos termos da Constituição”.47 E
para Ferri a “lei penal é a expressão social e jurídica da justiça penal, como nor-
ma de conduta para cada indivíduo, razões pelas quais o Estado impõe aos seus
cidadãos e a si próprio “a obrigação de agir em conformidade com a mesma lei”.48
Portanto, a lei é uma das fontes do Direito, é a norma declarada expressa-
mente pelo próprio Estado, de acordo com o processo determinado no Direito
Constitucional.49 Com efeito, esse procedimento legislativo – que pode ser ordi-
nário, sumário ou especial – é realizado pelo órgão competente, constituindo-se
de um conjunto de atos que compreende: iniciativa legislativa, emendas, votação,
sanção e veto, promulgação e publicação, cujo regramento pátrio está previsto no
artigo 59 e seguintes da CF50 e deve ser rigorosamente observado, dentro do seu
âmbito e das suas limitações.
45 Dentre os clássicos, pa ra MONTESQUIEU. O Espír ito das Leis. Tradução Hen rique de Car-
valho. Belo Horiz onte: Líder, 2004, p. 12, leis “são as relações necessá rias que derivam da na-
tureza das coi sas; e; nesse sentido, todos os seres pos suem as suas leis”. Já BECCARIA, Cesa re
(Dos Delitos e das Pena s. Tradução de José Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Pau lo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 27) dene as leis como “condiçõe s sob as quais homens inde pendentes e
isolados se unir am em sociedade, ca nsados de viver em contínuo esta do de guerra e de gozar de
uma liberdade inút il pela incerteza de con servá-la.” Por sua vez, para ROUSSEAU, Jean-Jaques
(O Contrato Social. Tradução Pietro Nas seti. São Paulo: Ma rtin Cla ret, 2004) cita que as leis
crimina is “são mais a sanção de todas a s outras leis que uma espécie pa rticular delas”, adv inda
de uma relação de desob ediência do homem, a qual gera a pena.
46 RODRIGUES, Silvio. Direito C ivil. Parte Geral. São Paulo: Saraiv a, 1993, vol. 1, p. 15-6. E para
BEVILÁQUA, Clóvis, apud CONSTATINO, Carlos Ernan i. Delitos Ecológicos. São Paulo: Atla s,
2002, p. 205, lei é a regra ger al que vindo da autorid ade competente é imposta por co ação “à
obediência de todos; nos E stados modernos, há um órgão desti nado à elaboração das leis, que é o
poder legislativo; prep aradas pelo Poder Legislati vo, as leis são sancionadas pelo execut ivo, que as
promulga e publica.” Sobre a aplicação e i nterpretação das norma s, ver KELSEN, Hans. Te or ia Pu ra
do Direito. Tradução Henrique de C arvalho. Belo Hori zonte: Líder, 2004, p. 133-45.
47 VON LISZT, Franz. Tratado de Direito Penal. Tomo I, 1. ed. Campinas: Russ el, 2003, p. 170.
48 FERRI, Enr ico. Princípios de Direito Criminal. O Criminoso e o Cr ime. Tradução Paolo Capita-
nio. 2. ed. Campin as: Bookseller, 1999, p. 121.
49 WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Bras ileiro. Introdução e Parte Geral. S ão Paulo: Revista
dos Tribunais, 1995, p. 55.
50 SILVA, José Afonso da . Curso de Direito Const itucional Positivo. São Pau lo: Malheiros, 1997,
p. 496-504. Sobre vigênc ia, validade e e cácia ver STEINM ETZ, Wilson. A Vi nculação dos
Particu lares a Direitos Fundamentais . São Paulo: Malheiros, 20 04, p. 39 et seq.
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Assim, havendo qualquer dispositivo legal que conra proteção o bem cultu-
ral, estará completa a relação de tipicidade e realizado um dos objetivos do art.
216 da CF. Ocorre que o art. 62, I, da Lei nº 9.605 traça uma norma penal em
branco que,51 embora dena o preceito principal, requer o complemento de ou-
tro dispositivo para caracterizar a tipicidade plena da conduta, onde a integração
pode provir do mesmo órgão legislativo ou diverso, “pode ser outra lei da mesma
fonte de onde emanou a lei penal, ou leis ou regulamentos originários de outros
poderes”, de edição já presente ou futura.52
Por oportuno, em estabelecendo o art. 23, III, IV e V, da CF ser da competên-
cia comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger
os bens de valor histórico, artístico e cultural (conforme o teor do art. 216), a lei
que irá conferir especial proteção ao dito patrimônio poderá advir de qualquer
das esferas federativas.53
Destarte, não incidirá aqui violação alguma ao postulado da reserva legal,
pois satisfeitos os requisitos do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal. Anal,
51 SIRVINSKAS, Lu ís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. Bre ves Considerações Atinentes à
Lei nº 9.605/98, de 12-02-1998. 4. ed. São Pau lo: Saraiva, 2011, p. 208.
52 Anibal Bru no (Direito Penal, Parte Ge ral, Tomo 1º. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 204-5)
dene que “Normas pena is em branco são normas de tipo incompleto, normas em qu e a des-
crição das circ unstância s elementares do fato tem de ser completad as por outra dispo sição
legal, já existe ou f utura. Nelas a enuncia ção do tipo mantém deliberad amente uma lacuna, que
outro dispositivo lega l virá integrar. Nessa s leis existe sempre um comando ou uma proibição,
mas enunciados em gera l, de maneira genérica, a que só a dis posição integradora dará a con -
guração esp ecíca. A norma integrador a estabelece, então, as condiçõe s ou circunstâncias que
completam o enunciado do tip o da lei em branco. Traz para a lei em branco um complemento
necessário, ma s na lei penal é que se encontra, embora insuc ientemente denido, o preceito
principal. A norma c omplementar resulta uma fonte subsid iária do Direito Penal, mas fonte
importante porque as c ondições que ela estabe lece irão constitu ir elementos integra ntes do
tipo da lei em branco e deter minar a aplicação da sanção. A qua ntidade do preceito ausente,
necessitada de complemento, pode va riar desde o máximo, qua ndo a lei em branco contém a
proibição de infri ngir determi nado dispositivo de out ra lei ou regulamento e nes te é que se
encontra todo o conteúdo da inf ração proibida, até um m ínimo em que o dispo sitivo com-
plementar dá apenas sentido a u m dos elementos do tipo. O dispositivo que completa a lei em
branco pode esta r contido na mesma lei penal, ou prov ir do mesmo órgão legislat ivo ou de
órgão diferente. pode ser outr a lei da mesma fonte de onde emanou a lei penal, ou leis ou regu-
lamentos originá rios de outros poderes”.
53 Embora não seja o caso do a rt. 62, I, da LCA, pode ocorrer que a norm a complementar adve-
nha de outra fonte que não uma entre a s previstas no art. 59 da CF, advi nda de um período de
exceção, após consolid ado e cabível na sua época, como a própria “lei de tomba mento”, o DL
nº 25/37. Conforme RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. ed . São Paulo: Revist a
dos Tribunais, 1999, p. 293, “nestes casos , os governos absorvem as funções própri as do Poder
Legislativo e ed itam normas gerais de d ireito sob a forma e denominação de dec retos-leis” que,
geralmente, “recebem, ma is tarde, com as res salvas dita das pela nova ordem juríd ica, uma
raticação con stitucional”, como a posta no ar t. 12 da CF de 1937.
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