A quantificação do valor indenizatório do dano moral

AutorAlexandre Pereira Bonna
Páginas101-121
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A QUANTIFICAÇÃO DO VALOR
INDENIZATÓRIO DO DANO MORAL
Preambularmente, cumpre reconhecer um paradoxo na tarefa dos agentes do
direito em identif‌icar e quantif‌icar o dano moral, visto que a identif‌icação de interesses
existenciais/extrapatrimoniais1 merecedores de tutela jurídica em casos concretos
não possui sustentáculo sólido no emaranhado de regras e princípios presentes no
âmbito institucional-autoritativo (vida, honra, imagem, intimidade, vida privada,
integridade física, integridade psíquica, liberdade etc.), uma vez que há uma cláusula
aberta de reconhecimento de danos morais. Além disso, não há critérios sólidos na
lei e na dogmática para auxiliar o juiz no momento da quantif‌icação, sendo oportu-
no um estudo que vise a adentrar nas miríades das relações interpessoais de modo
a investigar na teoria e prática critérios racionais para o manejo do dano moral,
atenuando a subjetividade e arbitrariedade envolvendo o tema.
O desenvolvimento de parâmetros para identif‌icar e quantif‌icar o dano moral
indenizável é de suma importância em dois sentidos. Primeiro, para emanar padrões
de comportamento à sociedade, pois a responsabilidade civil se revela como um
poderoso instrumento de edif‌icação de padrões virtuosos em diferentes espaços
de convivência (na favela, em cidades de interior, em centros urbanos, nas relações
de consumo, de trabalho, com o Estado, com vizinhos e familiares etc.), o que não
é avesso aos valores abstratamente considerados, ao contrário, a faceta teórica e
abstrata ganha vida e concretude em situações específ‌icas. Segundo, a existência de
mais critérios permite levar à sério a função compensatória da responsabilidade civil,
na medida em que buscará compreender a magnitude do dano em grau máximo.
Assim, uma vez identif‌icado um interesse existencial digno de proteção em
um caso concreto, outros desaf‌ios não menos complexos surgem na segunda etapa
relativa a qualquer decisão completa sobre dano moral: a quantif‌icação do valor
necessário para compensar o dano. Neste aspecto, a mensuração do quantum inde-
nizatório deve ter harmonia com a magnitude do dano sofrido pela vítima, de modo
a realizar a justiça corretiva propugnada pela responsabilidade civil, eliminando no
maior grau possível o dano imerecido, tarefa esta que no dano patrimonial corres-
ponde ao desfalque patrimonial e não demanda maiores digressões, mas em se tra-
1. As expressões interesses existenciais e interesses extrapatrimoniais serão utilizadas como sinônimos. Em
ambos os casos estar-se-á diante da possibilidade de reconhecimento de dano moral indenizável.
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DANO MORAL • ALEXANDRE PEREIRA BONNA
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tando de dano moral a “anulação” da perda imerecida se dá de modo aproximativo,
compensando-a.
5.1 CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO SOB O VIÉS COMPENSATÓRIO
Muito se debateu na literatura jurídica nacional e estrangeira acerca da pos-
sibilidade de o dano moral permitir a f‌ixação de uma indenização, haja vista que
em uma primeira leitura, poder-se-ia pensar que nenhum valor em dinheiro seria
capaz de apagar o estado de coisas danosas como na morte de um ente querido ou
amputação de uma perna. Contudo, diante dessa pergunta, os irmãos Mazeaud e
André Tunc (1957) problematizam: “es ésa una razón para negarle a la víctima el
abono de daños y perjuicios? En manera alguna; porque se trata precisamente de
ponerse de acuerdo acerca del exacto sentido de la palabra ‘reparar’” (p. 438). E,
nessa esteira, explicam que debe ser realizada uma mudança de sentido do que se
considera reparar um prejuízo, que classicamente vinha sendo considerada como
repor as coisas no estado em que elas se encontravam:
Pero eso es darle a la palabra “reparar” un sentido por demás restringido. ‘Reparar’ un daño no es
siempre rehacer lo que se ha destruido; casi siempre suele ser darle a la víctima la posibilidad de
procurarse satisfacciones equivalentes a lo que ha perdido. El verdadero carácter del resarcimiento
de los daños y perjuicios es un papel ‘satisfactorio’. Hay que reconocer que el dinero no sólo
facilita un enriquecimiento intelectual o artístico, sino que le da a quien lo recibe la posibilidad
de aliviar por sí mismo muchos sufrimientos. Por lo tanto, no es chocante permitirle a un padre o
a una atenuación a su pena en el consuelo que llevarán a niños desventurados. Concederles esa
posibilidad es desde luego “reparar” el daño, a menos en cierta medida (p. 438-439).
Seguindo essa linha, em matéria de dano moral, a função compensatória está
relacionada à tentativa de estabelecer um valor indenizatório suf‌iciente para con-
duzir a vítima a um estado tal qual não tivesse sofrido o dano, ou seja, busca, tanto
quanto possível, a exata extensão do mesmo2, em prestígio ao restitutio in integrum
com vistas a pôr a vítima em situação idêntica à de antes do evento danoso, com o
conjunto de seus interesses inteiramente preservados. Esse estado perquirido pela
função reparatória é denominado de status quo ante:
Em sentido amplo, indenização é o que se há de prestar para se pôr a pessoa na mesma situação
patrimonial, ou, por incremento do patrimônio, no mesmo estado pessoal em que estaria se não
houvesse produzido o fato ilícito (lato sensu) de que se irradiou o dever de indenizar (MIRANDA,
1958, p. 183).
Esta função busca alcançar em maior grau possível um “valor que em verdade
tem para o lesado o bem que se destruiu, ou a perda que sofreu” (MIRANDA, 1958,
p. 183), porém, caso não seja possível, pode a responsabilização versar sobre uma
2. O Código Civil de 2002 (Lei Federal 10.406/2002) estabelece, em seu artigo 944, que “a indenização
mede-se pela extensão do dano”.
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