Dados relativos à repressão criminal no Brasil

AutorMarcelo D'Angelo Lara
Ocupação do AutorDoutor em Criminologia pelo PPGCJ-UFPB
Páginas109-156
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DADOS RELATIVOS À REPRESSÃO
CRIMINAL NO BRASIL
Diante da realidade jurídico-penal imposta pela legislação brasileira,
resta analisar se a tendência patrimonialista, que se mostrou crescente nas
regulamentações erigidas no país desde a sua independência, produziu efeitos
no panorama de repressão criminal.
Inicialmente, cabe destacar que a questão da segurança pública no Brasil
sempre foi prejudicada pela ausência de levantamentos estatísticos que forne-
cessem informações dedignas sobre a ocorrência e o registro de crimes no
território nacional. A incapacidade do país em construir um ciclo de produção
e utilização de estatísticas criminais378, entretanto, não impediu que tais da-
dos fossem coletados de maneira esparsa o que, respeitadas as limitações do
processo de observação de indicativos, permite que se trace um panorama de
como a repressão criminal foi efetivada no país.
Naturalmente, quanto mais remoto o período e arcaica a organização da
estrutura de repressão de crimes e de execução da sistemática penal legalmente
imposta, tanto mais penoso o trabalho de coleta de dados, e menos acuradas as in-
formações contidas nos registros, muitos deles vetustos. Ainda assim, é possível
estabelecer parâmetros de análise acerca da realidade jurídico penal brasileira.
4.1 Metodologia de análise
A apresentação dos dados indicados no presente capítulo obedece ao
modelo de análise quantitativa. Foram captadas informações estatísticas de
fontes ociais, relacionadas à atuação de órgãos públicos cujas atribuições
demandavam a coleta de tais dados. Em virtude dessa opção de fonte de pes-
quisa, as análises centraram-se em fontes únicas, desconsideradas fontes pa-
ralelas de informações, sobretudo as extraociais.
378 LIMA, Renato Sérgio de. A produção da opacidade: estatísticas criminais e segurança pública no
Brasil. Novos estud. – CEBRAP [on-line]. 2008, n. 80, pp. 65-66.
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MARCELO D’ANGELO LARA
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O modelo empregado se mostrou recomendado, haja vista a caraterística
bruta e genérica dos dados lançados em levantamentos estatísticos arcaicos,
bem como em virtude da inuência positivista da pesquisa quantitativa379, que
comunga com a inuência normativa sofrida pela legislação penal relativa à
maioria dos períodos pesquisados.
Cabe ressaltar que o levantamento dos dados indicados nesta seção do
trabalho não busca, em um primeiro momento, traçar parâmetros para formu-
lação de conhecimento empírico. A seção busca, apenas, fornecer parâmetros
para o desenvolvimento de pesquisa descritiva, com fulcro de minuciar os
fatos e fenômenos relacionados à realidade vivenciada à época dos levanta-
mentos aqui trabalhados380, por meio da análise de documentos e da biblio-
graa relativa ao período. O objetivo é construir uma análise axiomática da
repressão criminal no Brasil, na qual o panorama geral de aplicação prática da
lei penal servirá como uma das premissas.
Os dados analisados se referem a relatórios periódicos – contendo le-
vantamentos estatísticos ou de informações genéricas –, coletados por órgãos
ociais do governo, na esfera Federal. Em virtude do extenso lapso temporal
contido no interstício pesquisado serão expostos e discutidos, por amostra-
gem, os levantamentos apresentados ao nal de cada década, à exceção dos
períodos que sucederam a publicação de nova legislação penal, em que será
dada ênfase ao ano ou conjunto de anos seguinte ao de início de vigência das
leis. Em alguns casos, o lapso decenal será desrespeitado, em proveito de um
relatório mais completo, ou contendo informações mais claras, oferecido no
período, o que será indicado em cada intercorrência.
4.2 Repressão criminal no Império
Considerando o modelo descentralizado e autonomista de repressão cri-
minal imposto pelas disposições processuais penais no período do Império,
torna-se inócua a análise estatística dos levantamentos criminais da época,
mesmo porque as parcas referências disponíveis dizem respeito a dados dis-
tritais, sem preocupação com a reunião ou compilação de informações.
379 FONSECA, João José Saraiva da. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002,
p. 20.
380 TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987, p. 112.
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CRIMES PATRIMONIAIS – DELINQUÊNCIA COMO ELEMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL
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No período imperial, o único compêndio periódico e sistematizado de
informações de interesse público que obrigatoriamente fazia menção às ques-
tões criminais fora o relatório anual do Ministério da Justiça, que reunia in-
formações gerais sobre a pasta para apresentação à Assembleia Legislativa.
Tal compêndio, na maioria das vezes, trazia informações de forma gené-
rica, ou reunindo informações oriundas apenas dos principais centros urbanos
do país. Ainda assim, se apresenta como um parâmetro relevante de percepção
do panorama criminal do período imperial, sob a égide do Código Criminal
de 1830.
O primeiro relatório a ser analisado é o alusivo ao ano de 1831381 382,
ano que sucede a publicação do Código Criminal de 1830. O relatório não
apresenta um quantitativo de crimes registrados ou de prisões efetuadas no
período limitando-se a, em termos genéricos, indicar que os roubos e a ação
de quadrilhas de ladrões representavam o maior dos problemas de ordem pú-
blica da Capital do Império. O relatório indica, ainda, mais de 500 prisões de
vadios e turbulentos, enfatizando ser de vadios o maior número de presos.
No que se refere ao restante do império, apesar de não apresentar números, o
relatório criticou a atuação desidiosa dos Juízes de paz, que não mantinham a
autoridade de maneira satisfatória aos olhos do Ministro Diogo Antônio Feijó.
No decênio seguinte, foi apresentado o Relatório alusivo ao ano de 1840383
que fazia referência a bandos de salteadores nas províncias do Bahia, Ceará,
Maranhão, Pará, Paraná e Piauí, em cuja atuação se destacam os crimes de
roubo, homicídios e crimes sexuais. No relato o então ministro, Paulino José
Soares de Souza, destacava que os esforços estavam direcionados primor-
dialmente para a supressão de revoluções e movimentos de sedição ocorridos
no Sul e Nordeste do país384. O documento, mais uma vez, criticava a fraca
381 IMPÉRIO DO BRAZIL. Ministério da Justiça. Relatório do anno de 1831, apresentado à
Assembleia Geral legislativa na Sessão ordinária de 1832. Ministro Diogo Antônio Feijó. Rio
de Janeiro, 1832, p. 5.
382 Ressalte-se que o primeiro dos Relatórios anuais do Ministério da Justiça foi o elaborado em
1825, fazendo menção aos dados colhidos nos anos de 1823 e 1824. Não houve levantamento
relativo ao ano de criação do Ministério da Justiça no Brasil, 1822.
383 IMPÉRIO DO BRAZIL. Ministério da Justiça. Relatório do anno de 1840, apresentado à
Assembleia Geral legislativa na Sessão ordinária de 1841. Ministro Paulino José Soares de
Souza. Rio de Janeiro, 1841, p. 9-11.
384 Dentre as quais se destacaram, no período, a Revolução Farroupilha, na província do Rio Grande
do Sul; a Balaiada, no Maranhão; a Cabanagem, no Grão-Pará; e a Sabinada, na Bahia.
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