Das partes

AutorHaroldo Lourenço
Páginas63-82
CAPÍTULO 7
DAS PARTES
7.1 NOÇÕES GERAIS
Uma das “condições” para o exercício do direito de ação é a legitimidade ad
causam, ou seja, a pertinência subjetiva para a condução do processo (art. 17, 337,
XI e 485, VI CPC).
No processo individual, a regra é que somente poderá estar em juízo o titular
do direito material, denominada de legitimidade ordinária e, somente de maneira
excepcional, será possível que alguém esteja em juízo em nome próprio, defendendo
direito alheio, sendo necessário, para tanto, autorização do ordenamento jurídico,
(art. 18 CPC), denominada de legitimidade extraordinária ou substituição pro-
cessual.
Há discussão sobre a conveniência em se conferir, de lege ferenda, legitimação
coletiva ao indivíduo, contudo, não se pode descartar sua atuação de forma excep-
cional, nos casos em que não houver nenhum legitimado coletivo disponível, como
por exemplo, em uma localidade no interior, com os cargos de promotor e defen-
sor vagos, sem nenhuma associação constituída e na qual se verif‌ica o tratamento
inadequado de dados pessoais pela Administração Pública local violando a LGPD,
onde deve ser admitida, sob pena de violação à garantia constitucional do acesso à
Sobre tal ponto, o STJ2 discutiu a legitimidade do indivíduo para a tutela coletiva,
a qual acabou sendo admitida sob o manto do direito de vizinhança, onde vizinhos
ajuizaram ação cautelar, seguida de ação principal com preceito cominatório, para
que o Município se abstivesse de utilizar antiga pedreira como depósito de lixo, tendo
o juízo de primeiro grau julgado parcialmente procedente o pedido, sem interdição
do depósito sob fundamento que “o interesse de poucos não podia prevalecer sobre o
interesse de muitos”. O Tribunal de Justiça, ao dar provimento parcial à apelação dos
autores, manteve o funcionamento do depósito até que fosse concluída a usina de
reciclagem do lixo. Levantou, também, a ilegitimidade ativa dos autores, sustentando
1. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conf‌litos no direito
comparado e nacional. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 255.
2. STJ, REsp 163.483, Segunda Turma, Rel. p/ Acórdão Min. Adhemar Maciel, julg. 1º.09.1998.
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PROCESSO COLETIVO SISTEMATIZADO • HAROLDO LOURENÇO
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que o tema deveria ser resolvido através de ação civil pública. No caso concreto, os
autores se insurgem contra o mau uso de propriedade vizinha (CC, art. 554).
Superada tal questão, há inúmeros problemas no transporte de tais premissas
para o processo coletivo, as quais serão abordadas adiante.
7.2 NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMAÇÃO COLETIVA
A escorreita def‌inição do legitimado na tutela coletiva é essencial para a ade-
quada defesa do direito coletivo em juízo. Nesse sentido, há alguns posicionamentos
dignos de nota e ref‌lexão.
Majoritariamente, haveria uma legitimidade extraordinária por substituição
processual, extraindo-se de todo o sistema jurídico.3
Há, contudo, quem sustente que a legitimidade seria ordinária das formações
sociais de impulsionar a máquina judiciária, objetivando os interesses institucionais,
portanto, em nome próprio, na defesa de direito próprio.4
Há, ainda, quem sustente que não se trata de substituição processual, pois a
atuação do MP se dá nessa hipótese em nome próprio, defendendo interesse público
lato sensu, do qual é titular como órgão do Estado, da própria sociedade como um
todo.5 Haveria, assim, uma substituição, contudo no plano puramente processual.
Quem defende em juízo, em nome próprio, direito alheio, não substitui o titular na
relação de direito material, mas sim, e apenas, na relação processual.6
Por f‌im, há o entendimento de que a dicotomia clássica legitimação ordiná-
ria-extraordinária só tem cabimento para a explicação de fenômenos envolvendo
direitos individuais. Quando a lei legitima alguma entidade a defender direito não
individual (coletivo ou difuso), o legitimado não estará defendendo direito alheio
em nome próprio, porque não se pode identif‌icar o titular do direito. Não poderia ser
admitida ação judicial proposta pelos “prejudicados pela poluição”, pelos “consumi-
dores de energia elétrica”, enquanto classe ou grupo de pessoas. A legitimidade para
a defesa dos direitos difusos e coletivos em juízo não é extraordinária (substituição
processual), mas, sim, legitimação autônoma para a condução do processo: a lei
3. Pela concepção majoritária: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil:
processo coletivo. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 4, p. 210; BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sis-
tematizado de direito processual civil: direito processual coletivo e direito processual público. São Paulo:
Saraiva, 2010. v. 2, t. III, p. 198.
4. WATANABE, Kazuo. Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini. (Coord.). A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 90 e ss.; GRINOVER,
Ada Pelegrini. Mandado de segurança coletivo: legitimação e objeto. RePro. v. 15. n. 57. p. 150. São Paulo:
Ed. RT, jan.-mar, 1990.
5. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural, atri-
buição e conf‌lito. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 26-27.
6. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 64.
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