A proteção à família e a sucessão legítima: por uma releitura funcional

AutorAlexander Augusto Isac Beltrão
Ocupação do AutorAdvogado. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas)
Páginas449-475
449
A PROTEÇÃO À FAMÍLIA E A SUCESSÃO LEGÍTIMA: POR
UMA RELEITURA FUNCIONAL
Alexander Augusto Isac Beltrão1
Sumário: Introdução; 1. A superação do modelo de família institucional
pelo modelo de família democrática; 2. O direito das sucessões e a sua
perspectiva funcional; 3. O fundamento da intangibilidade da legítima; 4.
Alternativas e possibilidades para o princípio da intangibilidade da
legítima no ordenamento civil-constitucional; Conclusão; Referências.
Introdução
Conforme prevê o artigo 6º do Código Civil, a personalidade da
pessoa natural termina com a morte2. Entretanto, nem todas as situações
jurídicas patrimoniais titularizadas pelo falecido são exintas com o fim da
sua existência. Essa transmissibilidade das situações jurídicas se justifica
principalmente pela proteção do direito de propriedade, que, caso
contrário, seria convertido apenas em usufruto do patrimônio pelo falecido.
Leciona Washington de Barros Monteiro que, sem herança, incompleto se
tornaria o direito de propriedade3.
Esta transmissibilidade também se justifica pela necessidade de
garantir o adimplemento das obrigações, atribuindo segurança jurídica e
garantia às relações entabuladas. Para Walter Moraes, a continuidade do
patrimônio evita o surgimento de uma crise de incertezas, pois impede o
1 Advogado. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas).
Graduado em Direito p ela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Integrante do Laboratório de
Bioética e Direito (UFLA/CNPq).
2 Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume -se esta, quanto aos ausentes,
nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
3 MONTEIRO, Washington de Barros. Cur so de Direito Civil Direito das Sucessões. 3 3ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 16.
450
aparecimento de credores frustrados, devedores absolvidos e bens
abandonados4.
Ensina Marco Comporti, ao tratar sobre o fenômeno sucessório
numa perspectiva de direito comparado, que apenas excepcionalmente as
legislações não admitem a sucessão causa mortis5. Isso ocorreu, por
exemplo, na antiga República Federativa Soviética Russsa, que, durante os
anos de 1917 e 1922 aboliu o direito de herança, determinando a
apropriação dos bens do falecido pelo Estado.
A Constituição Federal do Brasil assegura o direito de herança
enquanto cláusula pétrea, prevista no artigo 5º, inciso XXX6. E, cabe ao
Direito das Sucessões regular, após a morte de uma pessoa, o destino dos
seus direitos e obrigações, que subsistem para além da sua existência7. A
fonte desta regulação pode derivar da lei, na sucessão legitimária (ab
intestato), ou da vontade, na sucessão testamentária. Na primeira, a lei irá
indicar quem serão os sujeitos que irão suceder ao falecido nas suas
situações jurídicas patrimoniais. Já na segunda, é o próprio falecido que,
em atenção aos ditames legais, irá dispor sobre o destino do seu patrimônio
por meio de disposições de última voltade. Inobstante, ambas as fontes não
são excludentes.
No que se refere à sucessão legítima, esta é obrigatória na hipótese
em que o falecido possui herdeiros necessários (ascendentes, descendentes,
cônjuge ou companheiro8). Porquanto, neste caso, necessariamente metade
do seu patrimônio terá que ser regulado pelas normas da sucessão
legitimária. Esta norma, prevista no artigo 1789 do Código Civil, positiva
4 MORAES, Walter. Progr ama de Direito das Sucessões:Teoria Geral e Sucessão Legítima. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1980, p. 8.
5 COMPORTI, Marco. Successione, comunità familiare, patrimonio. Princìpe generali europei ed
istituzioni civili basche. Rassegna di diritto civile. Camerino, 1991, n. 4, p. 734.
6 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXX - é garantido o direito de
herança.
7 TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Sucessões. Lisboa: Coimbra Editora, 1973, p. 10-11.
8 Neste trabalho irá se adotar a perspectiva de que, ao julgar pela inconstitucionalidade entre as
entidades familiares, no julgamento dos recursos extraordinários 878.694/MG e 646.721/RS, o
Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu a equiparação do tratamento sucessório do cônjuge e do
companheiro, de forma absolutamente igualitária. Assim, o companheiro passa a integrar o rol de
herdeiros necessários (Código Civil, artigo 1.845), passa a ser titular do direito real de habitação
relativamente ao imóvel destinado à residência da família, dentre outros efeitos sucessórios. No mesmo
sentido, veja-se: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Inconstitucionalidade do a rt. 1790
do Código Civil. In: SALOMÃO, Luis Felipe; TARTUCE, Flávio (coords). Direito Civil: diálogos
entre a doutrina e a jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2018, 771.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT