Fundamentos teóricos sobre o tempo jurídico

AutorArgos Campos Ribeiro Simões
Páginas101-155
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CAPÍTULO 4
FUNDAMENTOS TEÓRICOS SOBRE
O TEMPO JURÍDICO
4.1 Objetivo deste capítulo
Este capítulo destina-se a firmar conceitos sobre o tempo
jurídico, apoiados na premissa teórica de direito como lingua-
gem nos pensamentos dos grandes filósofos aqui já destaca-
dos e nos escritos de três grandes professores e pensadores:
André Comte-Sponville, Tercio Sampaio Ferraz Junior e
François Ost. Cada pensador que citamos agregam conceitos
e definições que se sobrepõem, num processo cumulativo de
experiências. É esse o nosso método de aproximação na cons-
trução do tempo jurídico.
Socorremo-nos, também, das preciosas lições de Daniel
Vieira Sarapu quando aborda a questão do tempo-direito em
autores pós-positivistas, destacando que seus trabalhos “[...]
reintroduziram o problema do tempo na teoria jurídica por
meio de investigação sobre os efeitos temporais próprios dos
diferentes modos de se conceber a prática jurídica.”197.
Sarapu afirma que o pós-positivismo não é retorno à
doutrina jusnaturalista, mas um avanço com suporte no
197. SARAPU, 2012, p. 112.
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ARGOS CAMPOS RIBEIRO SIMÕES
positivismo, retirando alguns de seus excessos, tais como:
“[...] a definição do direito válido por critérios exclusivamente
formais [...]”198 e que as fontes seriam de exclusiva produção
estatal.
No entanto, cita Sarapu199 que seriam três as característi-
cas comuns às teses pós-positivistas:
(i) aplicação de processo argumentativo no processo de
integração das normas jurídicas no ordenamento, redu-
zindo seu aspecto lógico. Na linha de Paulo de Barros
Carvalho, entendemos integração como fase interpretati-
va; integrar é interpretar. Afirma o mestre que “Se assim
não fosse, haveríamos de concluir que todas as leis que
apresentam lacunas não seriam interpretáveis, o que é
inusitado absurdo”“200;
(ii) aceitação de que a realidade jurídica não é a do mun-
do natural, mas a “[...] construída intersubjetivamente
por meio de consenso social e linguístico.”201. Há troca dos
valores de verdade e de falsidade (valências próprias do
mundo-do-ser) pelos de validade ou invalidade normati-
vas (na linguagem prescritiva do mundo do dever-ser);
(iii) retorno ao padrão romano de que “[...] o direito é um
saber prudencial, isto é, circunstancial.”202; conhecimen-
to de caráter hermenêutico voltado à solução de casos e
não de simples generalizações em face dos textos legais.
Preparamos o caminho na aplicação desse aspecto tem-
poral para o entendimento dos fluxos decadenciais e pres-
cricionais ocorrentes desde o procedimento de busca de
198. SARAPU, 2012, p. 113.
199. Ibidem, loc. cit.
200. CARVALHO, P. B., 2011, p. 129.
201. SARAPU, 2012, p. 113.
202. Ibidem, loc. cit.
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A FUNÇÃO RELACIONAL DO TEMPO NAS HIPÓTESES
DE DECADÊNCIA E DE PRESCRIÇÃO
informações pelo fisco, passando pela constituição de crédito
tributário (tanto pelo Estado como pelos contribuintes) até o
processo de execução fiscal.
4.2 Na busca da temporalização jurídica do tempo
Assim como (i) Plotino tratou o tempo como tempo da alma,
esta aqui entendida como essência da vida; (ii) Santo Agosti-
nho centrando no homem a questão temporal, mais propria-
mente em seu espírito e não na natureza; (iii) Kant e Husserl,
com suas diferenças, admitem a intervenção da consciência
como relevante na questão temporal, além da presença do as-
pecto intuitivo neste último, sabemos que não estaríamos nos
referindo ao tempo em si. Como preleciona Comte-Sponvil-
le203, sabíamos que estaríamos tratando da temporalização do
tempo, ou seja, de uma ilusão sobre o tempo.
Nesse sentido, ao conceituar o tempo, conceitua-se sua
temporalização. Portanto não estamos tentando entender o
que seria realmente o tempo, pois vimos invariavelmente nas
teses filosóficas descritas que tratar do tempo seria concei-
tuar o que ele não é, em face de sua característica fugidia de
passado que não é mais, aliado a um presente que não se man-
tém e a um futuro que ainda não veio a ser, conforme a linha
agostiniana.
A temporalidade do tempo, não sendo o tempo real, ca-
racteriza-se por ser o tempo da consciência “[...] o tempo tal
como dele nos lembramos (resgatando vestígios do passado)
ou como o imaginamos (atraindo expectativas futuras), é o
tempo tal como o percebemos e o negamos [...]”204. Retemos
no presente o que não mais existe e as projeções do que “[...]
ainda não existe [...]”205. Não que futuro, passado e presente
203. COMTE-SPONVILLE, 2006, p. 31-32.
204. Ibidem, p. 32.
205. Ibidem, loc. cit.

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