Escravidão e economia política: modo de produção econômica e violação sistemática dos direitos humanos

AutorDivo Augusto Cavadas
Páginas59-95
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Capítulo I
ESCRAVIDÃO E ECONOMIA POLÍTICA: MODO
DE PRODUÇÃO ECONÔMICA E VIOLAÇÃO
SISTEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS
O fenômeno político e sociocultural da escravidão
permeia a história da humanidade desde priscas eras,
embora sob justificativas e desdobramentos diversos.
Conforme relatado, o objetivo deste estudo é o de
promover uma abordagem sistêmica da escravidão, com
especial enfoque para os aspectos jurídico-políticos que
levaram o Brasil a naturalizar a exploração de mão de obra
escrava no campo, tendo por hipótese para semelhante
naturalização os reflexos de um imaginário na sociedade
rural brasileira que remonta potencialmente à crise do
sistema colonial até o início do Segundo Reinado (1777-
1840 EC), com a ascensão da economia agroexportadora
baseada na cafeicultura e a assunção dos latifúndios que
então eram explorados por descendentes da fidalguia
lusitana sob a decadente economia açucareira por
indivíduos oriundos do comércio escravagista nos grandes
polos comerciais e culturais brasileiros, chamados pela
historiografia oficial de “homens de grossa aventura”
(FRAGOSO, 1998).
Essa alteração na estrutura do poder econômico
nacional, sustenta-se neste estudo, com profundos reflexos
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na estrutura política do país, especialmente no Parlamento,
permitiu a gradual naturalização da exploração de mão de
obra escrava no contexto do ruralismo brasileiro,
encerrada apenas oficialmente pela Lei Imperial Brasileira
n. 3.353/1888 (Lei Áurea), mas que somente veio a sofrer
viragem significativa com a promulgação da Constituição
do Brasil de 1988 após um século, pois, da abolição da
escravatura.
O Brasil, em seu trajeto histórico, social, cultural e
político, acompanhou o modelo sociocultural
majoritariamente desdobrado nas civilizações ocidentais,
que teve na escravidão um infeliz liame que uniu a cultura
de diversos povos ao longo da história da humanidade, o
que se pretende abordar sob uma perspectiva sistemática
ao longo deste capítulo, cujos vetores teóricos
problematizarão ora escolas da Economia Política uma
vez que sob a óptica marxista a escravidão seria tão
somente um modo de produção econômica ligado à
Antiguidade e posterior ao primitivismo (embora, ressalte-
se, Karl Marx em seus estudos de vanguarda também
referenciara a escravidão moderna da época, a exemplo do
que ocorrera no continente americano, o que se constituíra
como um dos fatores de acumulação primitiva de capitais
na Inglaterra industrial, já no contexto do imperialismo
novecentista), tecendo-se as críticas que se entendem
necessárias a semelhante entendimento, que este trabalho
considera incompleto para se compreender o fenômeno
social e historicamente plural da escravidão ora teorias
que compreendam a escravidão sob o viés puramente
filosófico de raiz platônico-aristotélica, que vincula a
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prática de trabalhos forçados às condições psicológicas ou
de classe social originária do indivíduo.
Este estudo, a contrario sensu, tenciona alinhar-se
à óptica do Direito Internacional dos Direitos Humanos11 e
da Filosofia Moral Neokantista, considerando que
atualmente a escravidão é conduta proscrita na sociedade
internacional, prática que se constitui em violação
sistemática dos direitos humanos e coibida por disposições
legais destas duas províncias do amplo gênero das
Humanidades, que repercutem significativamente nas
políticas públicas de promoção do trabalho digno no
Brasil, segundo estabelecido pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial do
Comércio (OMC), Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), bem como outras
instituições e entidades relacionadas.
11 Um conceito adequado de direitos humanos pode ser observado na
obra de Joaquín Herrera Flores (2009 , p. 29): “Assim, quando falamos
de direitos humanos, falamos de dinâmicas sociais que tendem a
construir condições materiais e imateriais necessárias para conseguir
determinados objetivos genéricos que estão fora do direito (os quais,
se temos a suficiente correlação de forças parlamentares, veremos
garantidos em normas jurídicas). Quer dizer, ao lutar por ter acesso
aos bens, os atores e atrizes sociais que se comprometem com os
direitos humanos colocam em funcionamento práticas sociais d irigidas
a nos dotar, todas e todos,de meios e instrumentos políticos, sociais,
econômicos, culturais ou jurídicos que nos possibilitem construir as
condições materiais eimateriais necessárias para poder viver”. Embora
o caráter plural e interdisciplinar desta o bra envolva ópticas não
unívocas da definição de direitos humanos, a teoria elucubrada por
Joaquín Herrera Flores, de “d ireitos humanos como processo”, explica
de forma ad equada os desdobramentos da proteção do indivíduo,
especialmente nas democracias latino-americanas.

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