Jornada evolutiva histórica

AutorMichael Schneider Flach
Ocupação do AutorFormado pela PUCRS, ex-aluno da Escola Superior da Magistratura (AJURIS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP)
Páginas1-17
I
JORNADA EVOLUTIVA HISTÓRICA
Ao longo da trajetória mundial dos sistemas legais, desde os idos do Código
de Hamurabi e das Leis das XII Tábuas, observamos vários dispositivos dirigidos
à proteção do patrimônio público e privado, bem como preocupados com marcas
da história, arte e cultura. Exemplo disso vemos no código de posturas do Império
Romano sobre a conservação da imagem da cidade, na ordem do Imperador
Alexandre, no século III, aplicando multas a quem comprasse uma casa com o
m de demoli-la, nas leis do Império Bizantino, ao m do século IV, proibindo a
desguração de fachadas e ornamentos, e no ato do Senado Romano de 1162 insti-
tuindo a proteção da Coluna de Trajano, contruída no ano de 114 d.C.2
Por sua vez, em 1463, o Papa Pio II expediu a bula Cum Almam Nostram
Urbem , prevendo multas e a excomunhão de quem “demolir, quebrar, danicar ou
transformar em cal, de forma direta ou indireta, pública ou secretamente, qual-
quer edifício público da antiguidade ou quaisquer remanescentes dos edifícios
antigos”. Assim, mirando a história, podemos perceber já nos tempos de Roma e
dos Estados Pontifícios, que existiam “manifestações legais de proteção do patri-
mônio cultural e artístico da humanidade”. Sendo nítido que “países civilizados do
mundo já se preocupavam” de longa data com a preservação da cultura.3
A evolução do reconhecimento e da proteção do patrimônio cultura l nas suas
várias vertentes (histórica, arquitetônica, artística, arqueológica, estética, etc.) se-
rão a seguir analisadas em termos mundiais e nacionais.
2 MIRAN DA, Marcos Paulo de Souza. Evolução históric a da legislação protetiva do patr imônio
cultura l no Brasil. Fórum Administrativo, Belo Hori zonte, ano 17, nº 198, ago. 2017, p. 1.
3 SOUZA FILHO, Carlos Freder ico Marés. Bens Culturai s e Proteção Jurídica . Porto Alegre:
Unidade Editoria l, 1997, p. 42. Sobre a proteção no Direito Canônico, vide MIRANDA, Marcos
Paulo de Souza. Evolução h istórica da legislaç ão protetiva do patrimôn io cultura l no Brasil.
Fórum Administrativo, Belo Hori zonte, ano 17, nº 19 8, ago. 2017, p. 1-2.
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MICHAEL SCHNEIDER FLACH
2
1.1 Dos Primórdios ao Presente da Preservação
O Renascimento foi um marco signicativo de distanciamento da idade das
trevas e de enormes transformações culturais, além de sociais, políticas, cientí-
cas, econômicas e religiosas, marcando uma retirada do feudalismo rumo ao
capitalismo. Ocorre nele uma revalorização da Antiguidade clássica e uma nova
visão sobre a própria posição do homem (humanismo), o que oresce nos terri-
tórios italianos e se alastra pelo continente europeu; sendo que neste podemos
identicar um marco referencial de proteção do patrimônio da cultura e da arte.
A partir da segunda parte dos anos 1300, temos uma nova atitude de valori-
zação do estético, arquitetônico, histórico e cultural. O nascimento do chamado
“monumento histórico” pode ser localizado em Roma, em torno do ano 1420.
Doravante, vemos um excepcional despertar, “despojado das paixões medievais,
que, pousado sobre os edifícios antigos, metamorfoseia-os em objetos de reexão
e de contemplação”. E que, por exemplo, podemos vericar no prólogo da obra De
re aedicatoria, de Alberti, sobre os templos dos romanos.4
Explica Baumer que o século XVII foi o primeiro século moderno, inauguran-
do uma nova época no pensamento, distinto da antiga. As suas marcas mais pro-
fundas estão no Renascimento, com o seu humanismo, e na Reforma Protestante,
enquanto oposição ao pensar da Idade Média. Eram ambos fundamentalistas, no
sentido de reviver (e até mesmo de rivalizar com) os modelos primitivos, como as
antigas civilizações grega e romana, ou mesmo a primeva Igrej a Cristã.5
Com efeito, após os embates políticos que assolaram a França no nal do sé-
culo XVIII, com o início da sua Revolução em 1789 e a Era Napoleônica, surgem
os mais relevantes movimentos de preservação da riqueza cultural, como conse-
quência dos atos de depredação e destruição de importantes bens, ligados ao clero
e à monarquia,6 e da necessária valorização dos objetos nacionais.
4 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 4ª ed. São Paulo: Unesp, 20 06, p. 31, 44-46, citan-
do o prólogo de Alberti: “(Os) túmulos dos roma nos e os vestígios de sua antiga ma gnicência
que vemos à nossa volta nos ensinar am a dar crédito aos testemu nhos dos historiadores latino s
que, com toda a certez a, de outro modo nos pareceriam menos c ríveis”.
5 BAUMER, Frank lin L. O pensamento Europeu Moderno. Vol. 1, séculos XVII e XVIII . Lisboa:
Edições 70, 1977, p. 43-4.
6 RODRIGUES, José Eduardo R amos. A Evolução da Proteção do Patrimônio Cu ltural. Crimes
Contra o Ordenamento Urbano e o Pat rimônio Cultural. Revi sta de Direito Ambiental, ano 3,
nº 11, São Paulo: Revista dos Tribunai s, p. 26, jul.-set. 1998, sobre a destruiç ão de bens arqui-
tetônicos e art ísticos. Ainda, cumpre referir que a própri a Assembleia Nacional Constituinte
revolucionária fez consta r na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que: A rt. 17
Como a propriedade é um di reito inviolável e sagrado, ninguém del a pode ser privado, a não
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