O percurso do 'dano moral coletivo' na jurisprudência do superior tribunal de justiça

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Páginas83-105
O PERCURSO DO “DANO MORAL COLETIVO”
NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA
Flaviana Rampazzo Soares
Mestre e Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS). Professora. Bolsista Capes. Linha de pesquisa: ecácia e efetividade
da Constituição e dos Direitos Fundamentais no Direito Público e Direito Privado.
e-mail: frampazzo@hotmail.com
Sumário: 1. Explicitação do enfoque da abordagem – 2. Dano moral coletivo ou dano extra-
patrimonial coletivo: uma questão meramente semântica? – 3. A estreia opaca do dano moral
coletivo no STJ: primeira fase com tendência refratária, embora com divergências – 4. A segunda
fase do dano moral coletivo no STJ: resistências e admissão – 5. Conclusões – 6. Referências.
1. EXPLICITAÇÃO DO ENFOQUE DA ABORDAGEM
O designado “dano moral coletivo” é f‌igura jurídica relativamente recente no
direito brasileiro. Ele se estabelece, de modo útil, como tipo de dano imaterial inde-
nizável, em razão de ocorrência que seja juridicamente apta e suf‌iciente para ensejar
uma obrigação dessa natureza, e atua como meio de proteção – por compensação
com viés lenitivo –, de interesses transindividuais que sejam atingidos negativamente
por essa ocorrência (da qual ocorra um dano imaterial).
A f‌igura jurídica do dano extrapatrimonial coletivo é a demonstração da ruptura
de uma percepção muito antiga e tradicional, segundo a qual os institutos típicos do
direito privado seriam destinados ao atendimento e à proteção de interesses indivi-
duais com conotação patrimonial. Atualmente, a lógica é a de que o direito privado
também contempla a proteção de direitos plurais e extrapatrimoniais.
Não obstante essas af‌irmações serem aceitáveis, gravitam na órbita do dano
moral coletivo algumas dúvidas e incertezas – a começar pelo aspecto conceitual (o
que o integra e o que não o integra), passando por questões substanciais e processuais
(qual é a destinação da indenização, em que consiste e qual é a sua natureza, quem
tem legitimidade e qual ou quais ações processuais seriam aptas a veicular essa pre-
tensão). Como visto, alguns questionamentos quanto ao conteúdo (notadamente o
teor conceitual e respectiva adequação), função e formatação dentro de uma estrutura
processual que segue essencialmente formalista, tornaram o dano moral coletivo uma
f‌igura jurídica complexa na sua conf‌iguração e na sua aplicação.
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FLAVIANA RAMPAZZO SOARES
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Doutrinariamente, sobejam estudos tratando de seu conceito, possibilidade de
uso e da sua recepção no ordenamento jurídico brasileiro, ou mesmo das condições
necessárias para a sua aplicabilidade, o que é objeto específ‌ico de outros textos que
compõem esta obra.
Esse artigo tem como objetivo explicitar o olhar do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) a respeito do tema, de modo descritivo, por meio da análise de acórdãos, com
o objetivo de extrair o que essa Corte entende por dano moral coletivo e em quais
situações e sob que circunstâncias a denominada voz de dano é aplicável.1
Para tanto, inicia-se essa exploração com uma breve referência quanto às ex-
pressões “dano moral” e “dano extrapatrimonial”, com o objetivo de auxiliar na
compreensão de uma parte do problema, a conceitual. O passo seguinte é o exame
de alguns acórdãos proferidos por aquela Corte, com o consequente estudo dos
julgados escolhidos e, ao f‌inal, uma síntese conclusiva dos aspectos mais relevantes
que forem detectados ao longo desse trajeto.
2. DANO MORAL COLETIVO OU DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO:
UMA QUESTÃO MERAMENTE SEMÂNTICA?
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência brasileiras costumam tratar as expres-
sões “dano moral” e “dano extrapatrimonial” ora como equivalentes2 (entendidas
como abrangentes de danos imateriais), ora como distintas (a primeira, como espécie;
e a segunda, como gênero). Já houve oportunidades para uma descrição das incon-
veniências da equiparação conceitual,3 bem como para questionar possíveis incom-
patibilidades que dela resultam, embora se reconheça que a designação mais usual é
a do “dano moral”, admitindo-se necessariamente que “o dano extrapatrimonial não
se confunde com o dano moral. Em que pese a redação dos dispositivos legais, que
aludem à expressão dano moral, mais preciso seria falar em dano extrapatrimonial”.4
1. A pesquisa de jurisprudência considerou apenas acórdãos (não abrangeu decisões monocráticas), extraídos
do site www.stj.jus.br, mediante busca da expressão “dano moral coletivo” na aba de pesquisa “jurisprudên-
cia do STJ”. Foram analisados todos os acórdãos resultantes, de 2006 a 2010. A partir de 2010, aumentou
consideravelmente o número de julgados e, por isso, o critério passou a ser o de coleta por amostragem
por avaliação subjetiva de relevância do teor. Todos os acórdãos foram acessados entre os dias 15, 16 e
17.06.2018.
2. MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004. p. 94-95. O autor sustenta
que a Constituição Federal brasileira concedeu maior “leque de proteção a quaisquer interesses transindi-
viduais”, abrangendo a “sua expressão moral (extrapatrimonial)”.
3. Sustentando a conveniência de um tratamento mais específ‌ico quanto aos danos patrimoniais, veja-se SOA-
RES, Flaviana Rampazzo. Def‌inição dos contornos dos danos extrapatrimoniais, a partir de uma abordagem
comparada 2013. In: Revista Eletrônica Ad Judicia OAB-ESA. Ano 1. N. 1 – out. nov. Dez. 2013. Disponível
em: http://www.oabrs.org.br/arquivos/f‌ile_527a3d2c61c18.pdf, acesso em 17.06.2018. A crítica a respeito
de conceitos mais fragmentados consta em BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana:
uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003. p. 270 e ss.
4. Esse é o entendimento de BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral coletivo. Revista direito e liberdade. V. 7.,
n. 3. Mossoró, jul-dez., 2007, p. 237-274, em especial o trecho das p. 266.
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