Processo Administrativo para Fins de Concessão de Benefício Assistencial

AutorAlexandre Schumacher Triches
Páginas235-242

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Alexandre Schumacher Triches 1

1. Introdução e justificativa

O presente artigo consiste, em síntese, numa abordagem acerca do processo administrativo para fins de análise do direito a percepção de Benefício de Prestação Continuada, previsto no art. 20 da Lei n. 8.742/93 — denominado de Benefício Assistencial. Trata-se de benefício oriundo da regulamentação do art. 203 da Constituição Federal, que prevê o subsistema Assistência Social, espécie do gênero Sistema de Seguridade Social.

Pretende-se com o presente artigo analisar a referida modalidade de processo, definindo natureza jurídica, regime jurídico e a dinâmica processual.

A modalidade processual que será abordada é conceituada como um conjunto de atos administrativos, praticados no âmbito da autarquia Instituto Nacional do Seguro Social — INSS, que objetivam verificar e instrumentalizar o ato de concessão ou não do Benefício Assistencial.

Justifica-se a eleição do tema diante da relevância do processo administrativo, em especial diante do fato de que o público eleito para a concessão do benefício pertence a importante extrato populacional, composto de idosos e pessoas em condições de vulnerabilidade.

2. Do regime jurídico do benefício assistencial previsto no art 20 da Lei n. 8.742/93

A Constituição Federal de 1988 garante a assistência por meio de benefícios e serviços em seu art. 203, incisos I a V, sendo que o inciso V prevê o pagamento do benefício assistencial. Regulamentando a Constituição Federal a Lei Orgânica da Assistência Social regula a concessão de benefícios eventuais em seu art. 22: "as provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do SUAS e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública".

Os benefícios eventuais não se confundem com os Benefícios de Prestação Continuada previsto no art. 20 da Lei n. 8.742/93: "O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".

Trata-se de direito da pessoa com incapacidade de longo prazo para a vida e ao idoso com 65 anos ou mais, e que não possuam meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família.

O conceito de pobreza referido deve ser auferido com base na família do postulante ao benefício, conceito este trazido pelo § 1 º do art. 20 da Lei n. 8.742/93: aquela composta pelo requerente, o cónjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Verifica-se que o critério adotado é o da composição familiar.

É bastante discutível o critério legal da composição familiar para preenchimento do requisito socioeconómico, uma vez que familiares que não possuem relação com o postulante do benefício são considerados pertencentes ao grupo familiar muitas vezes de forma indevida.

A interpretação que deve ser dada ao § 1º do art. 20 da Lei n. 8.742/93 é aquela que se restringe a analisar o caso concreto, observando o art. 16 da Lei n. 8.213/91, que trata dos dependentes previdenciários.

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A respeito do conceito de deficiente, prevê o § 2º do art. 20 da Lei n. 8.742/91: considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Neste ponto o legislador permitiu substanciais modificações na metodologia a ser utilizada nas avaliações médicas e sociais.

O benefício assistencial não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, conforme preconiza o § 4 do art. 20 da Lei n. 8.742/93, bem como a da remuneração advinda de contrato de aprendizagem no caso da pessoa com deficiência.

A proibição de cumulação não atende aos princípios constitucionais vinculados ao benefício, uma vez que o benefício assistencial possui requisitos objetivos delimitados na legislação e somente por meio da avaliação social poderá ser verificado o enquadramento legal. Caso possua o Requerente outro benefício, e este não esteja sendo suficiente para seu sustento deve lhe ser facultado comprovar o direito ao benefício.

Quanto à cessação do pagamento, ela poderá ocorrer em três momentos: 1 — quando superadas as condições que deram ensejo à concessão; 2 — no caso de morte do beneficiário; e, 3 — quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização. Além disso o benefício deverá ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

Quanto ao requisito da incapacidade de provimento da manutenção da pessoa com deficiência ou idosa, os critérios estão definidos no § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/91: considerar-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Entende-se que o critério objetivo de renda definido pelo legislador dificulta o acesso ao direito porque não pode ser visto de maneira absoluta. O critério objetivo da renda foi estabelecido para facilitar a aferição do direito, não podendo servir de empecilho à análise desta condição por outros meios.

Dependendo das peculiaridades do caso a renda familiar per capita pode ser igual ou superior a 1/4 do salário mínimo e a família do requerente não possuir condições de prover o seu sustento, estando assim evidenciada a condição de hipossufi-ciência económica.

O teto fixado pela legislação deve ser considerado como apenas um dos elementos a serem observados para a aferição da miserabilidade, havendo outros meios de provas a serem observados. Considerar de forma absoluta o critério adotado afronta o texto constitucional. Caetano Costa pensa do mesmo modo, inclusive nos seus aspectos teóricos, senão vejamos:

Trata-se de uma clara afronta ao princípio do retrocesso legal, tendo em vista que o benefício da Renda Mensal Vitalícia,

que o antecedera, tinha critérios mais benefícios, em se tratando da renda mensal para a sua concessão.

Não é a toa que os tribunai já há bastante tempo vem afastando o critério objetivo previsto no § 3 do art. 20 da Lei n. 8.742/93. Todavia, lamentavelmente sabe-se que no âmbito administrativo deverá o servidor cumprir a legislação, e esta mantém em seu conteúdo critério objetivo.

A legislação vem a definir o que é impedimento de longo prazo no § 10, quando refere aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Cumpre consignar a importância da superação de visões simplistas de que o benefício assistencial se restringe a deficientes físicos e mentais, excluindo-se da cobertura a incapacidade para o trabalho ou para os atos da vida independente.

3. Da natureza jurídica do processo administrativo para fins de concessão ou não de benefício assistencial

Objetivando tratar da natureza jurídica do processo administrativo para fins de concessão de um benefício assistencial, cumpre localizá-lo na legislação. O Processo Administrativo normatizado pela Lei Federal n. 9.784, de 29.1.1999 é denominado de geral. É geral porque há outras legislações aplicáveis a processos administrativos, ditas especiais, normalmente instituídas no âmbito estadual.

As normas do Processo Administrativo geral são também aplicáveis aos procedimentos próprios dos processos especiais, de forma subsidiária. É o que se verifica no art. 69 da Lei n. 9.784/99, quando dispõe:

Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.

Muito ampla é a classificação do Processo Administrativo, podendo ser classificado como processos tributários, disciplinares, previdenciários, e outros processos administrativos inonimados. Veja-se alguns exemplos elucidativos: a realização de um vestibular por uma universidade pública, um concurso de seleção externa para a contratação de pessoas para atuarem na Administração Pública, o rito próprio para que seja válido o lançamento de um tributo, as normas e a sequência dos atos entre o pedido e a outorga de águas ou de um licenciamento ambiental, nos órgãos de trânsito, para a emissão de uma permissão para dirigir, uma carteira nacional de habilitação ou uma segunda via de um desses documentos, dentre outros infindáveis exemplos de processos administrativos. Convive-se com relações processuais, com o poder público, diariamente.

Quando o órgão integra a Administração Pública federal, os processos são regidos pela Lei n. 9.784/99. Se pertencentes à esfera estadual ou municipal, as leis do processo administrativo dessas unidades é que regerão os procedimentos.

Apesar da pouca rentabilidade prática e científica do esforço de classificação de modalidades de Processo Admi-

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nistrativo, algumas demarcações são importantes para se compreender a natureza jurídica da modalidade processual abordada. Primeiramente, que o processo...

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