Institutos Afins

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas68-97
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Manoel antonio teixeira Filho
Capítulo IV
Institutos Af‌ins
Para melhor compreensão do campo de incidência da ação de mandado de segu-
rança, será de toda conveniência estudarmos alguns institutos jurídicos com os quais
esta mantenha alguma af‌inidade.
1. Mandado de injunção
Conforme havíamos narrado em escrito anterior, dentre os direitos materiais que a
Constituição Federal de 1967 — com a Emenda n. 1/69 — dizia assegurar aos trabalhadores,
alguns, como a participação nos lucros e na gestão e a estabilidade no emprego (art. 165,
V e XIII), não puderam ser imediatamente exigidos quando entrou a viger aquele Texto,
por não serem autoaplicáveis (seff executing) os dispositivos que os previam.
Em face disso, a classe trabalhadora brasileira, embalada por melíf‌luas esperanças,
pôs-se a aguardar que, em dado momento, o legislador ordinário editasse as normas
regulamentadoras necessárias à plena fruição de tais direitos. Iludiu-se, contudo, pois
esse período de resignada espera consumiu, sem sucesso, mais de vinte anos; só então
é que os trabalhadores puderam compreender — agora amargamente — que certas
discussões doutrinais, tendo como núcleo o conceito de normas de ef‌icácia limitada, de
ef‌icácia contida e de normas programáticas, quando colocadas a serviço de interesses
e conveniências esquivas de grupos inf‌luentes, podem fazer com que os direitos e as
garantias constitucionais sejam reduzidos, no plano da realidade prática, à mera retórica
constitucional, derivante dessa habilidosa forma de protelar a suplementação normativa
imprescindível à efetivação da vontade constitucional.(41)
Atentos à advertência de que desprezar as lições da História implica ser virtualmente
condenado a vê-la repetida em proporções mais graves, os constituintes brasileiros de
1988, inspirados no direito alienígena, cuidaram de inscrever na Carta promulgada a 5
de outubro do ano citado uma nova e salutar manifestação do direito público subjetivo de
invocar-se a prestação da tutela jurisdicional do Estado: o mandado de injunção (sic).(42)
Como é compreensível, essa peculiar modalidade de ação “constitucionalizada”,
por não pertencer à nossa tradição normativa — seja constitucional ou ordinária — fez
(41) Mandado de injunção e direitos sociais. In: Relações Coletivas de Trabalho — Estudos em homenagem ao Min.
Arnaldo Süsseklnd. São Paulo: LTr, 1989. p.186-201.
(42) Tentaremos demonstrar, mais adiante, que a ação em exame, ao contrário do que vem sustentando a maioria dos
comentaristas do instituto, não conduz à emissão de nenhum mandado judicial. Daí, o cuidado que teremos em
trazer sempre aspado o vocábulo “mandado”, em sede de ação injuntiva.
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Mandado de Segurança na JuStiça do trabalho
surgir, desde logo, uma série de dúvidas e de perplexidades acerca de sua natureza,
origem, f‌inalidade e o mais, que tomaram de assalto o espírito de quantos procuraram
debruçar-se sobre a novidade.
1.1. Autoaplicabilidade do art. 5.º, LX XI , da CF
A primeira indagação, que se formulou foi no sentido de saber se o inciso LXXI do
art. 52 da Constituição Federal, que se ocupa do “mandado” de injunção, seria provido
de autoexecutoriedade.
Na primeira edição deste livro, escrevemos:
Se fôssemos deixar-nos impressionar por uma leitura inicial da regra men-
cionada, a conclusão inevitável, que daí haveríamos de tirar, seria de que se
trata de norma de ef‌icácia contida (destituída, pois, de aplicação imediata),
na medida em que a sua expressão literal não indica, dentre outras coisas, o
momento a partir do qual se pode pedir o “mandado” de injunção; quem se
encontra legitimado (ordinária e extraordinariamente) para isso; qual o objeto
dessa ação; qual a sua f‌inalidade; que efeitos o pronunciamento jurisdicional
acarreta; qual o procedimento a ser observado etc.
Uma tal inferência, entretanto, seria juridicamente aceitável se não fosse irônica
— para não dizermos trágica e perversa.
Efetivamente, tendo em vista o fato essencial de que a ação em pauta foi ideada,
fundamentalmente, para tornar possível o exercício dos direitos e garantias
constitucionais assegurados aos indivíduos e às coletividades sempre que
o legislador ordinário omitir-se na elaboração da norma regulamentadora,
seria, quando menos, render culto à ironia imaginar que a regra constitucional
instituidora da ação injuntiva, para ter ef‌icácia, dependesse, também, de
regulamentação legislativa (ordinária ou complementar)! Irrisão! — haveria
de exclamar, indignado, o jovem Hamlet, em meio às brumas do castelo de
Elsinor, no reino da Dinamarca.
Nossa opinião, porém, não é f‌ilha apenas desse argumento; outros há, que a
robustecem. O primeiro vem da cronologia dos próprios trabalhos legislativos
e nos mostra que no Título II, Capítulo I, do Projeto de Constituição elaborado
pela Comissão de Sistematização, estava inserido o art. 51, cujo § 6.º estatuía:
“Conceder-se-á mandado de injunção, na forma da lei, sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício das liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania do povo e à cidadania.”
(destacamos).
Vê-se, portanto, que o atual inciso LXXI do art. 5.º, da Suprema Carta reproduziu,
em linhas gerais, a dicção do precitado Projeto, havendo, contudo, suprimido
o aposto representado pela locução “na forma da lei”. Ora, se é certo, como pro-
clama o arraigado princípio, que os textos legais não contêm termos inúteis, não
menos verdadeiro é que as supressões ou modif‌icações de parte dos enunciados
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