Escravidão e ruralismo brasileiro

AutorDivo Augusto Cavadas
Páginas97-140
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Capítulo II
ESCRAVIDÃO E RURALISMO BRASILEIRO
O Capítulo anterior apresentou sistemática
exposição sobre o fenômeno da escravidão, dissociando-o
de elementos ligados exclusivamente à Filosofia ou à
Economia Política. Embora essas áreas do conhecimento
sejam de significativa relevância para o entendimento do
fenômeno, sustenta-se neste trabalho que a História deva
ser elencada como a ciência mais adequada para se
compreender as bases que sustentam o objeto de obra em
comento.
Logo, a escravidão deve ser abordada enquanto
fenômeno histórico e sociocultural, especialmente à luz da
História do Imaginário Sociopolítico, uma vez que sua
influência recai de forma mais evidente nos modelos
políticos das civilizações e Estados considerados, além de
seu aspecto econômico. Almeja-se que a óptica do
estudioso, portanto, seja direcionada mais ao plano
político que ao econômico no que concerne aos estudos
históricos sobre a escravidão.
Este método de se abordar a Historiografia do
fenômeno de exploração da mão de obra escrava ao longo
das eras, pois, contempla uma abordagem interdisciplinar
do objeto de obra, que abranja não apenas a Teoria da
História no domínio da História do Imaginário enquanto
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desdobramento da História Cultural, província
historiográfica típica da segunda metade do século XX,
mas também outros domínios das Ciências Humanas, uma
vez que os modelos escravistas exercem profundo impacto
no tabuleiro da política externa dos países e civilizações
que os adotaram, em suas mais diversas variações,
conforme o período histórico considerado.
Conforme relatado, a natureza multidisciplinar e
interdisciplinar da presente investigação, sua metodologia
norteia-se para uma abordagem multidisciplinar,
interdisciplinar e com pretensão transdisciplinar (cf.
MORIN, 1990) da escravidão rural contemporânea no
Brasil, bem como suas raízes na matriz cultural latina,
colonial, escravista e autoritária deste país enquanto
Estado-nação, no contexto dos recortes cronológicos
correspondentes à crise do tráfico atlântico na primeira
metade do século XIX e aos trinta primeiros anos de
vigência da Constituição Republicana de 1988.
Além disso, conforme evidenciado no Capítulo
anterior, os dois períodos históricos considerados não são
dotados de aleatoriedade em sua seleção na presente obra,
pois auxiliam decisivamente na compreensão do
imaginário sociopolítico e sociocultural permissivo à
exploração de mão de obra escrava no Brasil,
especialmente nas regiões rurais interiores. Neste sentido,
o estudo do ruralismo brasileiro como fenômeno sócio-
histórico é importante para se compreender a hipótese que
se pretende demonstrar nesta investigação.
Esta temática, por sua própria natureza
interdisciplinar no âmbito da História e das Ciências
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Sociais, é tema privilegiado numa abordagem
historiográfica contemporânea. Sobre a desejável interação
da História com a Teoria Social, relevante o seguinte
excerto da obra de Burke (2012, pp. 40-41):
Vivemos em uma era de linhas
indefinidas e fronteiras intelectuais
abertas, uma era instigante e, ao
mesmo tempo, confusa. Podem-se
encontrar referências a Mikhail
Bakhtin, Pierre Bourdieu, Fernand
Braudel, Norbert Elias, Michel
Foucault e Clifford Geertz nos
trabalhos de arqueólogos, geógrafos e
críticos literários, assim como de
sociólogos e historiadores. O
surgimento do discurso compartilhado
entre alguns historiadores e
sociólogos, alguns arqueólogos e
antropólogos, e assim por diante,
coincide com um declínio do discurso
comum no âmbito das Ciências
Sociais e humanidades e, a bem da
verdade, dentro de cada disciplina.
Mesmo uma subdisciplina como a
História Social agora está correndo o
risco de dividir-se em dois grupos, um
deles preocupado com as principais
tendências, o outro, com estudos de
caso de pequena magnitude. Na
Alemanha, em especial, os dois
grupos estão ou estavam em conflito,
com os chamados “historiadores
societais” (Gesellschaftshistoriker)
como Hans-Ulrich Wehler, de um
lado, e os praticantes de “micro-

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