Introdução

AutorAntonio Dos Reis Júnior
PáginasXXI-XXIII
INTRODUÇÃO
– “Mas será que não pensaste que ele [o Homem] acabaria questionando e renegando
até tua imagem e tua verdade [de Deus] se o oprimissem com um fardo tão terrível como o
livre-arbítrio?”.1 O drama da responsabilidade civil é sinal dos tempos contemporâneos
porque não se afasta da perturbação central da pessoa moderna: o que fazer com a liber-
dade – quais interesses patrimoniais e existenciais devem perseguir e quais são dignos
de proteção – e como lidar com o peso que ela carrega, notadamente, a responsabilidade.
O pessimismo do “Grande Inquisidor”, de Dostoiévski, calcava-se não apenas
no temor do abandono da fé, de seus súditos, no cristianismo. Resvalava, também, na
crença de que a concessão de liberdade plena às pessoas resultaria, invariavelmente,
em sua infelicidade. É que o fardo da responsabilidade pelo exercício da autonomia
seria pesado demais para o “Homem” (rectius: pessoa humana), tornando-se inviável
o alcance do júbilo e do bem-estar.2 Entretanto, ao contrário do que imaginava o
Inquisidor, foi a liberdade que saiu vencedora, por vontade de seus próprios súditos,
agora cidadãos. A partir daí, o Estado (de Direito) assumiu para si o desaf‌io de provar
que a liberdade e a felicidade não são atributos incompatíveis, sendo antes o livre-ar-
bítrio um requisito para granjear a experiência da verdadeira felicidade.
Sucede que, de um lado, já não se sustenta o argumento da irresponsabilidade, por
soar inverossímil que danos e prejuízos aconteçam por elementos divinos ou meta-
físicos, respondendo cada um, pessoalmente, pelo exercício de seus atos. Os agentes
já não podem, então, viver sem se preocupar com as consequências de seus atos. Por
outra via, aos “sujeitos passivos”, conf‌irma-se a dif‌iculdade de conviver na sociedade
em pleno estado alvissareiro, ante a ameaça constante, em maior intensidade que
outrora, de sofrer danos decorrentes de atos e atividades levados a cabo por terceiros.
Todos são vítimas em potencial. O transcurso da vida pacata, comunitária e rural para
a vida dinâmica, individualista e urbana revelou ainda mais um desaf‌io: como manter
uma sociedade livre sem que o livre arbítrio a degenere, como propugnava o Inquisidor.
Todos esses anseios, por diversas razões de ordem teórica e prática, têm sido
direcionados à responsabilidade, como o refúgio onde se pode obter respostas e
1. Excerto do monumental diálogo promovido entre Ivan e Alieksiêi na passagem de “O Grande Inquisidor” de
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamázov. BEZERRA, Paulo (trad.). São Paulo: Ed. 34, 2012, p, 353.
2. Arrogando para si o feito de ter tomado a liberdade dos súditos, porque eles voluntariamente quiseram entre-
gar-lhe, sobeja o Inquisidor: “f‌ica sabendo que hoje, e precisamente hoje, essas pessoas estão mais convictas do
que nunca de que são plenamente livres, e entretanto elas mesmas nos trouxeram sua liberdade e a colocaram
obedientemente a nossos pés. Mas isso fomos nós que f‌izemos; era isso, era esse tipo de liberdade que querias?”.
Respondendo à dúvida de Alieksiêi, sobre o fato de o Inquisidor estar zombando ou ironizando a tentativa do
homem de ser livre, respondeu Ivan: “Nem um pouco. Ele está atribuindo justo a si e aos seus o mérito de f‌inal-
mente terem vencido a liberdade e feito isto com o f‌im de tornar as pessoas felizes” (op. cit., p. 348).
EBOOK FUNCAO PROMOCIONAL DA RC.indb 21EBOOK FUNCAO PROMOCIONAL DA RC.indb 21 07/01/2022 16:21:1907/01/2022 16:21:19

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT