Dano moral coletivo

AutorJosé Gutemberg Gomes Lacerda
Ocupação do AutorMestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Juiz de Direito no Estado da Paraíba
Páginas79-134
CAPÍTULO
3
DANO MORAL COLETIVO
1. O DANO MORAL E SEU ALCANCE
A formulação do conceito de dano moral coletivo passa pela necessária
compreensão dos reais contornos do dano moral individual. Enxergamos o
dano moral (extrapatrimonial) sob as luzes do dano jurídico1, como lesão
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in concreto. Nessa perspectiva, as fontes normativas do dano moral indivi-
dual e do coletivo são as mesmas, diferenciando-se quanto à titularidade e
as maneiras como se revelam. A partir deste ponto e nos próximos tópicos,
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1.1 Considerações iniciais: a causa não deve ser confundida com as
consequências
O dano moral enfrentou longo processo histórico para aceitação de sua
reparabilidade, até ser acolhido pela atual Constituição brasileira (art. 5º,
V e X, CF/88). Chegou-se a imputar ao dano moral incoerência ética, pois
se estaria atribuindo um preço à dor (pretium doloris). Felizmente, logo se
percebeu que o argumento era um equívoco, pois a reparação do dano moral
visava apenas a uma compensação pelo mal injustamente sofrido.2 A ética
estaria muito mais comprometida se a vítima do dano fosse desamparada,
sem qualquer tipo de reparação.
Nos dias atuais, a reparabilidade do dano moral é aceita por todos.
Porém, a sua aceitação ainda não foi acompanhada de uma dogmática bem
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1 Cf. Cap. 2, 1.1 e 1.2.
2 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 78.
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DANO MORAL COLETIVO: SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
JOSÉ GUTEMBERG GOMES LACERDA
seja um dano reparável e sem perceber o papel que a responsabilidade civil
assume na tutela dos direitos fundamentais. Alguns estudiosos brasileiros
sobre responsabilidade civil e, especialmente, a jurisprudência, insistem em

angústia, etc.), frutos de abalos à psique humana.
Nessa linha de pensamento, ainda que também aceitando a noção de
dano como lesão a interesse jurídico, encontramos Antônio Jeová dos San-
tos3, Artur Oscar de Oliveira Deda4, Yussef Said Cahali5, Carlos Roberto
Gonçalves6 e Sérgio Cavalieri Filho. Ilustrativamente, a opinião de Cava-
lieri Filho:
Nessa linha de princípio, só deve ser reputado dano moral a dor, ve-
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intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe
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O problema, todavia, é mais evidente no Superior Tribunal de Justiça.
Apesar de adotar em determinadas circunstâncias noção puramente jurídica
de dano8, o STJ, em outras ocasiões, ainda continua investigando as conse-
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vos desse pensamento, in verbis:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLA-
NO DE SAÚDE. NEGATIVA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO
DE GASTROPLASTIA REDUTORA (CIRURGIA BARIÁTRICA).
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL NÃO CONFIGU-
RADO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O colendo Tribunal de origem
entendeu que, embora “a autora já padeça de algumas comorbidades
típicas daqueles que sofrem de obesidade mórbida, sua saúde, de uma
forma geral, ainda não foi comprometida de modo irreversível, sendo
que a realização da cirurgia possui exatamente o escopo de evitar o
agravamento das patologias que certamente decorrerão dessa condição».
Desse modo, concluiu que a simples negativa de cobertura de cirurgia
bariátrica não pode ensejar, de plano, dano moral. 2. Quando a situação
3 SANTOS, Antônio Jeová dos. Dano moral indenizável. 5. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015,
p. 38 e 47.
4 DEDA, Autur Oscar de Oliveira. A reparação dos danos morais. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 8.
5 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 20.
6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 389-390.
7 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2014, p. 111.
8 Por exemplo, o caso do reconhecimento da possibilidade de pessoas jurídicas sofrerem dano moral
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CAPÍTULO 3
DANO MORAL COLETIVO
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experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofri-
mento ou constrangimento perante terceiros, não há falar em dano moral,
uma vez que se trata de circunstância a ensejar aborrecimento ou dissa-
bor, mormente em se tratando de mero descumprimento contratual que,
embora tenha acarretado aborrecimentos, não gerou maiores danos à re-
corrente. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 713.545/
DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 08/09/2015,
DJe 01/10/2015, grifei).
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRA-
VO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMU-
LADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NÃO COM-
PROVAÇÃO DE DOR OU SOFRIMENTO. DANO MORAL NÃO
CARACTERIZADO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓ-
RIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULANº 7/STJ. 1.
O Tribunal a quo, cotejando o acervo fático-probatório, concluiu não ter
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ção a título de danos morais. Entendimento diverso por meio do especial
demandaria o revolvimento do contexto probatório, atraindo a incidência
da Súmula nº 7 desta Corte. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg
no AREsp 575.941/PR, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma,
julgado em 16/10/2014, DJe 29/10/2014, grifei)
Na realidade, é comum ver julgados falando em aspectos materiais como
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sentimentos, comuns em situação de dano extrapatrimonial.
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nologia. O termo moral
o que não ajudou em seu desenvolvimento. O Código Civil Português, bus-
cando evitar a confusão, utilizou-se de terminologia mais reveladora de sua
real natureza, optando por denominar os danos morais de danos não patri-
moniais (art. 496, CCP). Mesmo assim, também em Portugal os sentimentos
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exemplo, refere-se ao dano moral como um dano que possui “natureza es-
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que sentimentos negativos.9
Essa noção de dano moral deriva de compreensão naturalística do dano.
O dano seria algo empírico, observável e percebido pelos sentidos, ainda
que eventualmente deduzido do que ocorre com o homem médio. É uma
9 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. Direito das obrigações. 3. Tomo.
Gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2010,
p. 513. 2. v.
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