Inventário e partilha: a busca da efetividade no contexto atual

AutorLuiza Azambuja Rodrigues
Ocupação do AutorMestranda em Direito Civil da UERJ
Páginas515-544
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INVENTÁRIO E PARTILHA:
A BUSCA DA EFETIVIDADE NO CONTEXTO ATUAL
Luiza Azambuja Rodrigues1
Sumário: 1. Introdução: notas sobre a relevância do tema e os avanços
legislativos. 2. Os avanços da desjudicialização: o papel da atividade
extrajudicial. 3. Os influxos da metodologia civil-constitucional: a
funcionalização dos bens partilháveis. 4. Considerações Finais.
Referências.
1. Introdução: notas sobre a relevância do tema e os avanços
legislativos
Tema de importância social de indiscutível evidência2,
oinventário e a partilha se prestam à individualização das titularidades,
extinção dos negócios jurídicos prévios3 e, em última instância,
consubstanciam instrumentos de profilaxia jurídica hábeis para garantir a
paz social entre os envolvidos. Assim sendo, é fundamental que sejam
finalizados de forma célere para evitar conflitos entre os interessados.4
A bem se ver, a construção do patrimônio pelo ser humano é um
objetivo de vida, que satisfaz direitos fundamentais e instrumentaliza a
1 Mestranda em Direito Civil da UERJ. Membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture
Juridique Française e do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil). Membro da Comissão de
Direito Civil da Ordem dos Advogados do Brasil e advogada.
2 OLIVEIRA, Arthur Vasco Itabaiana de. Tratado de direito da s sucessões. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1986, p. 366.
3 No caso do inventário e partilha decorrente do evento causa mortis, os negócios jurídicos referidos
são aqueles prévios ao falecimento. Em que pese a acepção mais comum no Direito se refira ao
inventário dos bens deixados pelo falecido, há formas de inventário relacionadas às pessoas vivas,
como o inventário decorrente de separação judicial, divórcio ou dissolução de união estável, bem como
do usufrutuário, do fiduciário e do curador.
4 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Adjudicação da herança por escr itura pública: é possível,
com a vigência da Lei nº 11.441/07, a adjudicação ser feita por escritura pública? In Revista Nacional
de Direito de Família e Sucessões, Porto Alegre, v. 3, n. 14, p. 45-67, set./out. 2016, p. 46.
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promoção e emancipação da pessoa.5Com efeito, a efetiva partilha de bens
é relevante para a circulação de riquezas, segurança jurídica dinâmica e
estática,6 desenvolvimento da economia,7 basilar à sociedade, às relações
interpessoais e à formação da família em si. Trata-se de um ato de proteção
e de exercício do princípio da dignidade da pessoa humana.8
Em meio a um sistema historicamente patrimonialista9, a
propriedade possui a característica da perpetuidade.10 A justificação
histórica da proteção da propriedade e da herança é o anseio de que os bens
permaneçam na família, ainda que o seu titular pereça.
5 Cf. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direitos Reais. São Paulo: Atlas, 2011; TEPEDINO,
Gustavo; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito
Civil: Direitos Reais. v. 5. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020; TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA,
Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição
da República. v . 3. Rio de Janeiro: Renovar, 2011; PERLINGIERI, Pietro. Introduzione a lla
problematica della pr oprietà, Napoli: Jovene, 1970.
6 Em relação aos bens imóveis, a doutrina destaca que, na seara do direito registral, a segurança jurídica
possui duas vertentes: segurança jurídica estática e segurança jurídica dinâmica. A segurança jurídica
estática se dá pelo efeito de assegurar o registrador a estabilidade política do domínio; e a segurança
dinâmica, com a possibilidade de uma transmissão segura dos direitos. Ou seja, existe todo um conjunto
de normas, e no caso do Registro de Imóveis, legislação federal, que garante, relativamente, a aquisição
da propriedade e que prevê instrumentos técnicos que preservam e organizam o registro, dotando-o de
confiança para a sociedade. Nesse sentido ver: DIP, Ricardo. Sobre a qualificação no Registro de
Imóveis. Contribuição aos estudos do XVIII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil.
Maceió, 21 out. 1991. Disponível em: <https://arisp.files.wordpress.com/2008/06/007-dip-
qualificacao-registral.pdf>. Acesso em 05 ago. 2021.
7 Sobre o tema, o economista Hernando de Soto Polar demonstra como a irregularidade atinge diversos
setores da sociedade, contribuindo para o crescimento da informalidade na economia, ensejando o
aumento de impostos, excesso de regulamentações, o desrespeito à propriedade intelectual, entre
outros. V. DE SOTO, Hernando. Economiasubterr ânea: uma análise da realidade peruana. Rio de
Janeiro: Editora Globo, 1987.
8 Contemporaneamente, Gustavo Tepedino leciona que os direitos da personalidade devem servir de
"instrumento de promoção e emancipação da pessoa, considerada e m qualquer situação jurídica que
venha a integrar contratual o u extracontratualmente, quer de direito público quer de direito privado”
(TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnicas legisla tivas na Pa rte Geral do Código
Civil de 2002. In: Revista F orense, Rio de Janeiro, v. 364, nov/dez. 2002, p.118). Nessa toada, as
relações jurídicas de direito privado devem ser interpretadas à luz da Constituição, seja em obediência
às escolhas político-jurídicas do constituinte, seja em favor da proteção da dignidade, princípio capaz
de conformar um novo conceito de ordem pública, fundado na solidariedade social e na plena
realização da pessoa humana. (TEPEDINO, Gust avo. Normas constitucionais e direito civil na
construção unitária do ordena mento. In: CONRADO, Marcelo; PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Direito
privado e constituição: ensaios para uma recomposição valorativa da pessoa e do patrimônio. Curitiba:
Juruá, 2009, p. 45).
9 A categoria descritiva “patrimonialismo” foi utilizada inicialmente por Max Weber, ao descrever o
modelo de organização estatal pré-burocrático e po steriormente utilizada por Raymundo Faoro, ao
descrever a forma de organização administrativa do colonialismo brasileiro. Conferir respectivamente:
WEBER, Max. Economia e socieda de: fundamentos da sociologia compreensiva. vol 1. Brasília:
EdUnb, 1991 e FAORO, Raimundo. Os Donos do P oder: Formação do Patronato Político Brasileiro.
8ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989. 397, p. 2.
10 ASCENSÃO, José de Oliveira. A tipicidade dos direitos r eais, Lisboa: Petrony, 1968, p. 74.

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