Fundamento normativo do dano moral coletivo

AutorFernanda Orsi Baltrunas Doretto
Páginas13-37
FUNDAMENTO NORMATIVO DO DANO
MORAL COLETIVO
Fernanda Orsi Baltrunas Doretto
Doutora e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Professora do Curso de Direito da Universidade São Judas Tadeu.
Professora Titular do Curso de Direito da Universidade Paulista – UNIP.
Advogada em São Paulo.
A responsabilidade civil, seus conceitos, institutos e ref‌lexos, constituem um
imenso desaf‌io à doutrina e à jurisprudência Pátrias. O conceito de dano e suas espe-
cif‌icidades, a dicotomia entre culpa e risco, e a preocupação com a devida e pertinente
reparação, têm sido constante foco de discussões e análises pelos estudiosos do Direito.
O conceito de responsabilidade civil pressupõe o estabelecimento de uma relação
jurídica entre o indivíduo que sofreu um prejuízo e aquele juridicamente responsável
por reparar tal prejuízo, buscando-se, ao máximo, que as partes retornem à situação
anterior ao advento do evento danoso.
Nas palavras de Maria Helena Diniz, “toda a manifestação da atividade que pro-
voca prejuízo traz em seu bojo o problema da responsabilidade que não é fenômeno
exclusivo da vida jurídica, mas de todos os domínios da vida social”.1
De apontar-se o entendimento de Álvaro Villaça Azevedo, que entende a res-
ponsabilidade civil como a “situação de indenizar o dano moral ou patrimonial,
decorrente de inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta
por lei, ou, ainda, decorrente do risco para os direitos de outrem”.2
Responsabilidade, portanto, não se confunde com obrigação. A obrigação é um
dever jurídico originário, e a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, que
surge em consequência da violação da obrigação.3
Partindo do pressuposto que o Direito busca regular as condutas sociais e es-
tabelecer limites, faculdades, vedações e procedimentos voltados para o bem-estar
geral e para a pacif‌icação dos conf‌litos, toda ação ou omissão que, infringindo um
dever genérico ou específ‌ico decorrente de regras e princípios jurídicos, venha a
causar um dano injusto a terceiros, pessoas ou coletividades, merece uma resposta
enérgica do sistema jurídico. A tarefa do Direito, portanto, consiste em preservar a
integridade moral e patrimonial das pessoas que titularizam interesses jurídicos e
estabelecer, objetivando essa preservação, vedações e obrigatoriedade de condutas,
1. DINIZ, M. H., Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7, p. 3.
2. AZEVEDO, A. V., Teoria geral das obrigações, p. 277.
3. CAVALIERI FILHO, S., Programa de Responsabilidade Civil, p. 17-18.
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e também a f‌ixação de sanções efetivas – civis e penais – contra quem ameace causar,
ou venha efetivamente a gerar dano injusto a outrem.4
Vale lembrar, neste passo, que a responsabilidade civil e a responsabilidade penal,
muito embora originárias da infração de um dever, trilham caminhos diametralmente
opostos. Enquanto a responsabilidade penal busca a punição do agente pelo ilícito
cometido, de acordo com a lei penal estabelecida, a responsabilidade civil persegue
a reparação do dano causado.
O ato praticado pelo agente pode conf‌igurar, portanto, ao mesmo tempo, um
crime e um ilícito civil, ou somente um ilícito civil. Se o ato que causa prejuízo à
vítima corresponde a uma transgressão da lei penal, buscar-se-á, além da reparação
de natureza civil, a punição de caráter criminal. Por outro lado, a reparação dos da-
nos causados será perfeitamente possível e desejável, ainda que o ato prejudicial a
direitos ou bens alheios não se encontre tipif‌icado penalmente, deixando, portanto,
de ensejar uma resposta punitiva de caráter criminal.
A responsabilidade civil apresenta uma evolução pluridimensional, pois sua
expansão se deu não só quanto à sua história, mas também com relação aos seus fun-
damentos e à sua área de incidência. Historicamente, nos primórdios da civilização,
dominava a vingança coletiva, caracterizada pela reação conjunta do grupo contra
o agressor pela ofensa a um de seus componentes, evoluindo, posteriormente, para
uma reação individual –, a vingança privada, em que os homens faziam justiça pelas
próprias mãos, sob a Lei Talião; ou seja, a reparação do mal pelo mal, ou “olho por
olho, dente por dente”.5
A aplicação da Lei do Talião, que se baseava na vingança privada, e que também
estava presente na Lei das XII Tábuas, notadamente na Tábua VII, Lei 11ª (“de delic-
tis”), foi gradualmente substituída pela reparação pecuniária do delito.
Sobre essa transição, aponta Álvaro Villaça Azevedo, a importância da Lex Po-
etelia Papiria, do século IV a.C., que não mais admitia a execução pessoal. “Assim,
antes dessa Lei, a obrigação era vínculo meramente pessoal, sem qualquer sujeição
ao patrimônio do devedor, sendo que, estando o devedor vinculado à obrigação com
seu próprio corpo, o credor tinha direito sobre seu cadáver”.6
Entre os séculos III e II a.C., um plebiscito aprova a Lex Aquilia de Damno, ver-
dadeiro marco na evolução histórica da responsabilidade civil, “[...] cuja importância
foi tão grande que deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual ou
extracontratual”,7 estabelecendo as bases jurídicas dessa espécie de responsabilidade
civil, criando uma forma pecuniária de indenização do dano, baseada na f‌ixação de
seu valor.
4. MEDEIROS NETO, X. T., Dano moral coletivo, p. 22.
5. DINIZ, M. H., Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7, p. 10.
6. AZEVEDO, A. V., Teoria geral das obrigações, p. 31.
7. GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R., Novo curso de direito civil, v. 3, p. 11.
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