Interesses extrapatrimoniais protegidos juridicamente (que geram dano moral)

AutorAlexandre Pereira Bonna
Páginas15-70
3
INTERESSES EXTRAPATRIMONIAIS
PROTEGIDOS JURIDICAMENTE
(QUE GERAM DANO MORAL)
Inúmeros interesses existenciais juridicamente protegidos estão permeados
pelo ordenamento jurídico brasileiro, tornando-se imperioso que o jurista da res-
ponsabilidade civil conheça o conteúdo mínimo (o ponto de partida) ou aspectos
centrais e basilares de cada um desses interesses. A seguir, serão apresentados
sucintamente os interesses mais comuns de serem violados no bojo das práticas
sociais sob a visão deste autor, considerando que as hipóteses de cabimento do
dano moral estão envolvidas em uma cláusula aberta, não passível de taxatividade.
Cabe salientar que os bens extrapatrimoniais que serão desenvolvidos não foram
fruto de uma escolha arbitrária da pesquisa, mas sim decorreram de análise atenta
de diversas obras jurídicas como a dos irmãos Mazeaud e André Tunc (1957), que
discorrem sobre o cabimento do dano moral em muitas hipóteses que lembram as
que serão aqui trabalhadas:
(…) El juez puede conceder, especialmente, una indemnización a la víctima en el caso de lesión
corporal, atentado contra su honor, contra su reputación, o contra la de su familia, contra su
libertad personal o por la violación de su domicilio o de un secreto que le interese, a los parien-
tes consanguíneos, anes o al cónyuge como reparación del pesar experimentado en caso de
muerte de la víctima. (…) Resulta imposible una enumeración; cabe tan sólo citar, a título de
ejemplos, los atentados contra las convicciones y las creencias; más generalmente, contra los
sentimientos de moral propriamente dicha, y también todos los daños que afectam a la persona
física sin diminuir su capacidade de trabajo: sufrimientos, cicatrices y heridas que atenten contra
la estética (p. 424-427).
No mesmo sentido, António Menezes Cordeiro:
Estão em causa, designamente, realidades como a vida, a integridade física e moral, o bom nome,
a honra e a privacidade do próprio sujeito (...) a liberdade. A vida é sentida como uma vantagem,
satisfazendo evidentes necessidades ligadas à sobrevivência do ser pensante. Daí podemos
extrapolar outras vantagens: a saúde, a integridade física, o repouso, o sono e o ambiente ade-
quado. O ser humano ainda tem uma vivência espiritual e social: implica estima pelos outros
e autoestima. Tratando-se de si próprio, encontramos a honra, a consideração, a reputação e o
bom nome (2004, p. 29-78).
Assevera-se que o estudo do dano moral não é afeito a bens jurídicos alocados
em compartimentos, porque é muito comum que diversos bens jurídicos existen-
EBOOK DANO MORAL.indb 15EBOOK DANO MORAL.indb 15 24/06/2021 14:24:1724/06/2021 14:24:17
DANO MORAL • ALEXANDRE PEREIRA BONNA
16
ciais sejam atingidos em um único acontecimento. Ofensas cotidianas a alguém
como “desonesto” atingem o bem jurídico honra subjetiva e integridade psíquica;
a tortura de alguém para dizer algo fulmina o bem jurídico da integridade física e
da integridade psíquica; longas esperas em banco, companhia aérea ou ao telefone
para cancelar serviço ou obter informação viola o bem jurídico relacionado ao
tempo, mas também a integridade psíquica; uma criança que é eletrocutada em
uma cerca elétrica que despenca sobre defeito físico, mas também perturbação
psíquica, revelada pela dor, traumas, sofrimentos; um rompimento abrupto de
noivado após data marcada de casamento e convite enviado aos convidados gerará
direito a indenização por dano moral por atingir a integridade psíquica da vítima
e ao mesmo tempo a honra objetiva. Sendo assim, o estudo abaixo é feito de forma
dividida para f‌ins didáticos.
3.1 IMAGEM E NOME
Cada ser humano tem uma aparência física, de voz e de trejeitos distinta da dos
restantes. Ao contrário do que sucede com outros animais, onde se torna possível
encontrar indivíduos idênticos, entre os seres humanos prevalece sempre a variabi-
lidade de genes e a unicidade, de modo que a imagem materializada de uma pessoa
é um bem personalíssimo fortemente objetivado pois o destino que se dê à imagem
é, de certo modo, um tratamento dado à própria pessoa que acaba surgindo no palco
dos bens de personalidade (CORDEIRO, 2004, p. 193).
Todas as pessoas possuem o espaço protegido para dispor de sua aparência física,
social ou sonora (voz) autorizando a captura, reprodução ou difusão dos mesmos. O
direito à compensação por danos morais pelo uso indevido da imagem está estampa-
do no art. 5º, X, da CF/88: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”, bem jurídico este também esculpido nos artigos 20 e
21 do CC/2002. Ambos os diplomas visam a proteção da forma plástica da pessoa
e de todos os seus “respectivos componentes identif‌icadores (rosto, olhos, perf‌il,
busto, voz, características f‌isionômicas etc.) que a individualizam na coletividade”
(FARIAS; BRAGA NETTO; ROSENVALD, 2015, p. 398).
A imagem é um bem jurídico que diz respeito àquilo que nos diferencia e nos
particulariza em relação aos outros, pois “a imagem está sempre vinculada a qualquer
tipo de representação gráf‌ica da f‌igura humana, em que a própria pessoa se reconhece
e é reconhecida por outras pessoas” (SANTOS, 2015, p. 382). A esse respeito, alude-
-se a uma tridimensionalidade do direito de imagem, formado por imagem-retrato,
imagem-atributo e imagem-voz (FARIAS, BRAGA NETTO, ROSENVALD, 2015, p.
398), no sentido de que estão sob o campo de proteção da imagem as características
f‌isionômicas atreladas à pessoa – como o perf‌il, o rosto e o corpo – as características
pessoais que estão vinculadas à pessoa – como o jeito de dançar, de falar, de utilizar
EBOOK DANO MORAL.indb 16EBOOK DANO MORAL.indb 16 24/06/2021 14:24:1724/06/2021 14:24:17
17
3 • INTERESSES ExTRAPATRIMONIAIS PROTEGIDOS JURIDICAMENTE (QUE GERAM DANO MORAL)
jargões, hábitos – assim como o próprio timbre sonoro peculiar de cada ser humano
sob à luz do sol.
Salienta-se que a violação do bem jurídico da imagem não necessita da utilização
da imagem do ofendido para ser consumada, bastando que se utilize uma represen-
tação gráf‌ica, como o desenho de alguém muito parecido com o Zeca Pagodinho
com uma cerveja na mão a f‌im de vender mais produtos, ou, como a utilização de um
artista muito parecido com o cantor Roberto Carlos, o jogador Pelé ou o apresentador
Faustão. Nestes casos, embora não se esteja diante da utilização de uma imagem
f‌idedigna à pessoa, sabe-se que o ofensor está obtendo proveito indevido das carac-
terísticas que distinguem aquela pessoa famosa. Destarte, “o retratado pode até ser
uma pessoa desconhecida do público, em geral. Mas, se houver o reconhecimento no
meio social em que vive, arranhada estará a sua imagem” (SANTOS, 2015, p. 382).
Nesse ponto, vale sublinhar que a violação do direito de imagem gera dano moral
indenizável independentemente de ter como consequência o gravame à honra ou
à intimidade, como já sedimentado na súmula 403 do STJ: “independe de prova do
prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com f‌ins
econômicos ou comerciais”, gozando o interesse jurídico da imagem de autonomia:
“a imagem obtida sem consentimento do retratado, mesmo que não atente contra a
honra e a intimidade, é passível de proteção” (SANTOS, 2015, p. 385). No mesmo
sentido: “pode conf‌igurar-se um fato antijurídico, ainda que não exista atentado à
honra, ou à identidade dinâmica, ou à privacidade, mas em forma autônoma não
autorizada da imagem” (LORENZETTI; FRADERA, 1998, p. 488).
Como vive-se sob a égide de um sistema jurídico que balanceia interesses
contrapostos, nada mais salutar do que o direito à integridade da imagem sofrer
limitações. Assim é que “es libre la publicación del retrato cuando se relacione con
f‌ines científ‌icos, didácticos y em general culturales, o con hechos o acontecimientos
de interés público o que se hubieran desarrollado en público” (PIZARRO, 1996, p.
505). Na mesma linha, o consentimento tácito ou expresso também afasta qualquer
violação do direito de imagem.
Uma limitação clara também se manifesta quando arrima a difusão da imagem
o interesse didático, científ‌ico ou público relativo à informação de artista, esportis-
ta, político ou pessoa famosa de relevância para toda a sociedade. Também existem
limitações quando se está em espaço ou evento público.
Questão difícil se referiu à possibilidade de escritor desenvolver obra sobre a
vida de alguém sem a autorização do mesmo, a chamada biograf‌ia não autorizada.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionali-
dade n. 4815, de Relatoria da Ministra Carmem Lúcia, com acórdão publicado dia
01.02.2016, privilegiou a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística,
científ‌ica e de comunicação, independentemente de censura ou licença de pessoa
biografada, asseverando que não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua
EBOOK DANO MORAL.indb 17EBOOK DANO MORAL.indb 17 24/06/2021 14:24:1724/06/2021 14:24:17

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT