A dimensão jurídica da hipervulnerabilidade como elemento norteador dos novos paradigmas do direito privado

AutorMaria Cristina Paiva Santiago
Páginas143-203
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Capítulo 4
A DIMENSÃO JURÍDICA DA
HIPERVULNERABILIDADE COMO ELEMENTO
NORTEADOR DOS NOVOS PARADIGMAS
DO DIREITO PRIVADO
Sumário: 4.1 Do direito privado clássico aos microssistemas jurídicos:
o giro de Copérnico do sistema jurídico privado; 4.2 A liberdade
implícita à autonomia privada vigente no pensamento liberal dos
séculos XVIII ao XIX: a insuficiência do conceito clássico de igualdade
formal; 4.3 A igualdade como pressuposto da liberdade contratual:
ponderações sobre a insuficiência do modelo formal-abstrato das
codificações oitocentistas; 4.4 A releitura dos dogmas tradicionais do
direito civil (nos contratos) à luz dos princípios constitucionais: a
funcionalização dos institutos do direito civil; 4.5 Da
constitucionalização à humanização do direito civil: o descortinar de
um novo paradigma hermenêutico na teoria dos contratos; 4.6 O direito
privado na contemporaneidade: a tutela da hipervulnerabilidade na
teoria hermenêutica da humanização do direito civil-constitucional; 4.7
A tutela dos (hiper)vulneráveis no Código Civil: ponderações em torno
do substrato axiológico de um novo conceito jurídico de sujeito; 4.8
Hipervulnerabilidade e a tutela diferenciada: conceitos que se
completam.
“Não há dúvida de que cada dia que passa a nossa causa se torna mais
clara , o e povo mais esclarecido
(Josef Diettzgen).
É importante ressaltar que o escopo aqui pretendido é o de
trabalhar com a teoria geral dos contratos, nomeadamente, com a
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extinção da relação contratual inserida no contexto do “novo direito
privado” constituído a partir do paradigma da proteção dos
hipervulneráveis.
Sabe-se que a extinção da relação contratual no direito privado
se dá em regra quando a operação econômica nele estipulada se realiza
plenamente com a consecução dos efeitos jurídicos estipulados
(ROPPO, 1998, p. 211). pelo cumprimento do contrato (que
corresponde ao adimplemento da obrigação) ou com o inadimplemento
da obrigação, restando, nesse caso, a necessidade de verificação se o
descumprimento do contrato ocorreu com ou, sem culpa, do devedor
critério imprescindível para determinação da obrigação ou não de
indenizar.
Ainda na temática do inadimplemento contratual que
distinguir duas espécies de inadimplemento: o absoluto a prestação se
torna impossível de cumprir-se ou perde sua utilidade e o relativo
quando a obrigação pode ser cumprida, porém, de modo distinto do que
fora originariamente pactuado entre as partes.
Essa base teórica e conceitual está presente tanto no Código
Civil quanto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), em razão da
imprescindibilidade de existir coerência normativa no campo do direito
privado, especialmente, com a constitucionalização do direito civil e a
perda da hegemonia do Código Civil, como locus exclusivo da
disposição normativa da vida privada, anteriormente denominado,
“Constituição da vida privada106”.
Entretanto, no tocante à matéria da extinção da relação
contratual, o CDC expressamente prevê o direito de arrependimento
como forma de resilição contratual nos termos do artigo 49 do texto
normativo e que a partir de uma interpretação ampliativa à luz da
humanização do direito civil-constitucional e a aplicação da teoria do
diálogo das fontes107 pode ser aplicado, também, nos contratos do
106 Sobre o assunto, de forma expressa o professor Bruno Miragem vaticina: “O direito do consumidor,
em face do diálogo e de coerência que estabelece com suas normas com as de direito civil , com
relação ao uso de uma mesma base conceitual, não desconhece esses conceitos e deles se utiliza
(MIRAGEN, 2013, p. 364) (grifos nossos).
107 Segundo Cláudia Lima Marques, o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2015 citou a teoria do
diálogo das fontes em 215 em decisões (MARQUES, 2016, p. 17).
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Código Civil nos casos de hipervulnerabilidade de uma das partes
contratantes.
Para compreensão da presente tese, faz-se necessário trilhar
alguns caminhos que demonstrem as transformações ocorridas no
direito privado brasileiro a partir da sua renovação dogmática voltada
para a tutela da pessoa humana em suas múltiplas dimensões.
Desse modo, o presente capítulo se encontra dividido em 6
(seis) secções, propondo uma releitura dos antigos cânones do direito
privado clássico, construído sob o pálio do liberalismo caraterizado
pelo afastamento total do Estado das relações particulares até à
constatação da utopia contida no paradigma da liberdade formal das
partes, na perspectiva da relação negocial privada, e dos primeiros
sinais de enfraquecimento do dogma da teoria da vontade como
princípio fundamental e norteador da autonomia privada.
Em seguida, será abordada a autonomia privada sob a tônica do
Estado social, ressaltando o caráter intervencionista do poder público
na economia e nas relações de mercado, até o surgimento dos
microssistemas protetivos.
Ainda, nesse segmento se contextualizará o movimento
hermenêutico da constitucionalização do direito privado, ocasião em
que se tratará da aplicação dos direitos fundamentais nas relações
particulares e da força normativa dos princípios, dois temas que servirão
também como alicerce de sustentação teórica para a proposta de tese
aqui desenhada.
Em seguida, serão abordados os tópicos da humanização do
direito civil-constitucional e da aplicação da teoria do diálogo das
fontes108 como instrumentos de interpretação e aplicação do direito para
demonstrar a viabilidade da tese. Finalmente, como conclusão do
presente capítulo será abordado o tema da hipervulnerabilidade, ocasião
em que se discutirá o conteúdo e o alcance do termo, relacionando-o
com a vertente metodológica da humanização do direito civil-
108 Registre-se, também nessa oportunidade, que a teoria do diálogo das fontes é de Erik Jayme,
professor da universidade de Heildeberg e foi introduzida na jurisprudência brasileira a partir da
doutrina da professora Cláudia Lima Marques após conclusão de seu doutoramento na Alemanha sob
a orientação de Erik Jayme.

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