Hermenêutica

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ. Professor do PPGD da UERJ e UVA. Coordenador do Curso de Direito do UniFAA. Professor Adjunto do Departamento de Teorias e Fundamentos do Direito. (UERJ) Advogado
Páginas109-140
109
Capítulo 6
HERMENÊUTICA
6.1 Introdução
Os gregos antigos acreditavam em vários deuses todos com
formas e atributos humanos. São eles: Adônis, Afrodite, Apolo, Ares,
Ártemis, Asclépio/Esculápio, Atena, Cronos, Deméter, Dionisio, Éolo,
Eros, Gaia, Hades, Hefesto, Hera, Hermes, Ninfas, Pã, Perséfone,
Posêidon, Prometeu, Réia, Titãs, Urano e Zeus.
Na mitologia grega, Hermes era filho de Zeus e da ninfa Maia.
Em Roma, foi assimilado ao deus Mercúrio. Hermes era considerado o
mensageiro dos deuses, já que trazia a mensagem destes aos mortais
(deus-mensageiro-alado). Ele atuava como um “intérprete” pois
transformava algo ininteligível em algo bem compreendido pelos mortais.
Segundo Richard Palmer, Hermes “se associa a uma função de
transmutação – transformar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão
humana em algo que essa inteligência consiga compreender.”159
Desse modo, a palavra hermenêutica significa explicar ou
interpretar. As raízes da palavra hermenêutica residem no verbo grego
hermeneuein (interpretar) e no substantivo hermeneia (interpretação). O
Dicionário Aurélio Século XXI define-a como: Interpretação do sentido
das palavras; interpretação dos textos sagrados; e arte de interpretar leis.
A importância da hermenêutica se dá em várias disciplinas teologia,
letras, filosofia, interpretação literária, interpretação de obras de arte,
direito – tornando-se cada vez mais importante o seu campo de atuação.
A hermenêutica contemporânea assumiu o viés de uma disciplina
autônoma, conhecida como a arte da compreensão. Assim, desde logo,
assinalamos que a hermenêutica não pode ser concebida como método,
mas sim como estudo da compreensão. Isso porque as ciências naturais
159 PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999. p.24.
110
(astronomia, biologia, física, geografia, química, etc) possuem métodos
para compreender os seus objetos; já as ciências humanas precisam de
uma hermenêutica para compreender seus objetos. Celso Braida
estabelece a distinção das ciências naturais e ciências humanas da
seguinte forma:160
Desse modo, estabeleceu-se uma inteligibilidade
própria às ciências humanas, compreensiva,
distinta daquela das ciências naturais, explicativa,
quantitativa e indutiva. Enquanto as ciências
explicativas buscam determinar as condições
causais de um fenômeno através da observação e
da quantificação, as ciências compreensivas visam
a apreensão das significações intencionais das
atividades históricas concretas do homem. Esse
modelo de racionalização, retirado da interpretação
de textos, no mesmo movimento que estabelece a
apreensão do sentido como essência do método
das ciências humanas, delimita o alcance da
metodologia das ciências naturais, questionando,
acima de tudo, o próprio conceito de objetividade
científica.
A metodologia das ciências naturais, usada para estudar o que é
totalmente exterior ao homem, pode apenas "descrever", seu objeto, de
forma passiva. Daí que a objetividade desinteressada do intérprete não é
adequada à compreensão das ciências humanas. Nesse sentido, o campo
da hermenêutica nasceu como esforço para descrever os modos de
compreensão, mais especificamente “históricos” e “humanísticos”.161
Como verificaremos nos capítulos posteriores, a hermenêutica
deixa de ser um conjunto de métodos, artifícios, cnicas de explicação
de um texto para se dirigir a uma dimensão mais originária cuja
compreensão é vista como um fenômeno epistemológico e ontológico. É
a compreensão no seu sentido mais fundante e existencial. Daí que a
160 BRAIDA, Celso R. Apresentação. In: SCHLEIERMACHER, Friedrich D.E.
Hermenêutica: Arte e Teoria da Interpretação. 3.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.
p.8.
161 Ibid., p.19.
111
hermenêutica, enquanto se define como estudo da compreensão das obras
humanas, “transcende as formas lingüísticas de interpretação.”162
Nesses termos é possível afirma que a hermenêutica é essencial
em todas as ciências humanas, já que se ocupa com a interpretação das
“obras” humanas. É uma meta-ciência que permeia a compreensão de
todas as disciplinas humanísticas.
6.2 A Hermenêutica de Schleiermacher
O século XIX no que concerne a teoria hermenêutica é chamado
de romântico (hermenêutica romântica). Este período é marcado por uma
escassez de publicações já que seus maiores expoentes (Schlegel,
Schleiermacher, Boeckh, Droysen, Dilthey) não publicaram suas obras.
Isso foi possível apenas porque seus discípulos assim o fizeram.163 O
início do século XIX está separado por um abismo do racionalismo de
décadas anteriores. A crítica kantiana exerceu grande influência para o
desmoronamento do racionalismo, cultivado, dentre outros, por
Dannhauer, Spinoza, Chladenius e Meier.164
Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher165 procurou sistematizar a
hermenêutica de forma geral, fundamentando seus estudos em princípios
universais ao invés de estabelecer regras específicas para cada domínio
da interpretação (teologia, filosofia, direito, artes, etc). A idéia de uma
hermenêutica universal ocorreu face a possibilidade de existência de mal-
entendidos no esforço da compreensão. Essa idéia “nasceu da
representação de que a experiência da alteridade e da possibilidade do
162 Ibid., p.21.
163 GRODIN, Jean. Introdução à Hermenêutica Filosófica. Tradução Benno
Dischinger. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p.117.
164 Ibid., p.118.
165 Friedrich Daniel Ernst Schleiemacher, teólogo, filólogo e filósofo alemão, nasceu
em Breslau no dia 21 de novembro de 1768, e morreu em Berlim em 12 de fevereiro
de 1834. Pertenceu a uma família de pastores protestantes, foi educado numa
comunidade de irmãos morávios, ingressando em 1785 no Seminário de Barby, onde
iniciou seus estudos de teologia. BRAIDA, op.cit., p.9.

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