Direito processual coletivo

AutorHaroldo Lourenço
Páginas3-20
CAPÍTULO 1
DIREITO PROCESSUAL COLETIVO
1.1 NOÇÕES GERAIS. PROPOSTA DA PRESENTE OBRA
Tradicionalmente, desde os primórdios da ciência processual, sempre se estu-
dou o processo civil de maneira individual, buscando-se soluções individualizadas
dos conf‌litos, contudo, essa visão começou a se mostrar insuf‌iciente, surgindo a
necessidade de se desenvolver a tutela coletiva. Assim surgiu o denominado direito
processual coletivo, que busca a tutela jurisdicional para além do indivíduo.
Uma das maiores dif‌iculdades para o estudo do processo coletivo no Brasil é a
dispersão legislativa, sendo certo que alguns Projetos de Lei foram, brilhantemente,
elaborados há algum tempo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pelo
Instituto Brasileiro de Direito Processual, entre outros, contudo, os mesmos se
perderam com o passar dos anos, contudo, recentemente, mais dois novos projetos
foram apresentados1.
Nessa linha, para proporcionar uma melhor e mais didática compreensão so-
bre o tema, dividimos o estudo em duas partes: teoria geral do processo coletivo e,
posteriormente, o estudo isolado das principais ações, como a popular, ação civil
pública, improbidade, mandado de segurança e de injunção. Sendo certo que, uma
boa assimilação da teoria geral, proporciona ao leitor uma visão ampla sobre o assun-
to, porém, como são inúmeras leis, sendo que muitas se conf‌litam, há necessidade
de um estudo isolado.
Realmente, o Brasil, não obstante a boa qualidade das legislações, urge por uma
sistematização, o que poderia se dar por meio de um Código Brasileiro de Processo
Coletivo.
1.2 ALGUNS ANTECEDENTES HISTÓRICOS
A tutela coletiva, com a Constituição de 1988, ganhou conf‌iguração de direito
fundamental (art. 5º, XXXV, LXX, LXXIII e 129, III). O tema é uma constante na
1. Para maiores informações, vide: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jses-
sionid=02F3589D5878F6B0B1EA1506536D3371.proposicoesWebExterno2?codteor=1927513&f‌ilena-
me=Tramitacao-PL+4441/2020, sobre o projeto de lei 4.441/20, bem como sobre o projeto de lei 4.778/20:
https://www.camara.leg.br/noticias/697951-proposta-recria-lei-de-acao-publica-para-defesa-dos-interes-
ses-difusos.
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PROCESSO COLETIVO SISTEMATIZADO • HAROLDO LOURENÇO
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história da humanidade, todavia, no Brasil, somente há poucas décadas que rendeu
atenção dos estudiosos.
Um dos primeiros antecedentes da tutela coletiva tem origem romana, o que
originou a nossa ação popular – defendia-se a res sacrae, rei publicae. Ao cidadão era
atribuído o poder de agir em defesa da coisa pública, em uma noção que a República
pertencia ao cidadão romano, portanto, era seu dever protegê-la.2
Há, ainda, profundas raízes no estudo desenvolvido por Mauro Cappelletti e
Bryant Garth, na clássica obra “Acesso à Justiça”, na qual demonstra-se que, entre as
três propaladas ondas de acesso à justiça, a segunda representava a melhor repre-
sentação jurídica para os interesses difusos, especialmente na proteção ambiental
e do consumidor.3
Posteriormente, encontramos o surgimento das ações coletivas no seio da equity
do direito inglês, mas seu mais importante desenvolvimento foi nos EUA.4 As class
actions norte-americanas geraram o modelo de ação coletiva adotado pelo CDC,
fruto da prática jurídica anglo-saxã nos últimos oitocentos anos, sendo o principal
ponto de tal sistema a “adequada representação”, a ser aferida pelo magistrado.
1.3 CODIFICAÇÃO, RECODIFICAÇÃO, CPC/15 E A TUTELA COLETIVA
Ocorre que, no Brasil, com a edição do CC/16, Clóvis Beviláqua, inf‌luenciado
pelas ideias do iluminismo, fomentou a “era dos códigos”, em que um diploma legal
único regulamenta todas as relações jurídicas de direito privado civil, não admitindo
a intervenção de nenhum outro diploma nessa regulação.
O art. 76 e seu parágrafo único do CC/1916 foi arquitetado para uma “limpeza
do sistema”, ou seja, trouxe uma extrema marca individualista, centrando-se no
proprietário e na autonomia da vontade, com nítida intenção de extinguir as ações
populares que remanesciam no nosso sistema jurídico a partir do direito romano.5
Vejamos:
Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou
moral. Parágrafo único: O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor,
ou à sua família.
A intenção foi de purif‌icar o sistema, característica natural em codif‌icações
fechadas, retirando qualquer resquício de direito público. O próprio Beviláqua, ao
2. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 11. ed. atual. por Achilles Bevilaqua e Isaias
Bevilaqua. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1956. v. 1, p. 257.
3. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northf‌leet. Porto Alegre: Fabris,
1988. p. 49-66.
4. GIDI, Antonio. Las acciones coletivas y la tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales em Brasil:
um modelo para países de derecho civil. p. 17.
5. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular. 3. ed. São Paulo: Ed. RT. p. 48-55.
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