Introdução

AutorDivo Augusto Cavadas
Páginas25-58
25
INTRODUÇÃO
A exploração de mão de obra escrava constitui-se
na atualidade em grave violação do Direito Internacional
dos Direitos Humanos, bem como do Direito Penal
reconhecido pela maioria das democracias ocidentais. Sob
o ponto de vista filosófico, a submissão de um ser humano
a outro revela manifesta perversão dos cânones da
Filosofia Moral, em especial das teorias de natureza
universalista e cosmopolita, ilustrando-se com o exemplo
da tese do imperativo categórico ético de Immanuel Kant
(1724-1804 EC1).
Todavia, sustenta-se no presente estudo ser
domínio privilegiado da História Política a busca pelos
fundamentos da exploração de mão de obra escrava na
Idade Contemporânea, delimitada pelos influxos teóricos
dos movimentos intelectuais da Nova História Cultural e
dos Estudos Culturais (Cultural Studies)2, considerando
tratar-se de fenômeno histórico, social, cultural e político
1 Opta-se pelas siglas AEC (“Antes da Er a Comum”) e EC (“Era
Comum”) em vez das usuais a.C. (“antes de Cristo”) e d.C. (“depois
de Cristo”), em apreço a um perfil laico de obra das Humanidades
enquanto amplo gênero composto pelas Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas.
2 A escola historiográfica da Nova História Cultural e o movimento
intelectual dos Cultur al Studies foram dois relevantes momentos na
trajetória percorrida pela Ciência da História desde a sua origem no
plano da sistematização teórica no século XIX. Estes dois movimentos
típicos do século XX serão detidamente abordados ao longo deste
estudo, sendo neste momento apenas mencionados, desde logo
destacada a importância.
26
oriundo da Antiguidade e que à época não se fundava em
pressupostos semelhantes aos atuais.
Crê-se que se for atingido o natural raciocínio no
sentido de que a escravidão é dotada de uma natureza
histórica, política e sociocultural (não meramente
econômica ou filosófica), bem como que no Brasil há a
incidência de forte matriz cultural latina, colonial,
escravista e autoritária, animada pelo conceito de
ruralismo, a ser exposto adiante, restará atendido
minimamente o principal objetivo desta obra enquanto
mecanismo de transformação social por meio do exercício
da atividade intelectual acadêmico-científica.
As relações de submissão existentes entre os seres
humanos em diversas civilizações constituem-se em objeto
de profundas reflexões no espectro da História Política,
Filosofia, Sociologia, Direito e Economia Política (nesta
última ciência, enquanto modo de produção pré-
capitalista, logo após o estágio de primitivismo humano3).
Tal fenômeno se não apenas por razões
inerentes aos desdobramentos historiográficos
contemporâneos a respeito do tema, dotados de
significativo grau de interdisciplinariedade e
transdisciplinariedade, mas também pela pluralidade que a
matéria enseja nas mais diversas abordagens dos Estudos
Culturais4.
3 A divisão metodoló gica em modos de produção econôm ica foi
estabelecida p rincipalmente por Karl Marx (1818 -1883) em sua obra
O Capital (1867).
4 As Ciências Humanas enquanto estrutura classificatória do
conhecimento foram objeto de grandes desdobramentos desde o
27
A principal relação de submissão que se mantém
ativa na pós-modernidade5, atravessando as diversas eras
século XIX, enquanto fruto das a ssim chamadas “Ciências do
Espírito”, especialmente nos estudo s do filósofo alemão Wilhelm
Christian Ludwig Dilthey (1833 -1911 EC), que estabeleceu sua
distinção com as “Ciências d a Natureza”. A partir do século XX, por
influência de movimentos intelectuais como a Escola dos Annales (na
História) e a Escola de Frankfurt (na Filosofia e na Economia), que
exerceram importante papel no desenvolvimento do pensamento
sistêmico no meio acadêmico, as “Ciências do Espírito” passam a
abranger o campo das Ciências Humanas, e estas, por sua vez, passam
a ser abordad as sob a perspectiva do que se entende chamar de
Estudos Culturais, segmento da produção cien tífica que abrange temas
circunscritos por uma pluralidade valorativa incompatível com a
unilateralidade do pensamento m ecanicista, então dominante no
período pós-revolução industrial (CAPRA e MATTEI, 2018). O
estudo da escravidão contemporânea na sociedade rural e sua grave
violação juríd ica às normas do sistema d e proteção internaci onal dos
direitos humanos, objeto deste trabalh o acadêmico, representa tema de
relevo no esp ectro dos “Estudos Culturais” (Cultura l Studies).
Sustenta-se, outrossim, ser possível a conjugação das Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas no amplo gênero das Humanidades,
dada a intrínseca natureza multidisciplinar, interdisciplinar e com
pretensões transdisciplinares entre a História, o Direito, a Filosofia e a
Economia, sob o prisma da teoria da complexidade de Morin (1990).
5 Não obstante as controvérsias intelectuais resultant es do conceito de
pós-modernidade, especialmente no âmbito da História, adota-se
conceito filosófico da lavra de Bauman ( 2010, pp. 18-19), nos termos
seguintes: “Deve ficar claro, do que foi dito até aqui, que os conceitos
de modernidade e pós-modernidade não são utilizados neste livro
como o equivalente das oposições, em aparência semelhantes, com as
quais são muitas vezes confundidos - sociedade "industrial" e "pós-
industrial", ou sociedade "capitalista" e "pós-capitalista". Tampouco
são empregados como sinônimos de "Modernismo" e "pós-
Modernismo", termos que descrevem estilos culturais e artísticos
autoconstituídos e, em grande medida, autoconscientes. No sentido em
que são empregados neste livro, os conceitos de modernidade e pós-
modernidade representam dois contextos nitidamente distintos, nos
quais se desempenha o "papel de intelectual"; e duas estratégias que se

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT