Especificidades da Coisa Julgada na Concessão do Benefício Assistencial

AutorBruno Takahashi e Karina Carla Lopes Garcia
Páginas243-251

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Bruno Takahashi1

Karina Carla Lopes García2

1. Introdução

A assistência social, dentro do tripé da seguridade social, é o ramo voltado ao atendimento da parcela mais carente da população, normalmente não abrangida pela cobertura previdenciária contributiva. Atua no sentido de proporcionar condições mínimas de subsistência aos mais necessitados, tendo dentre seus objetivos "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".

A concessão do referido benefício assistencial, não raro, dá-se judicialmente, contexto em que as peculiaridades de tal lide devem ser consideradas na dinâmica processual. Superada a fase em que o direito processual, na ânsia de ter sua autonomia científica reconhecida, acabou afastando-se do direito material, nos dias atuais se ressalta a importância do processo como um instrumento que deve ter em consideração não apenas o direito material a ser tutelado, mas a própria realidade social em que está inserido.

Neste contexto, o que se pretende analisar nesta obra são as modulações exercidas sobre o processo civil geral pelas especificidades da lide assistencial, sobretudo diante da provisoriedade inerente aos seus requisitos, além da controvérsia em torno da interpretação legal e jurisprudencial dos mesmos. Especificamente, o foco da análise será o instituto processual da coisa julgada, contrapondo sua natural pretensão de defini-tividade frente a dois pontos principais: a) provisoriedade do benefício assistencial; b) possibilidade de relativização após a evolução da interpretação constitucional acerca dos requisitos legais do benefício. Ao final, buscar-se-á delimitar os limites da revisão bienal prevista pela legislação, bem como de eventual relativização da coisa julgada diante da nova jurisprudência constitucional.

2. Benefício assistencial Espécies e requisitos

O benefício assistencial, nos moldes da previsão constitucional do art. 203, inciso V, possui duas espécies: o devido ao portador de deficiência física e o devido ao idoso. Como requisito comum tem-se a chamada miserabilidade, ou seja, a impossibilidade de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela família.

A definição legal dos conceitos "deficiência", "idoso", "miserabilidade" e mesmo de "família", todos para fins de concessão ou não do referido benefício, coube, precipuamente, ao art. 20 da Lei n. 8.742/1993.

Deficiente foi definido como aquele portador de "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial" capazes de "obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (§ 2 ), estabelecendo-se que "longo prazo" corresponderia a um "mínimo de 2 (dois) anos" (§ 10). Idoso, por sua vez, decidiu-se que seria a pessoa com 65 anos ou mais (caput).

Quanto à miserabilidade, fixou-se que estaria configurada no caso da renda per capita da família inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo (§ 3º), determinando-se que, para fins de concessão do benefício assistencial, família seria "composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto" (§ 1 ). Repercutindo no conceito de

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miserabilidade tem-se, ainda, a exclusão, para fins de cálculo da renda familiar, dos rendimentos do deficiente aprendiz (§ 9º), bem como dos valores referentes a benefício assistencial já percebido por idoso membro da família, na forma do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003).

2. 1 Provisoriedade de seus requisitos e revisão bienal

Da rápida exposição acerca dos requisitos legais para concessão do benefício assistencial infere-se que são situações nitidamente temporárias. A incapacidade, dependendo de sua natureza, pode regredir ou se agravar, assim como podem variar a situação econômica da família ou o próprio quadro familiar.

Pois bem. Tal situação justifica a previsão legal contida no art. 21 da Lei n. 8.742/1993, no sentido de se realizarem revisões bienais "para avaliação da continuidade das condições" que autorizaram anteriormente a concessão do benefício.

2. 2 Concessão judicial e peculiaridades do regime probatório

Em que pese haja quem defenda o contrário, o entendimento que se adota vai no sentido de que o interesse de agir para se requerer judicialmente o benefício assistencial, salvo exceções voltadas a resguardar o direito material em risco, surge somente com o indeferimento administrativo da pretensão, uma vez que não parece ser possível caracterizar a lide se o INSS sequer teve a possibilidade de aceitar ou recusar previamente o pedido formulado.

Outro aspecto relevante do prévio indeferimento administrativo, apesar de menos lembrado, é sua função de elemento delimitador da controvérsia, já que cabe ao Judiciário exercer o poder de revisão dos atos administrativos. Por consequência, fica delimitado o objeto da prova, o que repercute, ainda, nos limites da coisa julgada.

Com exceção do requisito etário, cuja comprovação dá-se de forma simples, os demais requisitos envolvidos na concessão do benefício assistencial possuem aspectos probatórios relevantes que não podem ser desconsiderados. Com relação à incapacidade, é notória a importância da prova técnica, em especial, a perícia produzida por médico de confiança do juízo, muito embora exames médicos, atestados e laudos de médicos particulares também sejam considerados. A miserabilidade, por sua vez, diante da flexibilização jurisprudencial do conceito legal da renda per capita até 1/4 do salário mínimo, passou a poder ser demonstrada pelos mais variados meios de prova. Nos dois casos a produção da prova se mostra mais complexa, exigindo uma atuação mais presente do juiz, sobretudo diante da "hipossuficiência económica e informacional" da parte autora em processos dessa natureza, além do desequilíbrio entre as partes, muito bem delineados por José Antônio Savaris (2010, p. 62-63):

O autor é presumivelmente hipossuficiente. É uma hipossuficiência económica e informacional, assim considerada a insuficiência de conhecimento acerca de seus direitos e deveres. Uma vez que o autor se encontra em juízo buscando prestação de natureza alimentar, presume-se destituído de recursos para garantir sua subsistência. [...] Na ação em que se pretende o benefício de prestação continuada de assistência social, a presunção de fragilidade econômica, salvo temeridade na demanda, não é passível de ser infirmada, visto que o próprio direito material é destinado apenas ao que necessita (CF, art. 203, caput) e não tem condições de prover sua subsistência ou de tê-la provida por sua família (CF/88, art. 203, V).

[... ]

Se o autor da demanda é presumivelmente hipossuficien-te, por sua vez o réu é uma entidade pública, o Estado em sentido amplo. Se o primeiro não detém conhecimento pleno acerca de seus direitos, o último dispõe de todas as informações que poderiam conduzir à concessão da prestação previdenciária pretendida.

Neste contexto, compete ao juiz zelar pela adequada produção probatória, no melhor viés do processo colabora-tivo delineado por Daniel Mitidiero (2007), segundo o qual "a colaboração impõe uma postura dialogal e aberta ao órgão jurisdicional, comprometida mais com o desiderato de acudir--se ao justo no processo do que ao prestígio do fetichismo da forma pela forma".

Insta salientar ainda que a qualidade da prova deve ser analisada de acordo com o contexto social existente. Nos casos de benefícios assistenciais, há uma notória discrepância entre o nível de informações dos autores e do INSS, decorrente tanto do conhecimento das especificadas da lei como, muitas vezes, do próprio grau de instrução. Tal dificuldade informacional deve ser ponderada pelo juiz na apreciação das provas, não fazendo exigências fora da realidade.

Como bem salientado por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2009, p. 208):

[...] a convicção judicial não pode ter pretensão a uniformidade, como se o juiz pudesse formar a sua convicção sem olhar para o caso concreto. Ao juiz é indispensável considerar as circunstâncias do caso concreto que revelam dificuldades na produção da prova [...] a convicção judicial não pode ser pensada como algo que diz respeito apenas ao direito processual, compreendido na sua tentativa de isolamento em face do direito material. Para que os direitos possam ser adequadamente tutelados, a convicção do juiz não pode deixar de considerar as diferenças entre as várias situações de direito material.

É essa relação entre a prova produzida, a dificuldade informacional do autor e as especificidades do benefício assistencial

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que permite uma associação direta entre coisa julgada e fato provado.

3. Coisa julgada material Espécies

Conforme dispõe o art. 467 do Código de Processo Civil, "denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Em regra, surge independentemente do resultado da causa (pro et contra), mas também...

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