O legislador quer reduzir o crime ou obter votos? populismo penal: Um fenômeno comum às democracias contemporâneas

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O LEGISLADOR QUER REDUZIR O CRIME
OU OBTER VOTOS? POPULISMO PENAL:
UM FENÔMENO COMUM ÀS DEMOCRACIAS
CONTEMPORÂNEAS
3.1. Contextualizando o populismo penal: a cultura do controle do
crime dos ns do século XX ao início do XXI (David Garland)
quem é vivo
aparece sempre
no momento errado
para dizer presente
onde não foi chamado98
O populismo penal é um fenômeno mundial. Está presente nas democra-
cias contemporâneas ao redor do mundo. É uma característica que vem sendo
identicada no sistema penal como uma variante da expressão “punitivismo
populista” (populist punitiveness), cunhada em 1995 por Anthony Bottoms.99ˉ100
98 LEMINSKI, Pau lo. Toda poesia. 1ª edição. São Paulo: Companh ia das Letras, 2013, p. 22.
99 Professor deCr iminologia na Universidade de Cambrid ge,I nglaterra. Cf. w.
crim.cam .ac.uk/people/emeritus/anthony_bottoms/>. Acesso em 8 de jul ho de 2015.
100 ROBERTS, Julian V. et. al. Penal Populism a nd Public Opinion: Le ssons Form Five
Countries. New York: Oxford Universit y Press, 2003, p. 4. PRATT, John. Penal Pop ulism.
Routledge: London and New York, 2007, p. 2.
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Para tratarmos especicamente do populismo penal, precisamos entender
que ele está inscrito em uma cultura punitiva que vem moldando as demo-
cracias ocidentais a partir da década de 70 do século XX, estendendo-se até
os dias atuais. Essa reconguração na cultura do controle do crime ocorre em
função de uma série de transformações sociais, políticas e históricas dos ns
do século XX ao início do XXI. A nosso sentir, o autor que melhor explica, de
forma sistematizada, essas mudanças na cultura do controle do delito a partir
de 1970 é o sociólogo e criminologista britânico David Garland101, em sua obra
e Culture of Control102, publicada em 2001. Embora o autor tenha como refe-
rência dessas transformações os EUA e o Reino Unido, certo é que os EUA têm
inuenciado profundamente a modelagem penal (penal modeling) de diversos
países. Nesse contexto, o autor aponta 12 (doze) indicadores dessa mudança
na cultura de controle do delito, conforme sistematizado no quadro abaixo:
1 O declive do ideal da reabilitação
2O ressurgimento das sanções punitivas (vingativas) e a “justiça
expressiva”
3 Mudanças no tom emocional da política criminal
4 O retorno da vítima
5 Acima de tudo, a sociedade deve ser protegida
6 A politização e o novo populismo
7 A reinvenção da prisão
8 As transformações no pensamento criminológico
9A infraestrutura da prevenção do delito e a segurança comunitária em
expansão
10 A sociedade civil e a comercialização do controle do delito
11 Novos estilos de gestão e práticas de trabalho dos principais atores do
sistema penal
12 Uma sensação permanente de crise
101 Atuantenos EUA,Professor doDepa rtamento deSociolog iada NewYorkUniversit y.Cf.
. Acesso em 8 de julho de 2015.
102 GARLA ND, David. La cultura del control : crimen y orden social en la socieda d contem-
poránea. Traducción de Má ximo Sozzo. Gedisa Ed itorial: Barcelona, 2005.
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Desde então, diversos autores têm repercutido esse diagnóstico103. Como
se pode notar, o populismo penal é um dos indicadores dessa profunda recon-
guração política da cultura do controle do crime vigente em nosso tempo.
Nas linhas que se seguem, trataremos brevemente de cada um. Não é objeto
deste trabalho explorar a multiplicidade de aspectos envolvidos em cada um
desses indicadores vislumbrados por Garland. Eles se revelam como verdadei-
ras condições de emergência do populismo penal. Cuidaremos de aprofundar
apenas esse tema, pois é objeto desta pesquisa buscar evidências do fenôme-
no do populismo penal no Poder Legislativo brasileiro, especicamente na
Câmara dos Deputados no período de 2006 a 2014.
3.1.1. O declive do ideal da reabilitação (prevenção especial positiva)
Em 1974, o sociólogo americano Robert Martinson publicava a obra What
Works? - Questions and Answers About Prison Reform.104 Baseado em uma pes-
quisa empírica, o autor questionava a efetividade do tratamento como política
103 Cf. DÍEZ-RIP OLLÉS, José Luis . El nuevo modelo penal de la seg uridad ciudada na.
Revista Elec trónica de Ciencia Penal y Crimi nología (en línea). 2004, núm. 06-03, p. 6-21.
Disponível em: p://criminet.ugr.es/recpc/06/recpc 06-03.pdf >. Acesso em 14 de julho
de 2015; TONRY, Michael H. inking About Cri me: Sense and Sensibility in A merican
Penal Culture. O xford University Press: New York, 2004, p. 51-61; ZAFFARONI, Eugenio
Raúl. La cuestión crimi nal. In:Suplemento especi al de Página 12. Vol.14. 25 de agos-
to de 2011, p. III. Disponível em
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2015. PRATT, John. Penal Popul ism, op. cit., p, 18, 53, 63, 94 e 135. SOZZO, Máximo.
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Acesso em 8 de julho de 2015. LOADER, Ia n & SPARKS, R ichard. Situating criminolog y:
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104 MARTINS ON, Robert. What Works? - Questions a nd Answers About Prison Reform.
In: ePublicInterest. NUMBER35.NewYork:NationalAairs ,1974.Disponívelem
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swersaboutprisonre formrobertmarti nson.pdf>. Acesso em 8 de julho de 2015.
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penal punitiva (prevenção especial positiva). Os programas de reabilitação
não se mostrariam ecazes para o propósito de impedir a reincidência. Arma
Martinson:
Eu sou obrigado a dizer que estes dados, que envolvem mais de duzentos
estudos e centenas de milhares de pessoas, são os melhores disponíveis e
nos dão muito pouca razão para esperar que nós temos, de fato, encon-
trado uma maneira de reduzir a reincidência por meio da reabilitação.105
Nesse contexto, o autor sugere que os programas de ressocialização desen-
volvidos nas prisões não estariam funcionando, ou seu sucesso seria pouco
expressivo. Esse quadro rapidamente propiciou a emergência de uma dou-
trina segundo a qual “nada funciona” em termos de políticas de recuperação
do preso (nothing works doctrine ). Assim, “em pouco tempo as conclusões de
Martinson foram vistas como a evidência empírica conclusiva do fracasso do
sistema e se converteram na base para a armação de que ‘nada funciona.106
Segundo Anitua, Martinson morreria em 1980, após ter se atirado da janela de
seu apartamento em Nova York, envergonhado com o fato de ter cado famo-
so por essa ideia de que “nada funciona.107
Conforme avalia Garland, os programas de reabilitação continuariam a
existir. Mas hoje, já não expressariam a ideologia dominante do sistema, e se-
quer estariam no centro das medidas penais.108 No Brasil, a lei de execução
penal prevê expressamente o objetivo de reinserção do condenado: “A exe-
cução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão
criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado”.109 Contudo, como veremos na análise quantitativa
105 (Tradução nossa) “I am bound to say t hat these data, involving over two hu ndred studies
and hundreds of thous ands of individual s as they do, are the best ava ilable and give us very
little reason to hope t hat we have in fact found a sure way of reducing recidiv ism through
rehabilitation”. Ibidem, p. 49.
106 (Tradução nossa) “En poco tiempo l as conclusiones de Mart inson fueron vi stas como la
evidencia empírica c oncluyente del fracaso del sistema y se convi rtieron en la base para la
armación de que «nad a funciona».” GARLAND, David . op. cit., p. 114.
107 ANITUA, Gabriel Ig nacio. Histórias dos pen samentos criminológ icos. Trad.: Sérgio
Lamarão. R io de Janeiro: Revan; Instituto C arioca de Criminologi a, 2008, p. 762.
108 GARL AND, David, op. cit., p. 41.
109 (Grifo nosso) Cf. art. 1º da Le i de Execução Penal, L ei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
Disponível em w.planalto.gov.br/ccivil_03/LE IS/L7210.htm>. Acesso em 8 de
julho de 2015.
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dos projetos de lei investigados no presente trabalho, o legislador brasileiro
não tem revelado nenhuma preocupação com a prevenção especial positiva
quando propõe aumentos de pena.
De todo modo, como observa Garland, a comprovação da limitação da
função ressocializadora da pena também conduziu à sua subordinação a ou-
tros objetivos penais, particularmente a retribuição, a incapacitação (preven-
ção especial negativa)110 e a gestão do risco (manter presos indivíduos peri-
gosos por longo tempo).111ˉ112 No cenário do nothing works, se nada funciona
para erradicar o delito da sociedade em termos de reabilitação, estava aberto o
caminho para retomada dessas nalidades da pena. A sensação de desencanto
com a prevenção especial positiva, com a falência de políticas de tratamento,
o “ocaso do ideal ressocializador”113, vão reconduzir o retribucionismo nova-
mente ao centro do sistema penal.
3.1.2. O ressurgimento das sanções retributivas (just deserts)
A função retributiva da pena é expressão da vingança no sistema de justiça
criminal. Com a desesperança em torno da reabilitação, a punição retributiva
volta à cena. Ao longo do século XX, a expressão abertamente assumida de
sentimentos vingativos como forma punitiva havia se convertido virtualmente
em um tabu, do ponto de vista do discurso legitimador do poder punitivo do
Estado.114
110 A incapacitaçã o como nalidade da pun ição no trabalho de Mar tinson pode ser ev idencia-
da pela própria conclusão do autor. Se o trat amento não impede a reincidência, ser ia então
o caso de apostar n a incapacitação para crimi nosos de alto risco, e também na dissu asão
para outros potencia is criminos os. Se a prisão não recup era, que funcione apena s como
instituiç ão de custódia, e nada mais. M ARTINSON, Robert, op. cit. , p. 50. Sobre esse des-
taque para a efetiv idade da prisão como meio para inc apacitação na obra de Marti nson, cf.
TREADWEL L, James. Criminolog y. Sage Publications: London, ou sand Oaks and New
Delhi, 200 6, p. 102.
111 GARLA ND, David, op. cit., p. 42.
112 Baratt a também observ a esse fenómeno nos EUA: a fragil ização da f unção reabilit ado-
ra, com a consequente retomada dos s entidos retributivo, i ncapacitante e dis suasivo do
castigo pena l. Cf. BA RATTA, Alessand ro. Funcione s instrumentale s y simbólicas del
derecho penal: una d iscusión en la perspectiva de la cr iminología critica. In : RAMÍREZ,
Juan Bustos (Dir.) et. al. Pena y E stado: Función simbólica de la pena. Sant iago de Chile:
Editorial Ju rídica ConoSur, 1995, p. 49.
113 ANITUA, Gabriel Ig nacio, op. cit., p. 761.
114 GARLA ND, David, op. cit., p. 43.
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Esse cenário começava a mudar no nal do século XX. “Nos últimos anos,
as tentativas explícitas de expressar a ira e o ressentimento públicos tem se
convertido em um tema recorrente da retórica que acompanha a legislação e a
tomada de decisões em matéria penal”.115 As agências penais passam a invocar
o sentimento das vítimas, das famílias das vítimas e do público indignado para
obter apoio para o endurecimento de leis e políticas penais. A emergência da
gura da vítima no discurso penal é, por si só, um indicador de mudança na
cultura do controle do crime, como veremos.
Nesse momento, convém destacar que essa retórica raivosa que passa a
acompanhar os discursos penais e fortalece o resgate ao retribucionismo, en-
contra na obra Doing Justice,116 de Andrew von Hirsch, um expressivo repre-
sentante. Professor emérito do Instituto de Criminologia da Universidade de
Cambridge, von Hirsch abraçou explicitamente uma losoa retribucionis-
ta do castigo nesse texto de 1976, na esteira da repercussão do trabalho de
Martinson, que cavara a cova do ideal reabilitador da pena.117 O autor cunhou
a expressão just deserts para referir-se à punição penal retributiva, pela qual o
criminoso receberia a “pena justamente merecida”. Esse tipo de fundamento
da pena permitiria resgatar o ideal segundo o qual o castigo retributivo é um
m em sim mesmo. Assim, “pela primeira vez em décadas, e em direto con-
traste com a ortodoxia prevalecente, um trabalho de penologia proeminente
defendia, em geral, o castigo retributivo como m em si mesmo118, uma noção
que desarticula a nalidade da pena de ideais utilitaristas.119 Se a pena deve ser
aplicada porque o criminoso merece, forjando um modelo de justiça segundo
o qual a pena é “justo merecimento, então os sentimentos de ira e vingança
encontram campo para fruticar.
Se, por um lado, a debilidade da função de ressocialização da pena per-
mitia a ascensão do retribucionismo, por outro lado, viabilizava também a
115 (Tradução nossa) “En los últimos años los intentos explícitos de ex presar la ira y el
resentimiento públicos se han convert ido en un tema recurrente de la retórica que
acompaña la legislación y la toma de decisiones en materia pena l”. Ibidem.
116 “Doing Justice: e Choice of P unishments-e Report of t he Committee for t he Study
of Incarceration”, 1976. < http://ww w.crim.ca m.ac.uk/pe ople/emeritus/andreas _von_
hirsch/>. Acesso em 8 de julho de 2015.
117 GARLA ND, David, op. cit., p. 116.
118 Ibidem.
119 ANITUA, Gabriel Ig nacio, op. cit., p. 807.
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emergência do discurso da função dissuasória da punição (deterrence eect).
No m de seu trabalho, Martinson já apontava que muito se descobria sobre
as limitações das políticas de reabilitação, mas nada ou quase nada se sabia a
respeito dos efeitos dissuasivos do castigo.120 Essa é a oportunidade para James
Quinn Wilson121 (1931-2012), em 1975, no livro inking About Crime, lan-
çar luz sobre a nalidade dissuasória da pena (prevenção geral negativa). De
acordo com Garland, Wilson “queria impor castigos dissuasivos que se trans-
mitissem rigorosamente e fossem sucientemente duros para atuar como de-
sincentivos reais com respeito aos potenciais delinquentes”.122 Para efetivar a
dissuasão, Wilson apostava em condenações extraordinariamente largas, que
produzissem longa incapacitação e, em alguns casos, considerava a pena de
morte.123 O pensamento do autor era conveniente para arquitetura neolibe-
ral de menos presença do Estado do bem-estar social e mais presença de um
Estado penal. Isso porque era pouco favorável a programas sociais e políticas
de redistribuição econômica como políticas de redução do crime.124 Wilson é
reconhecido na literatura criminológica como um expoente da corrente deno-
minada “realismo de direita” (right realism).125 Defendia que o crime obedece a
120 MARTINSON, Rober t, op. cit., 50. “We know almost not hing about the “deterrent eect ,”
largely because “’tre atment” theories h ave so dominated our resea rch, and “deter rence”
theories have been relegate d to the status of a historica l curiosity. Since we have almost no
idea of the deterrent fu nctions that our present system performs or t hat future strategies
might be made to perform , it is possible that there i s indeed somethi ng that works--that
to some extent is working r ight now in front of our noses, and that mig ht be made to work
better--somethi ng that deters rather than cu res, something that does not so much refor m
convicted oenders as prevent cr iminal behavior in t he rst place.”
121 Foi professor em Harva rd e na Universidade da Californi a, Los Angeles (UCLA).
122 (Tradução nossa) “[…] quería imponer castigos disuasivos que s e impartier an riguros a-
mente y fueran lo sucie ntemente duros como para actuar como desincent ivos reales con
respecto a los potencia les delincuentes”. GARLAND, Dav id, op. cit., p. 117.
123 Ibidem.
124 Ibidem, p. 116.
125 TREADWELL , James, Crimi nology, p. 57. Sobre os pontos centrais que carac te-
rizam o real ismo de direita, de forma resum ida, cf. ibidem, p. 58. Alguns pontos
chave do realismo de direita seriam: a prática do crime é f ruto de uma escolha
livre; crimes de “rua” preocupam mais as pessoas, logo devem ser mais combati-
dos; indivíduos pertencentes às c lasses desfavorecidas (underclass) são os maiores
responsáveis pelo aumento das taxas criminais; prisão e estratégias de tolerância
zero são medidas efetiva s para reduzir taxas crim inais.
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lógica de uma escolha racional126, seguindo os princípios básicos da economia.
O crime deveria “pagar” menos do que a pena, na esteira da consagrada per-
cepção segundo a qual o crime não deve compensar.127 Não é à toa que James
Wilson iria, em 1982, desenvolver a controvertida teoria das “janelas que-
bradas” (broken windows theory)128, partindo do pressuposto segundo o qual
pequenos delitos levariam a crimes mais substanciais, com o que abordagens
estatais duras preveniriam e dissuadiriam as pessoas, evitando a deterioração
social. Nesse contexto, comunidades com lotes vazios, ruas sujas, casas dete-
rioradas (janelas quebradas) seriam um imã para crimes. De forma que a pre-
servação da comunidade (espaço público), segurança pública e manutenção
da ordem é que deveriam ser o foco de atuação da polícia, e não propriamente
a luta contra o crime. Assim, a polícia atuaria de forma preventiva e não reativa
(reactive policing)129.
Portanto, o ressurgimento do caráter retributivo da pena dará guarida a
uma nova forma de se lidar com as emoções (vítimas) nos discursos e práticas
penais. E, de outra parte, o efeito dissuasório da pena vai ganhando terreno
para se generalizar nos dias de hoje, como demonstraremos em nossa análise
empírica.
3.1.3. A mudança no tom emocional da política criminal
Até os anos 70, “o sentimento invocado para justicar as reformas penais
era na maioria dos casos um sentido progressista de justiça, uma evocação
da ‘dignidade’ e da ‘humanidade’, e uma compaixão pelas necessidades e os
direitos dos menos favorecidos.130 Mas a partir de então, o medo em torno do
126 Do ponto de vista pena l, a teoria da escolha r acional remonta a Cesare Bec caria (1738-1794)
e a Jeremy Bentham (1748-1833), e a pa rtir dos anos 1970 ela ganha sua forma c ontempo-
rânea no pensamento nor teamericano. De sempenha um papel chave no gênero Law and
Economics e tem sido inuente em formulaç ões criminológica s, como mostram as escol has
teóricas de James Wi lson.
127 TREADWEL L, James, Criminolog y, p. 57.
128 WILSON, James Q. & K ELLING, George L. Broken Windows: e police a nd neighbor-
hood safety. In: eAtla ntic.M arch,1982. Disponível em lantic.com/
magazine /archive/1982/03/broken-windows /304465/>. Acesso em 8 de julho de 2015.
129 SIEGEL, Lar ry J. Criminology. 11th Edition. Califor nia: Wadsworth, Cengage Lea rning,
2012, p. 592.
130 GARLA ND, David, op. cit., p. 44.
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delito foi se tornando mais crescente e perceptível. O temor em relação a ele
passa a ser uma gura distinta do próprio crime e de suas vitimizações reais.
Políticas são desenvolvidas para enfrentar os “níveis” de medo do crime, para
regular a “sensação de segurança”, e não mais reduzir propriamente o delito.
Esse tom emocional é congruente com a retomada do sentido retributivo da
pena, que possibilita um misto de vingança (sentimento vingativo) e justiça
(na concepção do “justo merecimento da pena” de von Hirsch).
Garland arma que o surgimento do temor ao delito é conrmado por
pesquisas de opinião pública realizadas nos EUA e na Grã-Bretanha, as quais
demonstrariam dois elementos: (i) a maioria das pessoas presume que as taxas
de criminalidade estão aumentando (mais do que de fato estão); (ii) e baixa
conança das pessoas na capacidade da justiça penal fazer algo a respeito.131
Esses dois elementos combinados com o enfraquecimento da imagem do de-
linquente desfavorecido vão conduzir a uma redramatização do delito. A pro-
palada falência do modelo reabilitador vai recongurar a imagem do delin-
quente desfavorecido. Se, por meio de programas de reabilitação, o indivíduo
ainda assim reincidiria, então seria o caso de tratar o desviante como perigoso,
incorrigível, ingovernável. Nesse sentido, analisa Garland:
Acompanhando estas imagens projetadas e como uma resposta retórica
a elas, o novo discurso da política criminal invoca sistematicamente um
público cheio de ira, cansado de viver com temor, que exige medidas
fortes de castigo e proteção. O sentimento que atravessa a política cri-
minal é agora com mais frequência um nojo coletivo e uma exigência
moral de retribuição no lugar do compromisso por buscar uma solução
justa, de caráter social.132
A resposta ao criminoso perigoso que escolhe praticar o crime (rational
choice theory) deve ser dura (right realism), para que o público em geral sinta-
-se mais seguro e protegido (acalenta-se sua ira).
131 GARLA ND, David, op. cit., p. 45.
132 (Tradução nossa) “Acompañando estas imágenes proyec tadas y como una respuesta retó-
rica a ellas, el nue vo discurso de l a política crim inal invoca sistemáticamente u n público
lleno de ira, ca nsado de vivir con temor, que exige medid as fuertes de cast igo y protección.
El sentimiento que atr aviesa la polític a crimina l es ahora con más f recuencia un enojo
colectivo y una ex igencia moral de retr ibución en lugar del compromiso por bus car una
solución justa, de car ácter social”. Ibidem.
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3.1.4. A vítima no centro do discurso penal
A redramatização do crime recoloca a vítima no palco central da cena deli-
tiva. Até antes da nova moldura cultural de controle do crime “as vítimas indi-
viduais apenas apareciam como membros do público cujas demandas provo-
cavam a ação do Estado. Seus interesses estavam subsumidos no interesse geral
do público e, por certo, não se contrapunham aos interesses do delinquente.133
O cenário agora apresenta a vítima como um personagem muito mais re-
presentativo134. A experiência da dor sofrida pela vítima não é mais individual,
atípica e isolada. É coletiva, frequente e comum. Salienta Garland: “quem fale
em nome das vítimas fala em nome de todos nós, ou pelo menos assim sus-
tenta o novo decálogo político das sociedades com altas taxas de delito.135 É
nesse enredo que vai se desenhar uma das características do populismo penal:
o discurso punitivo que fala em nome das vítimas. E brada: “poderia ser você.
As leis penais agora levam o nome das vítimas. E essa resposta legislativa trans-
mite a mensagem de proteção a elas, de que as escuta, honra-lhes a memória,
expressam sua ira. Atendem a seus temores.
3.1.5. Prevalência da “proteção da sociedade”
A preocupação com a proteção da sociedade sempre acompanhou a for-
mulação de política criminal. Existia como recurso na cultura do controle do
crime no pós-guerra. Convivia com a função reabilitadora da pena. Mas rara-
mente a proteção do público era invocada como motivo para guiar a tomada
de decisão.136
133 (Tradução nossa) “[...] las víctimas indi viduales apenas aparecían c omo miembros del pú-
blico cuyos reclamos provoc aban la acción del Estado. Sus i ntereses estaban subsu midos en
el interés general del públic o y, por cierto, no se contraponían a los interese s del delincuen-
te.” I bidem, p. 46.
134 Que não está ass ociado às origens da chamad a “justiça restaur ativa”, cuja origem é atribuí-
da a John Braithwa ite (Crime, Shame and Reintegration – 1989). O campo da vitimologia é
vasto. Para um pa norama, cf. TREADWE LL, James, Criminolog y, p. 117-125.
135 GARLAN D, David, op. cit, p . 47.
136 GARLA ND, David, op. cit., p. 47.
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Com a desestabilização da diretriz ressocializadora, somada à ascensão do
temor ao delito, em um contexto de aumento nas taxas criminais137, Garland
observa que há uma mudança em torno da ideia segundo a qual o público
deve ser protegido. Haveria hoje “uma nova e crescente ênfase na necessidade
de segurança, na contenção do perigo, na identicação e manejo de qualquer
tipo de risco”.138
Se antes o foco era o indivíduo, em termos de prevenção especial positiva,
com esforços dirigidos à recuperação do condenado, agora o foco passa a ser
a sociedade, (i) em termos de prevenção geral negativa, que pretende a dissua-
são de potenciais delinquentes, e (ii) em termos de prevenção especial negati-
va, com a incapacitação de indivíduos etiquetados de perigosos. Esse quadro
teria reinventado a prisão como meio de contenção neutralizadora de pessoas
violentas e reincidentes perigosos. Mas esse recurso à prisão também afetaria
delitos pequenos, como legitimaria a já referida teoria das “janelas quebradas,
que viria a servir de substrato teórico para legitimar a política de “tolerância
zero”.139
3.1.6. A politização e o novo populismo
A mais importante alteração na cultura do controle do crime, do ponto
de vista do nosso trabalho, é que a política criminal deixaria de ser um tema
delegável pelos políticos aos experts das instituições penais, para assumir a
condição de assunto central nas disputas eleitorais.140
As questões atinentes ao controle da criminalidade passam a tomar uma
nova forma de politização do discurso penal nunca antes registrado nas práticas
137 Sobre o aumento das ta xas crimi nais diverge de Ga rland o norueguês Ni ls Christie, que
em sua obra A Suitable Amount of Cr ime (2004), adverte não ser possí vel armar que o
delito é uma entidade que va ria através do tempo, de forma que possa mos dizer se está au-
mentando ou diminu indo. Só poderíamos ar mar a situação social a pa rtir da qual se cri a
uma sensação de que o cr ime está aumentado, o que leva a diversa s consequências sociais.
CHRISTIE , Nils. Una sensata cantidad de de lito. 1’ ed. Buenos Aires: Editores del Puert o,
2004, p. 20.
138 GARLA ND, David, op. cit., p. 48.
139 TONRY, Michael H. inking Ab out Crime, p. 120.
140 GARL AND, David, op. cit., p. 48 -49.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
42
penais do passado.141 Os processos que conduzem à decisãopolítico-criminal
tornam-se profundamente populistas. As decisões colocam o benefício polí-
tico e a reação à opinião pública acima da posição dos especialistas penais e
de dados estatísticos.142 Assim, os prossionais da área penal são deslocados
do debate, bem como as investigações cientícas da área penal são ignoradas.
Ganham espaço as frases de efeito, as expressões de fácil compreensão junto
ao público em geral, as mensagens de salvação: “a prisão funciona!”, “prisão
sem regalias!”, “tolerância zero”, “duro com o crime! (tough on crime) ”. 143 É esse
clima que vai permitir a edição de leis severíssimas como a famosa three strikes
law nos EUA, que viria a se difundir pelo mundo. Mas sobre essa lei trataremos
mais a frente, no item especíco em que desenvolveremos o populismo penal.
A politização do discurso penal leva o senso comum a dirigir o debate. O
político fala em nome do público temeroso ao crime. Garland expõe que:
Existe atualmente uma corrente claramente populista na política penal
que denigre as elites de experts e prossionais e defende a autoridade
“da gente”, do sentido comum, de “voltar ao básico”. A voz dominante da
política criminal [...] é a da gente sofrida e mal atendida, especialmente,
a voz da “vítima” e dos temerosos e ansiosos membros do público.144
E os personagens dessa corrente populista buscam apoio na opinião públi-
ca, que dá voz a experiência da dor da “gente sofrida”, das vítimas, da sociedade
amedrontada. Nesse contexto, os legisladores devem agora estar atentos à re-
verberação dessa dor na opinião pública, na mídia, e considerá-la no processo
de tomada de decisão em matéria penal, preocupados com o cálculo de bene-
fícios políticos a curto prazo.145
141 Não falamos aqu i de “politização” do sistema penal e si m de “nova forma de politiz ação”
do discurso pen al, na medida em que o sist ema penal sempre foi “politiz ado” de alguma
forma.
142 GARL AND, David, op. cit., p. 49.
143 Ibidem.
144 (Tradução nossa) “Existe actualmente una corriente claramente populista en la
política penal que denig ra a las élites de expertos y profesionales y deende la au-
toridad «de la gente», del sentido común, de «volvera lo básico». La voz dominante
de la política criminal ya no es la del exper to, o siquiera la del operador, sino la
de la gente sufrida y mal atendida , especialmente la voz de «la v íctima» y de los
temerosos y ansiosos miembros del público”. Ibidem.
145 Ibidem.
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43
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Toda essa politização poderia indicar cisões partidárias. Mas não é o que
se constata no uxo político das democracias contemporâneas em relação ao
fenômeno do populismo penal. Nos EUA, Tonry146 observa que nos anos 90
(séc. XX) todos poderiam notar que ambos os grandes partidos da democracia
americana (Partido Democrata e Partido Republicano) eram consistentemen-
te duros nos seus discursos penais.147 Nesse particular, Garland destaca que,
longe de haver uma diferenciação de posturas partidárias acerca da política
criminal, nas décadas de 1980 e 1990, teria havido “o empobrecimento do de-
bate e uma chamativa convergência de propostas políticas entre os principais
partidos políticos”.148
Zaaroni também identica, na mesma linha que Garland, a partir da dé-
cada de 1960, esse fenômeno do uso político da lei penal como forma de ob-
tenção de vantagem eleitoral pelos agentes políticos149:
[...] a partir dos anos sessenta, a política criminal se joga como opor-
tunismo partidário, o que se agravou com a crise do estado do bem-
-estar social e os efeitos [...] do fenômeno denominado globalização, em
que o capital circula até encontrar rendas mais favoráveis, inclusive com
mão de obra escrava, [...] o que gera polarização de riqueza, desemprego
e, também, uma forte perda de poder dos estados nacionais e de seus
operadores políticos que, impotentes ante os conitos, usam leis pe-
nais como propaganda eleitoral.150
146 Professor de Di reito e Política Crimi nal na University of Minnes ota Law School, EUA.
Disponível em . Acesso em 19 de
junho de 2015.
147 TONRY, Michael H. ink ing About Crime, p. 8.
148 GARL AND, David. La cultur a del control, p. 50.
149 O autor argentino ta mbém destaca, em consonância c om Garland, o processo que conduz à
descredibil idade da opinião técnica jur ídica e crim inológica nos debates político cr iminais
no contexto do autoritari smo cool latino-americano, que fa z coro com o estadunidense: “[...]
o discurso autorit ário cool latino americano pa rticipa do simplismo de sua matriz nor te-a-
mericana, ca recendo igual mente de qualquer respa ldo acadêmico, e se orgu lha disso, poi s
esta publicidade popu laresca denigre const antemente a opinião técnica juríd ica e criminoló-
gica, obrigando os op eradores políticos a assumir idênt ica postura de desprezo”. O inimigo
no direito penal. 2ª E d. Tradução: Sérgio Lamarão. R io de Janeiro: Revan, 2007, p. 74.
150 (Tradução e grifo nosso) “[...] a partir de los año s sesenta la política crim inal se juega como
oportunismo pa rtidista, lo que se agravó con la c risis del estado de bienestar y los efectos
poco acotables del fenómeno denomi nado globalización en que el capita l circula hasta ha-
llar rentas más favor ables, incluso con mano de obra escl ava, en tanto que los ofertantes no
pueden circula r, lo que gene ra polarización de riqueza, dese mpleo y, también, una fuerte
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
44
O suprapartidarismo vai ser uma das características do populismo penal.
E estará presente em diversos países. Forma-se um “novo consenso rígido em
torno das medidas penais”: elas devem ser duras e agradar a sociedade.151 A lei
penal se converte em uma mercadoria. O político é o prestador. E o eleitor é o
consumidor.
3.1.7. A reinvenção da prisão: encarceramento massivo
Ao longo do século XX, a história do encarceramento parecia ser a histó-
ria da gradual redução de seu emprego. Aparentemente, produzia-se um re-
manejamento do castigo penal, com medidas contra a prisão e em favor de
sanções monetárias, liberdade condicional e variadas forma de supervisão
comunitária.152
Em conferências realizadas na Alemanha em 1997 e 1998, o inuente pe-
nalista alemão Claus Roxin decretava que “a mais severa de nossas atuais san-
ções, a pena privativa de liberdade, que dominou o cenário das penas nos paí-
ses europeus desde a abolição dos castigos corporais, tem seu ápice bem atrás
de si, e vai retroceder cada vez mais”.153 E apontava duas razões para a diminui-
ção do uso da prisão. Em primeiro lugar, quanto mais tipos penais a legislação
previsse, menos seria possível reagir a eles com aplicação de penas privativas
de liberdade. Não haveria instituições penais e recursos nanceiros sucientes
para a execução humanizada desse amplo programa de encarceramento. Em
segundo, esse encarceramento massivo não seria desejável do ponto de vista
político-criminal. E armava como clara expressão de seu compromisso de-
mocrático com um Estado Constitucional de Direito: “não se pode aprender
a viver em liberdade e respeitando a lei, através da supressão da liberdade; a
perda do posto de trabalho e a separação da família, que decorrem da privação
da liberdade, possuem ainda maiores efeitos dessocializadores.154
pérdida de poder de los est ados nacionales y de sus ope radores políticos que, i mpoten-
tes ante los conicto s, usan las leye s penales como propagand a electoral.” ZAFFARONI,
Eugenio Raúl, AL AGIA, Alejandro & SLOKAR , Alejandro. Derech o Penal: Par te General.
2ª ed. Buenos Aires: E diar, 2002, p. 351.
151 GARLA ND, David, op. cit., p. 50.
152 GARLAN D, David, op. cit., p. 50.
153 ROXIN, Claus. Tem futuro o Direito Penal? In: E studos de direito pena l. Trad.: Luís
Greco. Rio de Janeiro: Renova r, 2006, p. 18.
154 Ibidem.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Roxin acertou a previsão para a Alemanha155. Mas isso não foi propria-
mente o que ocorreu na maioria dos países. O que sucedeu foi uma verdadeira
reversão dessa tendência de menor utilização da pena de prisão. Em especial
no país do penal modeling da atualidade. No período entre 1973 e 1997, a quan-
tidade de pessoas encarceradas nos EUA subiu mais de 500%.156 Considerando
os três anos posteriores a 1997, Michael Lynch157 registra que, de 1973 a 2000, a
taxa de encarceramento teria crescido consistentemente, aumentado em 920%,
embora a taxa de criminalidade tenha crescido apenas 42%.158
Franklin Zimring159 arma que a política penal americana passou pela
mais notável transformação em sua história nesse período compreendido pelo
último quarto do século XX. O processo de expansão penal conduziu a taxas
de encarceramento nunca antes vistas no país. A partir do ano de 1973, a taxa
de pessoas presas por 100 mil habitantes cresce vertiginosamente, como indi-
cado acima. E, segundo o autor:
A primeira vez que a legislação penal foi uma causa substancial que
contribuiu para o aumento do encarceramento foi em 1985, e a ocasião
foi o início de um pânico público e um conjunto de iniciativas pelos
governos estaduais e federal que caram conhecidas como ‘guerra às
drogas’.”160
155 A população carc erária alemã reduziu de 70.525 pes soas presas no ano de 200 0 para 65.889
no ano de 2012. Dados disponí veis em < http://www.prisonstudies .org/country/germany>.
Acesso em 8 de julho de 2015.
156 GARLA ND, David. La cultura del control , p. 51.
157 ProfessordeCrimi nologianoDepartmentof Cr iminology,CollegeofBehavioral&Commu
nity Sciences,UniversityofSouthFlorida,EstadosUnidos.Cf.
edu/faculty Sta/bio.cfm?ID=47>. Acesso em 4 de jul ho de 2015.
158 “e rate of imprison ment in the United States has i ncreased consistent ly from 1973
through 20 00, growing by 920 percent! During t hat period, the rate of crime rose 4 2 per-
cent”. LYNCH, Michael J. Big prisons, big drea ms: crime and t he failure of Amer ica’s
penal system. Rutger s University Press: New Bru nswick, New Jersey, and London . 2007,
p. 14 6.
159 Professorna BerkeleyL awSchool,Univer sityofCalifor nia.Cf.
edu/php-programs/facu lty/facultyProle.php?facID =127>. Ace sso em 21 de julho de 2015.
160 (Tradução nossa) “e rst t ime that penal legis lation was a substantia l contributing cause
to increasing inc arceration was 1985, and the occasion wa s the beginning of a public pa n-
ic and set of initiat ives by federal and st ate governments that have come to be k nown as
‘the war on dru gs’.” ZIMRING, Fra nklin E. Penal Polic y and Penal Legislation in Re cent
American Ex perience. Stanford Law Review, vol. 58, 20 05, p. 331.Disponível em
scholarship.law.berkeley.edu/facpubs/1244>. Acesso em 21 de julho de 2015.
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Os eventos que conduziram ao pânico público em relação às drogas re-
feriam-se à chegada de uma das variantes da cocaína ao mercado da droga
nas grandes cidades, acompanhado da preocupação midiática em torno do
poder e potencial viciante dessa nova droga.161 E assim o crack tomava as
ruas dos EUA.
Abaixo, reproduzimos o gráco162 destacado pelo autor no texto, o qual
demonstra a curva ascendente na taxa de encarceramento nos ns do século
XX nos EUA:
U.S. Imprisonment Rate, 1925-2002
!
Rate per 100,000
1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000
Zaaroni também destaca esse incremento do encarceramento americano
a partir da década de 1970. E registra que “o sistema penal se converteu em
um fator de redução da taxa de desemprego ou mesmo em condição de plena
ocupação”.163
E como bem avalia Wacquant, o processo de superencarceramento ameri-
cano não pode ser explicado a partir do aumento da criminalidade violenta. Ele
decorreu da extensão do recurso da pena de prisão a uma gama de crimes de
rua e contravenções que não importavam em encarceramento anteriormente,
161 Ibidem.
162 Ibidem, p. 327.
163 O inimigo no di reito penal, op, cit., p. 61.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
como por exemplo infrações menores relacionadas às drogas e comportamen-
tos classicados como de desordem pública (uma política penal congruente
com a ideologia da broken windows theory). E o autor acrescenta que esse novo
padrão punitivo tinha uma exceção: crimes econômicos e infrações penais
cometidas pelas classes favorecidas e corporações, como fraudes de crédito e
seguro, peculato, abuso de conança, uso de informação privilegiada (insider
trading), lavagem de dinheiro, e violações da legislação empresarial e trabalhis-
ta.164 Está dada a seletividade do sistema penal.
A população carcerária americana continuaria a crescer dos anos 2000
até 2012, conforme se pode depreender dos dados do International Centre
for Prison Studies (ICPS), da School of Law at Birkbeck, University of London.
Veja-se o gráco165 abaixo:
Prison population total
!
2.400.000
2.250.000
2.100.000
1.950.000
1.800.000
2000 2000 2000 2000 2000 2000 2000
1937482
2033022 2135335
2258792 2307504 2270142 2228424
O ápice da população prisional americana foi no ano de 2008, ao atingir
2.307.504 indivíduos presos. Desde então, tem havido leve queda, com o úl-
timo registro disponível do ICPS relativo a junho de 2013, com o número de
2.217.000 pessoas presas.166 Todo esse encarceramento massivo não é obra do
acaso. Como bem avalia Wacquant:
Assim como o trabalho assalariado precário, a inação carcerária não
é uma fatalidade natural ou uma calamidade ordenada por alguma
164 WACQUANT, Loïc. Punishing the poor: t he neoliberal government of social inse curity.
Duke University Pres s: Durham and London, 2009, p. 125 e 126.
165 Gráco rede senhado com base em: -
-america>. Acesso em 21 de julho de 2 015.
166 Gráco red esenhado com base em: -
-america>. Acesso em 21 de julho de 2 015.
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divindade longínqua e intocável: ela é resultado de preferências cultu-
rais e de decisões políticas que exigem ser submetidas a um amplo de-
bate democrático.167
No Brasil, igualmente, a população prisional só fez e faz crescer nas últi-
mas décadas. Do ano 2000 a 2014, o número de pessoas presas quase tripli-
cou. Subiu de 232.755 para 622.202, conforme demonstra o gráco abaixo,
com base nos dados estatísticos do Relatório do Departamento Penitenciário
Nacional):168
Evolução da população prisional no Brasil
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
232.755
233.859
239.345
308.304
336.358
361.402
401.236
422.590
451.429
473.626
496.251
514.582
548.003
581.507
622.202
Esse aumento nas populações prisionais ao redor do mundo é uma evidên-
cia numérica da nova cultura do controle do crime, a qual reduz a função da
pena aos efeitos de incapacitação (prevenção especial negativa) e retribuição.
167 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad.: A ndré Telles. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed. , 2001, p. 150.
168 Cf. BRASIL . Levantame nto Nacional de Informações Penitenc iárias. Depa rtamento
Penitenciário Nacional - M inistério da Ju stiça: Infopen, De zembro de 2014, p. 19.
Disponível em tp://www.just ica.gov.br/seus-direit os/politica-pen al/documentos /in-
fopen_dez14.pdf>. Acesso em 14 de setembro de 2017.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Em contraposição a cultura penal anterior que apostava na reabilitação da
punição, a visão dominante atualmente repousa na ideia segundo a qual a
“prisão funciona” (prison works).169 Não mais como forma de reinserção so-
cial senão como mecanismo de neutralização e castigo que satisfaz a demanda
política popular por retribuição (sentimento vingativo) e segurança pública.170
Reinventa-se a instituição prisão.
3.1.8. As transformações no pensamento criminológico
O pensamento criminológico que caracterizou o período do pós-guerra
apresentava uma pluralidade de percepções sobre o fenômeno criminal.
Teorias psicológicas sobre a anormalidade e teorias sociológicas como a da
anomia, da privação relativa, da subcultura e do etiquetamento (labelling
approach)171 formavam um conjunto variado de ideias inuentes no discurso
penal e criminológico.172
Para essas correntes do saber criminológico, a criminalidade tinha como
causas a disfunção de processos de socialização familiar saudável, a privação
de educação adequada, a falta de oportunidades de trabalho ou anormalida-
des nas disposições psicológicas do indivíduo. Essa etiologia do crime sugeria
soluções voltadas a medidas de apoio e supervisão das famílias, a reformas so-
ciais de melhoria na educação e criação de oportunidades de emprego e, ainda,
tratamento correcional individualizado.173
Mas a partir da década de 1970, Garland sugere que um conjunto distin-
to de ideias criminológicas vai passar a moldar a política criminal e as deci-
sões dos governos.174 São teorias que percebem o crime como consequência
de falta de controle ou controle inadequado. O pensamento criminológico
169 Uma virada de se ntido na resposta à pergunta do tex to de Martinson: Wh at works to redu-
ce crime? (o que funciona par a reduzir o crime?). A prisão funciona, ma s não reabilitando
senão incapacita ndo os indivíduos. E por longo tempo na prisão. É o gatil ho para o mass
encarceration.
170 GARLA ND, David. La cultura del contr ol, p. 51.
171 Por todos, cf. BAR ATTA, Alessandro. Cri minología crític a y crítica del derecho pe -
nal: introducción a la sociolog ía jurídico penal.- 1ª ed. 1ª reimp. Buenos Aires: Siglo X XI
Editores Argent ina, 2004;
172 GARLA ND, David, op. cit., p. 52.
173 Ibidem.
174 Ibidem, p. 51-54.
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50
anterior concebia o crime como um problema de privação (educação, saúde,
trabalho), de desvio em relação à conduta considerada normal, de socia-
lização defeituosa ou disfuncional, ou de patologia individual. Agora, essa
forma de criminologia contemporânea enxerga o crime como um atributo
normal, rotineiro e comum da sociedade moderna, que é cometido por in-
divíduos perfeitamente normais, em todo sentido (independentemente da
situação social, de educação, saúde e de emprego). Mais controle social, mais
controle situacional e mais autocontrole serão diretrizes dominantes para
as políticas de controle criminal. Essa visão de mundo encara o ser humano
como atores racionais que se comportam no registro incentivo/desincentivo,
sendo plenamente responsáveis por seus atos delitivos. Um campo teórico
de compreensão do controle do delito denominado “criminologia da vida
cotidiana”175 por Garland176, que se funda nas teorias da escolha racional (ra-
tional choice theory), das atividades habituais, do delito como oportunidade,
e da prevenção situacional do delito. É esse aporte teórico que vai fertilizar as
funções retributiva e dissuasiva da punição nas políticas de tolerância zero e
three strikes law, por exemplo, que vão se alastrar pelo mundo.
Nesse cenário, Garland argumenta que:
Na criminologia atual os delitos menores importam, os controles situa-
cionais moldam os comportamentos e as penalidades dissuasivas são
um recurso central para o controle do delito. Tudo isso é a base comum
das criminologias da vida cotidiana e da mais punitiva criminologia do
outro.177
O que é a “Teoria das janelas quebradas” senão um mecanismo que trata
de delitos menores (controle social), identicando espaços urbanos para inter-
venção policial preventiva (controle situacional – reduzindo a oportunidade
do crime), impondo punições para dissuadir criminosos que calculam o cus-
to-benefício do crime (crime como escolha racional)?
175 Segundo Ga rland, os autores expo entes desse pensame nto criminológico s eriam Ron
Clarke, Marcu s Felson, George Kelling y James Q. Wil son. Ibidem, p. 266-267.
176 Ibidem, p. 53.
177 (Tradução nossa) “En la crim inología actu al los delitos menores impor tan, los controles
situacionales moldea n los comportamie ntos y las penalidad es disuasivas s on un recurso
central para e l control del delito. Todo esto es la base común de las cri minologías de la vida
cotidiana y de la má s punitiva criminolog ía del otro.” Ibidem, p. 305.
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51
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Nesse contexto, a “criminologia da vida cotidiana” vai encarar o delito
como risco normal no âmbito da sociedade. Zaaroni repercute essa percep-
ção criminológica diagnosticada por Garland e, referindo-se a ele, explica
que a criminologia da vida cotidiana incorpora o delito como risco normal,
com o que a prevenção do crime não dependeria de valores morais. Bastaria
a imposição de obstáculos físicos que privassem o indivíduo da oportunida-
de de praticar o crime.178 Com relação à “criminologia do outro”, expressada
por Garland, Zaaroni expõe que ela é “baseada na vingança, que se expressa
como exclusão, defesa social, neutralização do sujeito perigoso, ou seja, que
usa o discurso do velho positivismo, mas em um sentido bem vingativo”.179 A
“criminologia do outro” vai ser convergente com o modelo do direito penal do
inimigo, que concebe indivíduos-não-pessoas merecedores de neutralização, a
bem da preservação do sistema social.180
Todo esse desenho criminológico vai permitir que o foco do controle do
crime saia do indivíduo e passe ao evento delitivo. Vai pressupor que as ações
delitivas ocorreriam sempre que não existissem controles. Havendo espaços
vazios atrativos disponíveis, a ação delituosa poderia desencadear-se, tenham
ou não os indivíduos uma “disposição delinquente”.181
178 Veja-se: “La criminolog ía de la vida cotidi ana incorpora a l delito como ries-
go normal y nos llena de in genios humanos preventivos , o sea que la prevención
del delito no depende de valore s morales, sino de obst áculos físicos qu e privan de
oportunidad ”. Z AFFARONI, Eugenio Raúl. L a cuestión crimi nal. In:Suplementoe spe-
cialde Página 12.Fasc ículo14. Argentina, 2011,p.III.D isponívelem i-
na12.com.ar/diario/especia les/18-175157-2011-08-23.html>. Acesso em 8 de julho de 2015.
179 (Tradução nossa) “basa da en la venganza, qu e se expresa como exclusión, defens a social,
neutraliz ación del sujeto peligroso, o sea, que us a el discurso del viejo posit ivismo pero en
un sentido bien vi ndicativo.” Ibidem.
180 O direito pena l do inimigo tem como alvo u ma “não pessoa” que pode destru ir a vida social
e, bem por isso, deve ser neut ralizada, inocui zada, excluída da sociedade. Es se ideal jurí-
dico encontra conforto e re spaldo no modelo moderno punitivo hobbesia no-freudiano. O
inimigo é aquele que não ac eitou a repressão, tornando-se adversár io do Estado (Hobbes),
da civili zação/cultura (Freud), do siste ma social (Ja kobs). Sobre uma aproximação entre
Gunther Jakobs (formulador do d ireito penal do inimigo) e Hobbes e Freud, cf. noss o tra-
balho: MENDE S, André T. Direito Penal do Inimigo: qua ndo Jakobs se aproxima de
Hobbes e Freud. In: REV ISTA EPOS: Genealogias, Subjetivaçõ es e Violências. Volume 2,
Nº 1. Universidade do Estado do Rio d e Janeiro (Uerj), Instituto de Medicina So cial (IMS),
Janeiro a Junho de 2011.
181 GARLA ND, David, op. cit., p. 53.
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52
A nova política e cultura criminal quer substituir o tratamento (preven-
ção especial positiva) pela prevenção (geral negativa - dissuasão), reduzir as
oportunidades para o evento delitivo, aumentando os controles situacionais e
sociais (gestão do risco), modicando as rotinas cotidianas.182
Um texto expoente da emergência dessa compreensão do fenômeno cri-
minal é o e New Penology, de Malcolm M. Feeley e Jonathan Simon.183
Publicado em 1992, os autores da Berkeley Law School referem-se a uma “nova
penologia” e a uma “velha penologia”. Essa última se preocupava com o indi-
duo, sua responsabilidade, culpa, sensibilidade moral, diagnóstico, intervenção
e tratamento individual do criminoso. Mas a primeira, a “nova penologia”, vai
se preocupar com as técnicas de identicação, classicação e gerenciamento
de grupos categorizados por sua periculosidade. Sua tarefa é gerencial. Não se
destina a recuperar (prevenção especial positiva) o indivíduo delinquente. Ela
vai procurar regular os níveis de desvio, em vez de intervir nas malformações
que conduziram o indivíduo ao desvio.184 É nesse sentido que o foco do controle
do crime “sai” do indivíduo e “passa” ao sistema. Não se trata mais de desenvol-
ver políticas de reabilitação, ou investigar a responsabilidade moral do indiví-
duo em relação a suas ações. Trata-se de focar no “sistema” de justiça criminal,
buscando eciência e racionalidade sistêmica.185 As ferramentas para esse em-
preendimento serão indicadores, tabelas de predição, projeções populacionais
que vão servir para identicar, separar e classicar os grupos do menos ao mais
perigoso (gestão eciente do risco). Sendo assim, “nesses métodos, diagnóstico
e resposta individualizados são substituídos por sistemas de classicação agre-
gados para o propósito de vigilância, connamento e controle”.186
Nesse contexto, podemos armar com os autores, que essa nova penologia
teria um novo discurso, um novo objetivo e novas técnicas. O ponto central
do discurso é substituir a descrição moral ou clínica do indivíduo por uma
182 Ibidem, p. 54.
183 FEELEY, Malcolm M. & SIMON, Jonathan. e New Penology: Notes on the
Emerging Strategy of Correctionsa ndItsImplicat ions.In:Cr iminology.Vol.30.
No. 4, 1992, pp. 449 - 474.Di sponível em
facpubs/718>. Acesso em 8 de julho de 2015.
184 Ibidem, p. 452.
185 Ibidem.
186 Ibidem.
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53
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
“linguagem atuarial de cálculos probabilísticos e distribuições estatísticas apli-
cáveis a populações”.187 O objetivo não é mais punir nem reabilitar. É identi-
car e gerenciar grupos indisciplinados.188 As novas técnicas compreendem
o desenvolvimento de (i) formas de custódia e controle com maior custo-be-
nefício e de (ii) novas tecnologias para identicar e classicar o risco (como
monitoramento eletrônico).189
Esse modelo de justiça criminal cará conhecido como “justiça atuarial”
(actuarial justice) e “gerencialismo” (managerialism).190 Terá seu foco em tor-
nar mais eciente o gerenciamento do risco gerado por grupos/populações
classicadas como perigosas.191 Está inscrito em uma nova face da criminolo-
gia, que vai ser denominada “criminologia administrativa (atuarial)”. A crimi-
nologia administrativa teria três pontos chave: (1) considera o ato de praticar
o crime e, nesse sentido, o criminoso, como um ator racional que faz escolhas
(rational choice theory); (2) não procura resolver o problema da criminalidade
senão encontrar mecanismos de prevenir o crime – ou tornar o crime menos
atrativo para o potencial criminoso por meio de medidas físicas e/ou psicoló-
gicas; e (3) tem estreitos laços com o Estado, preocupando-se com a prevenção
situacional do crime, com a eciência e com a ecácia das intervenções.192
3.1.9. A infraestrutura da prevenção do delito e a segurança comunitária em
expansão
Até a década de 1970, os debates eram centrados no castigo (pena), prisões
e justiça penal. Mas a transformação no pensamento criminológico vai esta-
belecer uma “rede de coalizões e esquemas de trabalho interagencial destina-
da a promover a prevenção do delito e fortalecer a segurança comunitária”193
(pública).
187 Ibidem.
188 Ibidem, p. 455.
189 Ibidem, p. 457.
190 Cf. TONRY, Michael H. ink ing About Crime, op. cit., p. 50; A NITUA, Gabriel Ignacio.
Histórias dos pensame ntos criminológicos, op. cit., p. 814.
191 Cf. FEELEY, Malcolm M . & SIMON, Jonathan. e New Penology, op. cit., p. 466.
ANITUA, Gabriel Igna cio. Histórias dos pensamentos crimi nológicos, op. cit., p. 813.
192 TREADWE LL, James, Criminolog y, p. 61
193 Ibidem.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
54
Essa nova cultura de controle do crime vai apostar na “polícia comuni-
tária”, “painéis de prevenção do delito”, programas de “cidades mais seguras”,
“vigilância de bairro” como expressão dessa nova rede de atores e mecanismos
penais que vão muito além dos antigos players do sistema penal.
Garland atesta que “essa nova infraestrutura está fortemente orientada
para um conjunto de objetivos e prioridades – prevenção, segurança, redução
dos prejuízos, redução do dano, redução do temor – que são bastante diferen-
tes das metas tradicionais da persecução, castigo e justiça penal”.194
Qualquer semelhança com o modelo das Unidades de Polícia Pacicadora
(UPP) implantado no estado do Rio de Janeiro não é mera coincidência.
Tendo por base legal o Decreto Estadual nº. 42.787 de 06 de janeiro de 2011, as
UPP’s, “criadas para a execução de ações especiais concernentes à pacicação e
à preservação da ordem pública, destinam-se a aplicar a losoa de polícia de
proximidade nas áreas designadas para sua atuação”.195 E que áreas são essas?
Responde o § 1º do art. 1º do Decreto:
São áreas potencialmente contempláveis por UPP, consoante critérios
estabelecidos pela Secretaria de Estado de Segurança, aquelas com-
preendidas por comunidades pobres, com baixa institucionalidade e
alto grau de informalidade, em que a instalação oportunista de grupos
criminosos ostensivamente armados afronta o Estado Democrático de
Direito.196
Eleita a área para instalação da UPP, qual o s eu objetivo? Assim dispõe
o § 2º do art. 1º:
São objetivos das UPP:
a. consolidar o controle estatal sobre comunidades sob forte inuência
da criminalidade ostensivamente armada;
b. devolver à população local a paz e a tranquilidade públicas neces-
sárias ao exercício da cidadania plena que garanta o desenvolvimento
tanto social quanto econômico.197
194 Ibidem, p. 56.
195 Art.1ºdo DecretoEstadua lnº.42.787de0 6dejaneiro de2011.Disponívelem tp://ar-
quivos.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/DecretoSeseg42.787Upp.pdf>. Acesso em 8
de julho de 2015.
196 Ibidem.
197 Ibidem.
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55
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
A nosso ver, é um conhecimento criminológico seguro armar que a UPP
vai se ajustar às tendências criminológicas apontadas por Garland. O arquéti-
po da UPP vai expressar esse novo controle do crime que extravasa os meca-
nismos de controle antes dominantes: persecução, pena e justiça criminal. A
intervenção estatal quer se antecipar ao delito. Vai para a “cena delitiva”. Quer
preencher o “espaço vazio atrativo disponível” com a polícia de proximidade
(polícia comunitária – preventive policing). E esse espaço social é, na maio-
ria das vezes, os bairros pobres nos EUA, na Europa, na América Latina e no
Brasil.
Essa ideia de “polícia de proximidade, inscrita em uma ordem que preten-
de expandir a segurança comunitária, vai estar no centro dessa nova infraes-
trutura de prevenção ao delito. E ela foi concebida na obra de James Wilson e
George Kelling sobre a “Teoria das janelas quebradas”.198 Esse tipo de padrão
de policiamento foi denominado Community-Oriented Policing (COP)199, que
podemos livremente chamar de “policiamento comunitário. Ele se caracteriza
pela presença do policial na comunidade, que anda por ela, passa a conhecer os
cidadãos que lá residem, inspirando assim uma sensação de segurança públi-
ca.200 Por isso o foco preventivo do trabalho da polícia. No lugar de centrar seus
esforços respondendo às chamadas de emergência quando um crime ocorre
(reactive policing201), a polícia deve antecipar-se a ele. Consolida-se assim uma
nova infraestrutura de prevenção do delito. E Wilson conclui na célebre frase,
repetida em diversos trabalhos criminológicos: “assim como os médicos agora
reconhecem a importância da promoção da saúde, em vez de simplesmente
tratar a doença, também a polícia – e todos nós – deveria reconhecer a impor-
tância de manter, intactas, comunidades sem janelas quebradas”.202ˉ203
198 WILSON, Jame s Q. & KELLING, Ge orge L. Broken Windows: e police and neighbor-
hood safety, op. cit .
199 SIEGEL, La rry J. Criminology, op. c it., p. 592.
200 Ibidem.
201 Ibidem.
202 (Tradução nosso) “Just as physicians now recogn ize the importa nce of fostering health r ather
than simply treat ing illness, s o the police—and the res t of us—ought to recogniz e the impor-
tance of mainta ining, intact, com munities without broken windows”. WILS ON, James Q. &
KELLING, G eorge L. Broken Windows: e police and neig hborhood safety, op. cit.
203 Sobre a “teoria das ja nelas quebradas” e seu impacto pol icial e político em Nova Iorque, cf.
WACQUANT, Loïc. Op. cit ., p. 25-29.
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56
3.1.10. A soci edade civil e a comercialização do controle do delito:
privatização de presídios
A nova infraestrutura de controle do crime vai prever a inclusão de no-
vos atores na cena penal. Na maior parte do século XX, as instituições pe-
naisquegeriam o problema do delito eram os agentes estatais especializados
na atividade policial, persecução criminal e execução penal dos condenados,
no âmbito do sistema de justiça criminal regulado diretamente pelo Estado.
Essa realidade muda. A sociedade civil vai penetrar no sistema penal. E
vai assistir ao ingresso da atividade de cidadãos, comunidades e empresas “que
funciona com uma concepção mais ampla do controle do delito e que utiliza
técnicas e estratégias que são bastante diferentes das empregadas pelas agên-
cias tradicionais da justiça penal”.204
É o marco inicial da ascensão da indústria da segurança privada, das tec-
nologias e serviços de proteção, e empresas e agentes de segurança privada.
A administração das instituições penais se desenvolveu desde o século XIX
como uma função propriamente estatal, que excluía os interesses privados ou
comerciais de seu espectro de atuação.205 Mas a emergência do modelo de pri-
sões privadas vai romper com esse paradigma. De acordo com Wacquant, a
indústria privada da carceragem nasce nos EUA em 1983.206 Em 1988, já con-
tava com 4.630 vagas. Abaixo, reproduzimos o quadro com os dados relativos
ao número de vagas nas prisões privadas nos EUA por ano, conforme aponta
Wacquant:207
1983 0
1988 4.630
1993 32.555
1998 132.572
2001 276.655
204 (Tradução nossa) “Actualmente observa mos un proceso que reúne la ac tividad de ciuda-
danos, comunida des y empresas, que funciona con una c oncepción más amplia del control
del delito y que utili za técnicas y estrategia s que son bastante diferentes de las empleadas
por las agencias tr adicionales de la justicia pena l”. GARLAND, David, op. cit., p. 56.
205 Ibidem, p. 5 7.
206 WACQUA NT, Loïc. Op. cit., p. 90.
207 Ibidem, p. 91.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Até dezembro de 2013, o número de presos custodiados em prisões privadas
americanas era de 133.044, conforme Relatório do Escritório de Estatísticas da
Justiça, do Departamento de Justiça dos EUA, datado de setembro de 2014.208
A comercialização da cultura do controle do delito também está presen-
te no Brasil, ainda que em pequeno percentual. De acordo com os dados do
Depen, 8% dos estabelecimentos penais brasileiros não são públicos, conforme
se depreende do gráco abaixo:209ˉ210
Gestão dos estabelecimentos
Pública
43-3%
34-3% 18-1% 9-1%
Organização sem f‌ins lucrativos
Cogestão
Parceria Público-Privada
Sem informação
Fonte: Infopen, junho/2014
208 Prisoners in 2013. Setembro de 2014. U.S. Depar tment of Justice / Oce of Jus tice Programs /
Bureau of Justice Stati stics (BJS). Disponível em
pdf>. Acesso em 21 de julho de 2015.
209 Gráco redesenhado com bas e em: BRASIL . L evantamento Nacional de I nformações
Penitenciárias. Depar tamento Penitenciário Nacional - Mi nistério da Justiça: Infopen, ju-
nho de 2014, p. 81. Disponível em gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-
-relatorio-do-infop en-nesta-terca-feira/relator io-depen-versao-web.pd f>. Acesso em 30 de
julho de 2015.
210 Nos termos do Relatório do DEPEN de dez embro de 2014: “Ainda que se discuta a opera-
ção privada do sistema pr isional há muito tempo, no Brasil a gestão pública é a rea lidade
de mais de 90% das u nidades. Em 15 estados, as un idades sob gestão pública representam
um valor próximo ou ig ual a 100%.”BR ASIL. Levantamento Nacional de Informa ções
Penitenciárias. Depar tamento Penitenciário Nac ional - Ministé rio da Justiça: In fopen,
Dezembro de 2014, p. 74. Disponível em: w.justica.gov.br/seus-direitos/politi-
ca-penal/documentos/in fopen_dez14.pdf>. Acesso em 14 de setembro de 2017.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
58
De todo modo, o que se constata, segundo Garland, é uma redenição
das fronteiras pré-estabelecidas entre as esferas pública e privada, entre a jus-
tiça penal estatal e os controles exercidos pela sociedade civil.211 A cultura do
controle do crime se descentraliza das instituições tradicionais. E também as
racionalidades políticas e criminológicas que as fundavam.212
3.1.11. Novos estilos de gestão e práticas de trabalho dos principais atores do
sistema penal
Nessa nova arquitetura penal, as práticas de trabalho dos agentes penais se
alteram. A polícia deve dedicar menos esforço direto ao combate do delito (tra-
balho reativo), bem assim para prestar um serviço público capaz de gerar sensa-
ção de segurança pública, reduzindo o temor e a desordem (trabalho preventi-
vo). No cárcere, o papel central é a proteção da sociedade, mantendo os presos
neutralizados, sem grandes preocupações com a reabilitação da maioria deles.213
Nesse particular, no Brasil, o chamado Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD) é o exemplo mais eloquente de técnica de neutralização, com o respec-
tivo abandono de qualquer resquício de reabilitação. Previsto no art. 52 da Lei
de Execução Penal,214 representa uma forma de sanção administrativo-disci-
plinar no âmbito da execução penal. Importa no isolamento do preso em cela
individual e outras restrições de direitos no cumprimento da pena. Tem lugar
quando o detento pratica falta grave ou quando ocasione subversão da ordem
ou disciplina internas do estabelecimento penal.
211 GARLA ND, David, op. cit., p. 57.
212 Ibidem, p. 57-5 8.
213 Ibidem, p. 58.
214 “Art. 52. A prática de fato previ sto como crime doloso constitui fa lta grave e, quando oca-
sione subversão da ordem ou discipli na internas, sujeita o preso provisór io, ou condenado,
sem prejuízo da sa nção penal, ao regime discipl inar diferenciado, com as segu intes carac-
terísticas: I - du ração máxi ma de trezentos e ses senta dias, sem prejuí zo de repetição d a
sanção por nova falt a grave de mesma espécie, até o limite de um s exto da pena aplicada;
II - recolhimento em cel a individual; III - visita s semanais de duas pessoas , sem contar as
crianças, c om duração de duas horas; IV - o preso terá di reito à saída da cela por 2 horas
diárias pa ra banho de sol ”. Disponível em lto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L7210.htm>. Acesso em 4 de julho de 2015.
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59
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Outro aspecto fundamental que vai caracterizar a mudança na cultura do
controle do crime é “uma nova e difundida atitude de gestão do tipo empre-
sarial que afeta os diversos aspectos da justiça penal”.215 Esse modelo vai ser
reconhecido na criminologia como managerialism (gerencialismo)216, como
armamos acima. Funda-se na estratégia de seguir métodos gerenciais empre-
gados na gestão empresarial privada para tornar o sistema de justiça criminal
mais efetivo, eciente e controlável. Estabelecimento de metas, medição de ris-
cos e análises de impacto vão forjar uma nova abordagem (gerencial-empresa-
rial) de controle do crime.
De todo modo, essa engenhosidade vai tornar a escolha dos locais para
atuação da polícia, o mapeamento das áreas de risco, a alocação de recursos
escassos para prevenção do crime, ou seja, toda essa nova gestão “eciente” de
controle vai tornar e produzir um sistema penal ainda mais seletivo.
Mais do que isso, a preocupação com o ecientismo do sistema penal suge-
riria a descriminalização real de delitos menores, de forma a dirigir os recursos
de controle para os crimes mais graves e indivíduos mais perigosos.217 Mas não
foi o que sucedeu. Preocupações políticas populistas conduziram a edição de
leis severas (como a three strikes law) que desconsideram a escassez dos re-
cursos penais, levando à prisão um mar de pessoas que não se podem reputar
perigosas (crimes não violentos218).
Nesse sentido, ao passo que um novo estilo de gestão do crime emergia,
programas como o “tolerância zero” pareciam reverter essa mesma lógica ge-
rencial do foco em crimes graves e indivíduos de alto risco.219 Nota-se assim
uma tensão e contradição entre redução de gasto (managerialism) dispendioso
e medidas populares que produzam tranquilidade e agradem um certo público,
215 GARLA ND, David, op. cit., p. 58.
216 Cf. PRATT, John. Penal Po pulism . Routledge: London and New York, 2007, p. 133-
137; RAYNOR, Peter. Community penaltie s, probation, and oender mana gement.
In: MAGUIRE, M ike, MORGAN, Rod & REI NER, Robert . e Oxford Handbook of
Criminolog y. Fih Edition. Oxford University Pres s: United Kingdom, 2012, pp. 928-954.
217 GARLA ND, David, op. cit., p. 59.
218 Lynch explica que a ex pansão penal america na propiciou o aumento de pessoas presas por
crimes violentos e pat rimoniais, mas resultou no aumento ai nda maior de pessoas presas
por crimes de droga s, um crime não v iolento. Cf., detalhad amente, com os números da
década de 1990 LYNCH, Michae l J. Big prisons, big dreams, op. cit., p. 147-156.
219 Ibidem.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
60
como o programa zero tolerance para indivíduos “indesejáveis” e ree Strikes
Law para crimes patrimoniais.
3.1.12. Uma sensação permanente de crise
Segundo Garland, desde o nal da década de 1970, tem havido um pro-
fundo mal-estar e um processo de desmoralização das pessoas que atuam nas
instituições penais. Esse estado de ânimo se expressaria como uma sensação
de crise permanente do sistema de justiça penal, já que haveria uma percep-
ção crescente segundo a qual as agências especializadas de controle do delito
não seriam adequadas para o enfrentamento do problema da criminalidade.220
Teriam falhado nessa tarefa, com o que “existe uma crescente consciência de
que a estratégia moderna do controle do delito através da justiça penal teria
sido testada e teria fracassado”.221
Garland denomina esse processo de “crise da modernidade penal”.222 Nel a,
há um descrédito dos conhecimentos dos experts do sistema penal. Essa desmo-
ralização será partilhada entre o público em geral e entre os próprios membros
da comunidade penal. A sociedade perde cada vez mais a conança na justiça
criminal. Os políticos cam cada vez menos dispostos a ouvir o que tem a dizer
os prossionais da área penal e criminológica. Aos poucos, vão aderindo mais
ao senso comum, às percepções criminais do público, ao que é representado na
mídia, ao que lhes pode trazer mais proveito político-eleitoral, independente-
mente da decisão político-criminal conter elementos de ecácia ou observar
normas constitucionais. Ou qualquer racionalidade penal, no sentido de que
medidas legislativas seriam estéreis para o efeito de modicar a realidade sobre
a qual pretende incidir.223 Está dado o campo para o populismo penal.
220 GARLAN D, David, op. cit., p. 60.
221 Ibidem, p. 61.
222 Ibidem.
223 Do ponto de vista da teor ia da legislação, At ienza disti ngue cinco modelos d e raciona-
lidade: (i) linguíst ica, (ii), jurídico-forma l, (iii) pragmática, (iv) teleológica , e (v) ética. A
racionalidade tele ológica seria aquela na qu al a lei teria que alc ançar (para se r racional)
os ns socia is perseguido s/pretendidos. Cf. ATIENZ A, Manuel. Contribución pa ra una
teoría de la legislación . Doxa. N. 06 (1989). ISSN 0214 -8876, p. 385.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
3.2. Populismo penal: origem
O populismo penal é um fenômeno geral que traz consequências e im-
plicações para o desenvolvimento penal nas sociedades contemporâneas.224
Suas condições de emergência estão dadas pelos indicadores de mudança na
cultura do controle do crime nos ns do século XIX, consolidando-se até os
dias atuais. E armamos que está espalhado pelo mundo. Tem sido objeto de
estudo, ou ao menos referido, em diversos países, ainda que reetido sob a
rubrica de “política criminal populista, “populismo punitivo”, “punitivismo
populista”, ou a forma que vem se generalizando, “populismo penal” (penal
populism). No Reino Unido, com Julian V. Roberts, Loretta J. Stalans, David
Indermaur e Mike Hough;225 na Nova Zelândia, com John Pratt;226 na França,
com Denis Salas;227 na Espanha, com José Luis Díez-Ripollés, Elena Larrauri e
Manuel Miranda Estrampes;228 nos EUA, com David Garland, Michael Tonry e
Franklin Zimring;229 no Peru, com Manuel Tapia;230 no Equador, com Fernando
224 PRATT, John. Penal Popu lism. Op. cit ., p. 7.
225 ROBERTS, Julian V. et. al. Penal Populism and Publ ic Opinion: Lessons For m Five
Countries. New York: Oxford Universit y Press, 2003.
226 PRATT, John. Penal Popu lism. Op. cit .
227 SALAS, Denis . La volonté de punir: essai sur le popu lisme pénal. Paris: Fayard , 2012.
228 DÍEZ-RIPOLLÉ S, José Luis. El nuevo mode lo penal de la segur idad ciudadana. Revista
Electrónica de Cienc ia Penal y Crimi nología (en línea). 2004, núm. 0 6-03, p. 03:1-03:34.
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Jueces para la democra cia. Nº 58, mar/2007, pp. 43-71. Disponível em < http://www.jueces-
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229 GARLAN D, David. La cultu ra del control: crime n y orden social en la socie dad con-
temporánea. Traducción de Má ximo Sozzo. Ge disa Editoria l: Barcelona, 20 05. TONRY,
Michael H. ink ing About Crime: Sen se and Sensibilit y in America n Penal Culture.
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230 TAPIA, Manuel Bermúdez. L a fragilidad de la política cri minal y los derechos f unda-
mentales en el sistema penitenci ario peruano. In: URVIO: Revista Lat inoamerica na de
Seguridad Ciud adana.- Quito: FLACSO- Ecua dor, 2007, pp. 31-37.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
62
Carrión;231 na Argentina, com Máximo Sozzo e Gabriel Anitua;232 e de forma
abrangente, referindo-se à América do Sul e Latina em geral, em outro texto,
novamente José Luis Díez-Ripollés.233
No Brasil, é possível identicar autores que tem se referido ao fenômeno234,
embora seja muito difícil precisar a origem.
Em outubro de 2007, em seminário promovido pelo Ibccrim (Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais), o espanhol José Luis Díez-Ripollés tratava
do “populismo punitivo” para uma plateia de brasileiros.235 No mesmo ano,
Nilo Batista mencionava “populismo penal”, ao se referir às “periódicas re-
formas publicitárias na lei”236, e ao novo papel desempenhado pela vítima,
que opera como elemento decisivo nas elaborações legislativas.237 E na nota
231 CARR IÓN M., Fernando. ¿Por qué todos los caminos conducen a la miser ia del panóp-
tico?. In: URVIO: Rev ista Lati noamericana de S eguridad Ciuda dana.- Quito: FLACSO -
Ecuador, 2007, pp. 5-9.
232 SOZZO, Máximo. ¿Met amorfosis de la prisión? Proyecto norma lizador, populismo
punitivo y “prisión-depósito” en A rgentina. In: URVIO: Revist a Latinoamer icana de
Seguridad Ciud adana.- Quito: FL ACSO- Ecuador, 2007, pp. 88-116. ANITUA, Gabriel
Ignacio. Históri as dos pensamentos crim inológicos. Trad.: Sérg io Lamarão. R io de
Janeiro: Revan; In stituto Carioca de Crim inologia, 2008, p. 817.
233 DÍEZ-RIPOLL ÉS, José Luis. L a política legislat iva penal iberoamer icana a principios
del siglo XXI . Polít. crim., Nº 5, 2008, A7-5, pp. 1-37. inal.cl/
n_06/a_7_5.pdf >. Acesso em 9 de julho de 2 014.
234 Também a mídia. Já em 25 de agosto de 1998 , o jornal Folha de São Paulo publicava edi-
torial intitu lado: “Populismo pena l”. Em um texto no qual c riticava a ediç ão da Lei n.
9.695/1998, que incluíra o crime de fa lsicação de remédio (art. 273 do Código Pena l) no
rol de crimes hediondos (L ei 8.072/1990), o editorial est ava atento ao fenômeno, e obser-
vava: “Têm sido frequentes os rompa ntes legislativos pa ra responder a pressões d a opi-
nião pública depois de cr imes que provocam comoção naciona l. Por meio de novas leis, na
maioria dos casos d raconianas, pretende-se transm itir segur ança à populaçã o e passar a
imagem de que as autoridade s estão atentas”. Disponível em
opiniao/fz2208980 2.htm>. Acesso em 4 de julho de 2015.
235 “Endurecimentopena lépopul ismopunitivo,d izprofessor”.Disponível em w.
conjur.com.br/2007-out-10/endurecimento_p enal_popul ismo_punitivo_ professor>.
Acesso em 4 de julho de 2015.
236 BATISTA, Nilo. Só Carolina não viu : violência doméstica e políticas cr iminais no Brasil.
In: Adriana Ra mos de Mello. (Org.). Cometários à Lei d e Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher.1ed.RiodeJane iro:LumenJurisEditores,20 07,p.15.Disponívelem
tp://www.crprj .org.br/publicacoes/jornal/jor nal17-nilobatista.pdf>. Acesso em 4 de julho
de 2015 .
237 Ibidem, p. 18 e 19.
Book-Porque o legislador.indb 62 15/11/18 18:06
63
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
de rodapé número 32, Nilo Batista mostra-se leitor da obra de Denis Salas
sobre populismo penal.238 Em 2009, André Luis Callegari e Maiquel Wermuth
referiam-se a “populismo punitivo”, mas remetiam à texto de coautoria de
Callegari e Cristina Motta de 2007, no qual armavam que populismo puni-
tivo “pode ser denido como aquela situação em que considerações eleitorais
primam sobre as considerações de efetividade.239
Em 2008, Salo de Carvalho tratava de “política criminal populista ou po-
pulismo punitivo, ao se referir ao legislador que propõe alterações contingen-
ciais impulsionado por demandas punitivas.240
Em 2009, Vera Malaguti Batista escrevia que “surge na América Latina o
fenômeno do ‘populismo punitivo’, aquele discurso da perene emergência”.241
Em seguida, a autora cita a obra de Máximo Sozzo a que zemos referência
acima.242
Em 2010, Alexandre Wunderlich, e novamente Salo de Carvalho, vão
apontar para a relação entre elaboração legislativa e populismo punitivo ao
argumentar que, após a Constituição de 1988, foram aprovadas “propostas
238 «À vítima uti lizada como “al ibi pour promouvoir des politique s pénales de plus en plus
dures” se refere Salas , Denis, La Volonté de Punir – ess ai sur le populisme p énal, Paris ,
2005, ed. Hachet te, p. 112”. Ibidem, p. 19.
239 CALLEGAR I, André Luis, e WER MUTH, Maiquel Ângelo Dezord i. “Deu no jornal”: no-
tas sobre a contribuição da m ídia para a (ir)racionalid ade da produção legislativ a no
bojo do processo de expan são do direito penal. In: Revista L iberdades - nº 2 – Instituto
Brasileiro de Ciência s Criminais: setembro -de zembro, 2009, p. 67.
240 “[...] o Legislativo, imerso em questões p ontuais, real iza alteraç ões/inovações com obje-
tivo de responder contingenci almente casos de g rande repercuss ão. Nestes casos as lei s
normalmente são impu lsionadas pela demanda punitiva , representando, de forma ótima,
o que atualmente se denom ina como política cr iminal popu lista ou popul ismo puniti-
vo”. CARVALHO, Salo de. Em defesa da le i de responsabilidade pol ítico-crim inal. In:
Boletim Ibcc rim. Nº 193. Dezembro/2008.
241 BATISTA, Vera Malaguti. Crimi nologia e Política Criminal. In: Revista Internaciona l
de História Política e Cu ltura Jurídica, R io de Janeiro: vol. 1. no.2, julho/dezembro 2009,
p. 36. Disponível em w.historia.u.br/revi stapassagens/ar tigos/v1n2a2200 9.
pdf>. Acesso em 4 de julho de 2 015.
242 O autor é leitor e tradutor da obra de David Garl and (e Culture of Control) e John Pratt.
SOZZO, Máximo. ¿Meta morfosis de la prisión? Proyecto normaliza dor, populismo pu-
nitivo y “prisión-depósito” en Argent ina. Op. Cit.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
64
legislativas voltadas tão somente à satisfação dos reclamos sociais passionais e
contingentes”.243
Em setembro de 2011, em um texto no qual repercutia decisão do Supremo
Tribunal Federal sobre o tema da morte causada no trânsito por condutor em-
briagado, Luiz Flávio Gomes armava que “as decisões judiciais não podem
car ao sabor do populismo penal”.244Em outubro de 2011, ao comentarem de-
cisão do Superior Tribunal de Justiça que anulara provas relativas à “Operação
Faktor” da Polícia Federal, os criminalistas Alberto Zacharias Toron, Celso
Sanchez Vilardi e Pierpaolo Cruz Bottini escreviam: “Não sucumbir aos apelos
de uma espécie de populismo penal, que busca haurir a legitimidade da juris-
dição penal na vontade do povo, representa o ponto culminante da razão de
ser do Judiciário independente numa democracia constitucional”.245
Em 2013, com a edição tendo sido fechada em dezembro de 2012, Luiz
Flávio Gomes e Débora de Souza de Almeida publicavam o livro Populismo
penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico.246
Em abril de 2014, O Ibccrim divulga “Novo Manifesto dos Criminalistas
Brasileiros contra o PLS 236/12: oposição democrática contra o absurdo co-
dicado”, criticando o Anteprojeto de Código Penal aprovado no Senado
Federal. E a nota da Coordenação do instituto registra em relação ao projeto:
“[...] esforçando-se para soar sucientemente ‘contemporâneo’ e fugir de seu
paradoxal anacronismo, o Parecer defende adiante a criação de ‘novos crimes,
tão desnecessários quanto caricatos, em mais uma demonstração de vulgar
adesão ao populismo penal”.247
243 CARVALHO, Salo de. & WUNDERLICH , Alexandre. Reformas legisl ativas e populismo
punitivo: é possível controla r a sedução pelo poder penal? In: Boletim I bccrim. No. 214.
Sete mbro /2010.
244 “Decisão não pode ca r ao sabor do populismo penal”. Disponível em /www.con-
jur.com.br/2011-set-15/coluna-lfg-decisao-judici al-nao-ficar-sabor-popu lismo-penal>.
Acesso em 4 de julho de 2015.
245 “Magistratu ranão podesesubmeter aopopulismopena l”. Dispon ívelem
conjur.com.br/2011-out-05/magistrat ura-tribu nais-nao-p odem-submeter-popu lismo-pe-
nal>. Acesso em 4 de julho de 2015.
246 GOMES, Luiz F lávio & ALMEIDA, Débora de Sou za de. Populismo penal midiát ico: caso
mensalão, mídia d isruptiva e direito penal c rítico. São Paulo: Saraiva , 2013.
247 In: Boletim Ib ccrim. No. 257. Abril/2014.
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65
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Em junho de 2015, em texto no qual criticam a proposta de redução da
maioridade penal, Mauricio Stegemann Dieter e Luciano Anderson de Souza
advertem: “Natural que os parlamentares envolvidos nessa trama encontrem
no populismo punitivo uma forma eciente de simultaneamente desviar o foco
sobre a apuração de suas responsabilidades e angariar simpatia eleitoral”.248 E
em agosto de 2015, Rubens Casara destaca como uma das características da
jurisdição penal autoritária:
a adesão discursiva ao populismo penal: a jurisdição penal autoritária
adere e reproduz os argumentos expostos nas manifestações políticas
dirigidas à exploração do medo e das pulsões repressivas presentes na
sociedade (“populismo penal”, como chamou o jurista francês Denis
Salas).249
Como se pode notar, o populismo penal está na agenda do debate penal.
No mundo e no Brasil. Ainda que a nomenclatura oscile, há uma compreensão
generalizada segundo a qual as narrativas e as instituições penais têm apresen-
tado traços populistas na política contemporânea.
3.3. Populismo penal: denição
Na mitologia grega, as sereias eram ninfas marinhas. Tinham o poder de
enfeitiçar com seu canto todos quantos as ouvissem. Os infortunados mari-
nheiros sentiam-se irresistivelmente impelidos a se atirar ao mar para encon-
trá-las. Lá, encontravam a morte.250
O populismo penal é um discurso sedutor. Tem o poder de enfeitiçar com
seu canto todos quantos o ouvem. Os afortunados políticos sentem-se irresis-
tivelmente impelidos a adotá-lo. Por meio dele, não tem encontrado a morte
política senão a vida dos votos.
248 Irracionalismo e reduç ão da maioridade penal . In: Boletim Ibc crim. No. 271. Junho/2015.
249 “Jurisdição p enal autoritária”. Dispon ível em -
cao-penal-autorita ria/>. Acesso em 30 de agosto de 2015. Embora não ten ha sido Denis
Salas quem cun hou a expressão “populismo pena l”, pois o próprio francês cita em s eu livro
a obra anterior de Julia n Roberts (Penal Populi sm and Public Opinion: L essons Form
Five Countrie s. New York: Oxford University Press , 2003). Cf. SALAS, Denis. La volonté
de punir: essai sur le populisme péna l. Paris: Fayard, 2012, p. 57.
250 BULFINCH, omas. O li vro de ouro da mitologia: (a idade da fábula): histór ias de deu-
ses e heróis. 26a ed. Tradução de Dav id Jardim Júnior. Rio de janei ro: Ediouro, 2002, p. 289.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
66
Partindo de uma denição básica da ciência política, “podemos denir
como populistas as fórmulas políticas cuja fonte principal de inspiração e
termo constante de referência é o povo, considerado como agregado social
homogêneo e como exclusivo depositário de valores positivos, especícos e
permanentes”.251 Nesse sentido, o populismo penal representaria um conjunto
de práticas e discursos de aumento do poder punitivo pretensamente apoiados
pelo público em geral (povo).
Nós pretendemos uma reexão mais profunda acerca desse fenômeno, com
o que elegemos como referência teórica a obra do criminologista neozelandês
John Pratt,252 Penal Populism.253 A obra do autor tem reverberado nos países
de língua inglesa, mas é também reconhecido nos países latinos.254 Apresenta
compreensão sistematizada do tema, pelo que nos parece cienticamente útil
tomá-la como norte, incluindo-a em nosso debate criminal.
De acordo com Pratt, a origem do termo populismo penal pode ser atri-
buída a Anthony Bottoms, que em seu trabalho e Philosophy and Politics of
Punishment and Sentencing (1995), teria cunhado a expressão “punitivismo
populista” (populist punitiveness) para descrever uma forma de inuência no
sistema penal pela qual o político tomaria decisões a partir daquilo que ele
acredita ser a postura punitiva da sociedade em geral.255 Posteriormente, aos
poucos, o termo populist punitiveness ia sendo convertido para penal popu-
lism, com o que um dos primeiros a empregar a terminologia hoje mais pre-
valente foi Tim Newburn256, em Youth, crime, and justice (1997).257 Em 2003,
251 Bobbio, Norberto; Matt eucci, Nicola & Pasquino, Gi anfranco. Dic ionário de Política.
Vol. I e II. 11a. ed. Trad. Carmen C, Varriale et al . Coord. trad. João Ferreira. Rev. geral
João Ferreira e Luis Guer reiro Pinto Cacais. Brasília : E ditora Universidade de Brasília,
1998, p. 980.
252 Victoria Universit y of Wellington, NZ. Disp onível em .ac.nz/sacs/
about/sta/john-pratt>. Acesso em 4 d e julho de 2015.
253 PRATT, John. Penal Popu lism. Op. c it.
254 Como já referido acima. SOZZ O, Máximo. ¿Meta morfosis de la prisión? Proyecto nor-
malizador, populismo pu nitivo y “prisión-depósito” en Argentina. O p. Cit.
255 PRATT, John. Penal Popu lism. Op. cit, p. 2 .
256 ProfessordeCrimi nologianaLondonSchoolofEconomics,Inglaterr a.Disponívelem
p://www.lse.ac.uk/researchAndExpertise/Experts/prole.aspx?KeyVa lue=t.newburn@lse.
ac. uk>. Acesso em 4 de julho de 2015.
257 PRATT, John, op. cit., p. 2.
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67
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
em um texto que viria a ser citado por diversos autores, o professor Julian V.
Roberts escrevia com Loretta J. Stalans, David Indermaur e Mike Hough Penal
Populism and Public Opinion: Lessons Form Five Countries (2003). Os autores
consagram a expressão populismo penal no contexto de um estudo empírico
que buscou (e encontrou) elementos do fenômeno punitivo populista em cin-
co países: Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.258
Buscar uma denição para a expressão é tarefa delicada. Em um texto de
2008, portanto posterior ao seu Penal Populi sm de 2007, Pratt arma que o
populismo penal pode ser entendido/reconhecido como a forma pela qual: (i)
uma série de grupos de lobby do movimento “Lei e Ordem”; (ii) a imprensa
sensacionalista; (iii) apresentadores de rádio; (iv) thinktanks de Direita; e (v)
alguns acadêmicos como James Q. Wilson e autoridades policiais que espa-
lham a mensagem de “tolerância zero”, têm se tornado inuentes na política
de governo.259ˉ260
Essa abordagem nos permite identicar grupos de pressão que, juntos ou
não, contribuem para pressionar os governantes e institucionalidades a adota-
rem uma postura populista punitiva, forjando uma cultura punitivista.
Nesse sentido, Pratt defende que o populismo penal é mais do que a mera
tentativa do político de obter vantagens eleitorais. Essa é uma observação re-
levante em relação ao trabalho de Julian V. Roberts, na medida em que esse
autor dene como populistas as políticas penais que se destinam à obtenção
258 ROBERTS, Julian V. et. al. Penal Populism and Publ ic Opinion: Lessons For m Five
Countries, op. cit., p. ix .
259 “We have become very famil iar with what is k nown as ‘penal popu lism’ — the way in
which an array of law a nd order lobby groups, the tabloid press, talk back radio hosts and
callers, r ight-wing thi nktanks, a few academic s such as James Q. Wilson and some evan-
gelising police ch iefs spreading the message of ‘zero tolera nce’ have become inuential on
government policy [...]”. PRATT, John. When Penal Populism Stops: Leg itimacy, Scandal
and the Power to Punish i n New Zealand. In: e Austra lian and New Zealand Jou rnalof
Criminolog y.Volume41.Number3,2008,p.364.Disponívelem //www.rethink ing.
org.nz/images/newsletter%20PDF/Issue%2069/06%20%20pratt%202008.pdf>. Aces so em
8 de julho de 2015.
260 Zimring aponta que pol íticos de direita, grupos pró-pun ição e grupos representantes dos
direitos das vít imas tiveram dr amático aumento de poder na polít ica legislativa pena l ame-
ricana nos anos 1990 (décad a da three strikes law). Cf. ZIM RING, Frankl in E. Penal Policy
and Penal Legisl ation in Recent American Experie nce.StanfordLawReview,vol.58,20
05,333 -334. Disponívelem . Acesso
em 21 de julho de 2015.
Book-Porque o legislador.indb 67 15/11/18 18:06
ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
68
de voto, qualicadas por uma desconsideração acerca da ecácia das medidas
resultantes dessas políticas. O político populista penal permitiria a prevalência
de uma política que renda vantagem eleitoral independentemente de sua efeti-
vidade penal.261 Roberts observa que é natural, do ponto de vista democrático,
que os políticos sejam responsivos à opinião pública e ao público em geral. É
compreensível que busquem medidas populares. A responsividade e a popu-
laridade seriam ingredientes necessários ao populismo, mas o elemento chave
seria a ideia segundo a qual a decisão política é tomada em total dissonância
com a suposta ecácia da medida262. E registra a seguinte denição: “popu-
lismo penal consiste na persecução de um conjunto de políticas para ganhar
votos, em vez de reduzir taxas criminais ou promover justiça”.263 O autor chega
a contemplar uma distinção entre “populismo penal benigno” e “populismo
penal maligno”. O primeiro corresponderia a políticos que perseguem políticas
certas (políticas criminais ecazes), mas pelas razões erradas (serem popula-
res). O segundo, fonte real de preocupação do autor, diria respeito à promoção
de políticas que são eleitoralmente atraentes, só que injustas, inecazes, ou em
desacordo com a verdadeira leitura da opinião pública.264
De todo modo, segundo Roberts, o populismo penal será um tipo especí-
co de resposta ao crime: “é essencialmente uma resposta política simples
para um problema social complexo”. 265 E as políticas populistas penais emer-
girão de um ou mais dos seguintes elementos: (i) uma preocupação excessi-
va com a atratividade de políticas em relação ao eleitorado; (ii) um desprezo
intencional ou negligente com os efeitos das várias políticas criminais; e (iii)
uma tendência em fazer suposições simplistas acerca da natureza da opinião
pública.266
261 ROBERTS, Julian V. et. al. Penal Populi sm and Public Opinion, op. cit., p. 5.
262 Nós vamos comprovar empiric amente em nossa pesqu isa que o político apresenta pro-
jetos de lei que aumentam pena s despidos de qualquer possibilidade de ecác ia ou alte-
ração da real idade na qual pretende incidir, razão pela qu al essas proposições se podem
reputar popul istas.
263 “In short, penal p opulism consists of the pursu it of a set of penal policies to wi n votes rath-
er than to reduce cri me rates or to promote justice”. Ibidem, p. 5.
264 Ibidem.
265 (Tradução e grifo nossos)“[...] penal populism is ess entially a rat her simple politica l res-
ponse to a complex social problem.” Ibidem, p. v ii.
266 Ibidem, p. 8.
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69
POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
O magistrado francês Denis Salas também apresenta uma denição de po-
pulismo penal em sua paradigmática obra. O autor reconhece que o fenôme-
no se instalou na vida democrática. Difundiu-se politicamente para além da
Direita. E se caracterizaria por três elementos: (i) promessas políticas punitivas
e radicais, que seriam atrativas ao eleitor; (ii) indiferença acerca da ecácia
dessas políticas, as quais valem apenas pelo seu impacto na opinião pública; e
(iii) uma legislação penal fundada na necessidade de segurança supostamente
respaldada na opinião pública.267 Nesse sentido, o populismo penal sinaliza
para políticos que promovem e apoiam políticas que eles sentem que terão
apelo junto ao público. Para identicar que políticas são essas, os governantes
(ou aspirantes) vão tentar medir a atitude do público em relação ao sistema de
justiça criminal.268 E a leitura dessa atitude tem conduzido justamente à esco-
lha de políticas penais duras.
A descrição que Pratt faz em sua obra nos inspira a sistematizar 5 (cinco)
atributos do populismo penal:
(1) Oposição entre direitos dos “criminosos” versus direitos das vítimas e
da sociedade em geral. O populismo penal vai se fundar em um discurso a par-
tir do qual criminosos e prisioneiros teriam sido favorecidos em detrimento
de vítimas e do público obediente à lei.269 Ou seja, centra-se na ideia de que a
política penal do século XX teria dado prevalência aos direitos dos criminosos,
relegando a segundo plano o direito à segurança da coletividade, e os direitos
das vítimas em concreto, como por exemplo, ver o autor do fato punido se-
veramente (daí a volta do retribucionismo – just deserts). Formar-se-ia então
uma maioria oprimida (opressed majority)270, em nome da qual fala o populis-
mo punitivo. O populismo penal fala em nome das vítimas e da sociedade
desprotegida. É como se uma maioria silenciosa tivesse despertado. Agora é
uma maioria raivosa. Essa é alteração no tom emocional do debate público
penal sobre o qual comentara Garland. Atacando os direitos de investigados,
267 SALAS, Denis . La volonté de punir, op. cit., p. 57.
268 MARSH, Ian, CO CHRANE , John & MELVILLE, Gaynor. Crime, Justic e and e Media.
Routledge: London and New York, 2004. p. 182.
269 PRATT, John. Penal Popu lism. Op. cit, p. 12 .
270 Ibidem, p. 21.
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70
denunciados, réus e condenados, o populismo penal vai sugerir a diminuição
ou supressão de direitos tradicionalmente garantidos ao indivíduo que comete
crime.271 No todo, vai demandar que os direitos das vítimas e da comunida-
de tomem a frente dos direitos individuais do criminoso.272 Um desao aos
limites constitucionais impostos pelos direitos e garantias fundamentais que
devem conter o poder punitivo.
(2)Discurso que se alimenta de expressões de raiva, desencanto e desilusão
em relação ao sistema criminal existente.273 A narrativa do populismo penal
assume a forma de sentimento s e intuições, os quais se sobrepõem – quando
não desmoralizam – a indicadores mais quanticáveis, como taxas criminais,
dados de encarceramento, vericação da ecácia das medidas. Nesse contex-
to, o desenvolvimento da política penal será determinado pela necessidade de
dar uma resposta imediata a casos excepcionais à medida que ocorrem. Essa
resposta contingente, por meio de leis penais simbólicas, muitas vezes não vai
considerar sequer se a ofensa/fato/crime é frequente.274
(3)Discurso que aposta na divisão e dissenso, como se houvesse um abis-
mo entre as expectativas penais do público em geral e as políticas e práticas
das autoridades do sistema de justiça criminal.275 Nesse registro discursivo,
o populismo penal vai indicar uma profunda separação entre aquilo que
a população pretensamente desejaria como punição penal e as punições
que efetivamente ocorreriam. As percepções segundo as quais as “penas são
muito leves”, as “sentenças muito brandas”, e que há “regalias na prisão” serão
comuns na fala populista. Nesse cenário, a política criminal reetirá mais a
“vontade do povo” do que os valores tradicionais da justiça penal.276
271 “It (populismo penal) al so seeks to curta il or abandon altogether ma ny longstanding crim-
inal justice r ights which are t hought to favour crim inals at the ex pense of law-abiding
community members[...]”. (Inserção nossa) Ibidem, p. 29.
272 Ibidem, p. 30.
273 Ibidem, p. 12.
274 Ibidem, p. 26.
275 Ibidem, p. 13.
276 Ibidem, p. 14 .
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
(4) Estilo retórico de comunicação baseado na simplicidade e franqueza. O
populismo penal vai adotar uma forma anedótica para se expressar. Narrativas
simplicadas, por vezes jocosas,277 combinadas com relatos de experiências das
vítimas transmitem mais a autenticidade do crime do que as estatísticas. A
frieza dos números cede diante do calor emotivo da palavra da vítima. O popu-
lismo penal tem uma natureza anti-intelectual baseada no senso comum.278
Dados, números e estudos não resistem ao choro da vítima, ao rosto exibido
do criminoso, à população insegura: “algo precisa ser feito”, “ninguém aguenta
mais”, “saio de casa e não sei se volto vivo, “ninguém está seguro”, “você corre
risco em sua própria casa”, “não se pode conar em ninguém, “as leis precisam
mudar”, “a polícia prende e a justiça solta, “salve-se quem puder”. Essas formas
de expressão fertilizam o discurso punitivista do populismo penal.
(5)Procura oportunidades para transformar a punição dos infratores em
um espetáculo.279 O populismo penal busca fazer da punição dos criminosos
um espetáculo simbólico que, de um lado, (i) despertaria conança nas insti-
tuições penais e (ii) representaria a vingança para o público espectador, e, de
outro, produziria humilhação e degradação para os criminosos.280 O populis-
mo penal espetaculariza a punição.
Assim, o populismo penal fala em nome do povo desprotegido, aposta em
sentimentos e intuições para realizar política criminal, arma que o sistema
criminal é suave com o crime, funda-se em um conhecimento de senso co-
mum simplista e reducionista, e converte a punição penal em espetáculo de
degradação do infrator e festa vingativa para o público.
De acordo com a nossa visão, tendo em vista as descrições acima, pode-
mos armar que o populismo penal é um fenômeno representado por um
conjunto de práticas e discursos que traduzem e reivindicam endurecimen-
to penal, com afetação das instituições que compõem o sistema criminal.
Propomos a imagem abaixo para contemplar essa relação entre fenômeno, dis-
cursos e instituições :
277 Basta pensar n a gura caricata como alg uns apresentadores transmitem not ícias relativas
à crimina lidade de sangue todos os dia s em alguns canai s de televisão.
278 “[...] there is a commonsensical anti-intel lectual nat ure to penal popul ism [...]”. PRAT T,
John. Pena l Populism. O p. cit, p. 17.
279 Ibidem, p. 30.
280 Ibidem.
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72
• Penas mais
altas
• Atuação
mais f‌irme
• Sentenças
mais duras
• Tratamento
mais rigoroso
POPULISMO
PENAL
Polícia e
Ministério
Público
Execução
Penal
Legislação
Penal
Jurisdição
Penal
Fenômeno
Instituições
Discursos
O fenômeno vai irradiar seu discurso de maior rigor penal para as institui-
ções, reivindicando/cobrando: (i) postura mais rme das polícias e do órgão
acusador; (ii) penas mais altas e diminuição/m de benefícios penais281 do le-
gislador; (iii) sentenças com penas mais altas dos juízes; e (iv) cumprimento da
pena de forma mais rigorosa dos órgãos de execução penal.282
Quanto à força do populismo penal no nível judicial (sentenças mais du-
ras), por exemplo, Roberts observou que, nos cinco países de língua inglesa
objeto de seu estudo, “a ironia, claro, é que esse movimento [populismo penal]
em direção a condenações mais duras acelerou-se em um momento no qual
as taxas criminais na maioria das jurisdições estavam diminuindo.283 Uma de-
monstração de que o populismo punitivo não busca reduzir o crime senão
dar uma satisfação para o público. Uma evidência segundo a qual o político
populista-penal não busca medidas de resolução das causas do crime senão a
obtenção de vantagens eleitorais. E, de acordo com a imagem que sugerimos
acima, é nosso objeto de investigação nesta pesquisa o populismo penal re-
ferente ao quadrante “legislação penal”.
281 Por exemplo, substituiç ão da pena, livr amento condicional, su spensão condicional d a
pena, tempo para progre ssão de regime.
282 Nos EUA, por exemplo, a obrigatoriedade de o condenado us ar camiseta com ind icação do
crime cometido, ou sina is identicativos de que é um cri minoso sexual. Cf. PR ATT, John.
Penal Popu lism, op. cit, p. 31.
283 (Tradução e inserção nossa) “e irony of cou rse is that this movement toward ha rsher sen-
tencing has accelerat ed at a time when crime rates in most juri sdictions have been declin-
ing”. ROBERTS, Julian V. et. al. Penal Populism and Publ ic Opinion, op. cit., p. vii i e 19.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
Atuando em todos os níveis do sistema, o populismo penal renderá mais
prisões (seletivas). De efeitos segregadores e retributivos, a pena deve satisfa-
zer o clamor por punição. A penalidade punitiva deve assumir a forma de um
espetáculo. E o senso comum popular deve ser priorizado em relação a um sa-
ber jurídico-penal que pretensamente só protege o infrator, ignorando vítima
e os “homens de bem”.
Essa tendência cultural que vai forjar a política criminal (práticas e discur-
sos) contemporânea é autoritária. E tem suas raízes justamente no populismo
penal, que vai ser alimentado por demandas de maior proteção do público, por
uma política penal punitiva suprapartidária, e pelas construções midiáticas do
crime.284 O que nos leva a um ponto central da discussão: o papel desempenha-
do pela mídia na cultura punitiva do controle do crime na atualidade.
3.4. O combustível do populismo penal: a mídia
Nenhuma abordagem do populismo penal seria completa sem a discus-
são acerca das inuências da mídia sobre o público em geral.285 A narrativa
midiática é o o condutor do populismo penal.286 As percepções sociais sobre
o crime e sua relação com o fenômeno do populismo punitivo tem sido in-
uenciada pelos meios de comunicação e pelo impacto das novas tecnologias
de informação. A mídia pode ter o efeito de modelar, solidicar e dirigir o
sentimento e opinião pública sobre o crime e a punição, reetindo uma espécie
de voz autêntica das pessoas comuns.287
Garland também destaca esse impacto dos meios de comunicação de mas-
sa nas percepções populares do delito. Observa que a televisão se massicou
284 “is authorita rian tendency ha s its roots in the ri se of penal populi sm fed by demands
for greater public protection, i n media constructions of cri me, and in a punitive crosspar-
ty penal polit ics”. LACEY, Nicola & ZEDNER, Lucia. Lega l constructions of cri me.
In: MAGUIRE, M ike, MORGAN, Rod & REI NER, Robert . e Oxford Handbook of
Criminolog y. Fih Edition. Oxford University Pres s: United Kingdom, 2012, p. 178.
285 ROBERTS, Julian V. et. al. Penal Populism and P ublic Opinion, op. cit., p. 76. A literatu ra
que relaciona mídia e crime é vast íssima, e poderia facilmente const ituir objeto de outra
investigação cientí ca.
286 SALAS, Denis. L a volonté de punir, op. cit., p. 57.
287 Cf. PRATT, John. Penal Popu lism, op. cit, p. 4 .
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
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nos anos entre 1950 e 1970 (Estados Unidos), mesmo período em que as taxas
criminais começavam a apresentar-se como um fato social normal.
As televisões focalizam o crime, lhes emprestam enorme atenção, nacio-
nalizam as notícias, permitem a representação das vítimas que “sofreram nas
mãos dos delinquentes” e foram “abandonadas por um sistema insensível e
inecaz”.288 Isso vai engendrar uma transformação na percepção do delito,
diminuindo a distância da sociedade (principalmente a classe média) em
relação ao problema da criminalidade. Conferências de imprensa, entrevis-
tas televisionadas, choros, dramatizações, imagens de vítimas, criminosos e
do trabalho da polícia vão tornar mais difícil a blindagem do sistema penal
quanto à força emocional da opinião popular. A televisão, bem como atual-
mente as redes sociais, mudam as regras do discurso político. Garland ob-
serva que “o encontro televiso – com a rapidez de suas frases cativantes, sua
intensidade emocional e sua audiência massiva – tem empurrado os políticos
a serem mais populistas, mais emotivos, mais evidentemente em sintonia com
o sentimento público.289
Programas de TV, séries, lmes e noticiários segmentados sobre crime
crescem e ganham popularidade. Os medos e ressentimentos da sociedade
contemporânea encontram um meio de se expressar culturalmente nas telas
e redes sociais. Narrativas que contém dramas, vinganças, elementos morais,
histórias de crime e castigo, criminosos executados e notícias de atrocidades
que se convertem em escândalos vão demandar uma catarse.290
A presença constante do fenômeno criminal nos meios de comunicação
empresta forma e tom emocional à nossa experiência com o delito. Mas essa
presença é seletiva.291 A seleção dos fatos (realidade-jornalismo) e dramas c-
tícios (cção-entretenimento) referidos ao delito tendem a distorcer a percep-
ção pública do problema da criminalidade. Garland também aponta que essa
distorção aparece ao privilegiar-se o “discurso da vítima” em detrimento do
288 GARLAN D, David. La cultura del control, op. cit., 261.
289 (Tradução nosso) “El encuentro televisivo - c on la rapidez de sus frases pegad izas, su inten-
sidad emocional y su audienci a masiva - ha empujado a los políticos a ser más populi stas,
más emotivos, más ev identemente a tono con el sentimiento público”. Ibidem, p. 262.
290 Ibidem.
291 Ibidem.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
“discurso do sistema”. Isto é, a prevalência da narrativa de autenticidade da dor
das pessoas frustradas com o sistema penal em relação à análise daqueles que
representam o sistema. Enfatizar o discurso da vítima dramatiza e emociona
a resposta que se deve dar ao crime, independente dos números reais acerca
da quantidade de crime, taxas criminais, e mesmo os perigos em torno dos
fatos repercutidos.292 É como se toda essa ênfase tornasse tudo mais perigoso e
ameaçador do que realmente é.
Contudo, Garland ressalva que a atenção, ênfase e lente de aumento que
os meios de comunicação dão ao crime não engendraram o populismo pe-
nal. A mídia impulsiona, conduz, robustece, alimenta ele. Ela é seu combus-
tível. Mas “sem uma experiência do delito coletiva, rotineira e enraizada seria
improvável que as notícias e dramas sobre o delito atraíssem audiências tão
numerosas ou vendessem tanto espaço publicitário”.293 O ponto central do
criminologista é que a mídia teria institucionalizado essa experiência com
o crime. Estamos rodeados e somos bombardeados de imagens do delito, de
perseguição ao crime, de busca pela punição. Com o crime no cotidiano das
pessoas, provoca-se a experiência do delito por meio das expressões de medo,
raiva e fascinação.294 Essa institucionalidade do crime vai torná-lo muito mais
presente no cotidiano das pessoas. E o político deve reagir ao crime em fun-
ção dessa experiência do público forjada na mídia, e não em relação a dados,
estatísticas e estudos relativos à criminalidade. E assim, “o conhecimento e a
opinião sobre a justiça penal se baseiam em representações coletivas mais do
que na informação precisa.295 O senso comum vai produzir política criminal:
isso é populismo penal.
Nesse contexto, vamos assistir a uma inação do medo das pessoas por
meio das narrativas midiáticas, que por sua vez vão pressionar os governan-
tes a tomar medidas de resposta ao crime por meio do endurecimento penal.
Na Alemanha, Roxin igualmente vai reconhecer essa dinâmica: “[...] o medo
292 Ibidem.
293 (Tradução nossa) “Sin una exper iencia del delito colectiva, rut inaria y enraiza da sería im-
probable que las noticias y dr amas sobre el delito at rajeran audiencias t an numerosas o
vendieran ta nto espacio publicitario”. Ibidem, p. 263.
294 Ibidem.
295 Ibidem.
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76
da criminalidade entre os cidadãos, aumentado pelas reportagens da mídia,
tornam a exigência de penas mais duras um meio cômodo para que muitos
políticos consigam votos”.296
O sociólogo americano Barry Glassner já tinha chamado a atenção para a
maneira pela qual a mídia conduz as emoções do público, produzindo medo
excessivo e deslocado. No livro de grande repercussão A cultura do medo297,
o autor pontua uma pesquisa que avaliou os níveis de cobertura em revistas
e jornais populares sobre variados perigos para a saúde. O trabalho revelou
que muito pouco espaço era conferido para as maiores causas de morte do que
para causas mais incomuns. A causa líder de mortalidade, doenças do coração,
recebeu aproximadamente a mesma quantidade de atenção que a 11ª (déci-
ma primeira) causa, o homicídio. A mesma relação foi encontrada quanto aos
fatores de risco associados à doença e à morte: o fator de risco mais baixo no
ranking, uso de drogas, recebeu quase a mesma cobertura que o segundo fator
de risco mais alto no ranqueamento, dieta e exercícios.298 Esse tipo de notícia
veiculada em documentos de imprensa contribui para inar o medo e ressen-
timento quanto aos crimes relacionados às drogas e ao homicídio. Ao mesmo
tempo, corrobora o processo de distorção da percepção do público sobre o
crime, que terá grande incompreensão do fenômeno quanto ao volume da cri-
minalidade e índices de punição (impunidade).
Nessa mesma linha vai seguir o argumento de Diez-Ripollés. É difícil evitar
uma cobertura de imprensa desproporcional em relação à enormidade de fatos
criminosos (de naturezas diversas) ocorridos na vida social. A consequência
disso é que os meio de comunicação vão se tornar determinantes na modela-
gem das atitudes sociais frente aos crimes. Isso ocorreria em todos os países. A
cobertura desproporcional, seletiva, realizada pelos diferentes grupos de mídia
produzirão, sem exceções, “imagens distorcidas do volume de delinquência
296 ROXIN, Claus. Tem futuro o Direito Penal? In: Es tudos de direito pena l. Trad.: Luís
Greco. Rio de Janeiro: Renova r, 2006, p. 18.
297 GLASSNER, Ba rry. e Culture of Fear: why americans a re afraid of t he wrong things .
New York: Basic Books, 1999.
298 Ibidem, p. 26 (arquivo EPUB).
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
e da impunidade dos delinquentes mediante construção da realidade”, sendo
“fatores determinantes na geração do medo ao delito”.299
Vera Malaguti Batista tem importante reexão sobre o tema. Argumenta
que o medo é explorado como forma de legitimar ferramentas penais de con-
trole social: “minha hipótese central é de que a hegemonia conservadora em
nossa formação social usa a difusão do medo como mecanismo indutor e jus-
ticador de políticas autoritárias de controle social”.300
O medo do crime (the fear of crime) – compreendido como a percepção
pública do risco do crime – constitui importante tópico na Criminologia. E a
mídia desempenha papel central na criação dessa percepção, inuenciando
na compreensão das pessoas sobre o tamanho da criminalidade e os riscos de
sofrer com ela.301ˉ302ˉ303
A presença constante do crime na mídia, no cotidiano da vida, o bombar-
deio de notícias de fatos violentos, pessoas perigosas, lugares inseguros pro-
duzirão mais medo e ansiedade, que por sua vez produzem maior expectativa
no público quanto à atuação do Estado para resolver esses “perigos”. Diante
299 Lapolític alegislativapenal iberoamericanaapr incipiosdelsiglo XX I.Polít.crim.,Nº
5,20 08,A7 -5,p 26. acrimina l.cl/n_06/a _7_5.pdf>. Acesso em 9 de
julho de 2014.
300 BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade. In: PLA STINO, Carlos Al berto (Org.).
Transgressões. R io de Janeiro: Contra Capa, 20 02, p. 205.
301 TREA DWELL, James. Criminolog y, op. cit., p. 77.
302 Há duas importa ntes teorias que aborda m a maneira pela qua l a mídia retrat a o crime:
deviancy amplication, do crim inologista Leslie Wil kins; e moral panics, do crimi nologis-
ta Stan Cohen. A pri meira sugere que a “amplicação do desv io” é o processo pelo qual a
“mídia, polícia, a re ação pública e política em relação ao c omportamento não-conformist a
não age para controlar o c omportamento desvia nte, senão tem um efeito oposto de aumen-
tá-lo”. A segunda, “pânico mora l”, assenta em que tempos de mal-estar so cial, mudanças
abruptas, “demôn ios folclóricos” e pânicos morais ser vem para criar um senso d e controle
sobre esses episódio s, grupos e indivíduos que parecem a meaçar as normas da sociedad e.
Ibidem, p. 79-80.
303 Sobre a representação do cri me pela mídia, nes se contexto de criaçã o da percepção do
público acerca da cri minalid ade, cf. REIN ER, Robert & GR EER, Chri s. Mediated may-
hem: media, crime , criminal justice. In: M AGUIRE, M ike, MORGAN, Rod & REINER,
Robert. e Oxford Ha ndbook of Criminolog y. Fih Edition. O xford University Press:
United Kingdom, 2012, pp. 255-256.
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desse quadro, as pessoas olham para forças populistas como uma promessa de
solução.304
Mas quais foram exatamente as transformações na mídia que permiti-
ram-na abastecer o discurso populista punitivo? Nos permitimos com Pratt
identicar 4 (quatro) fenômenos que vão propiciar às narrativas midiáticas
fortalecerem o populismo penal: (i) mudança nas notícias; (ii) glamourização
da transmissão; (iii) nova tecnologia da informação e democratização; e (iv)
globalização e sloganização.
Em primeiro lugar, houve uma mudança qualitativa e quantitativa nas no-
tícias reportadas. Mais reportagens sobre crimes e sobre tipos de crimina-
lidade. Quantitativamente, os meios de comunicação passaram a dar muito
mais espaço para divulgação de histórias criminosas ao longo do século XX.305
É inerente à atividade de noticiar o crime a capacidade de chocar, assustar
e entreter para sustentar o apelo e audiência do público. Consequentemente,
vende-se mais jornais e aumenta-se a audiência nas televisões. Mas esse pro-
cesso é seletivo, e não compreensivo. O noticiamento seletivo vai produzir
sentimentos e intuições a respeito da criminalidade que virão a caracterizar o
populismo penal.306
Qualitativ amente as notícias também aumentaram. A dinâmica seletiva
midiática vai sobrerrepresentar os crimes violentos, particularmente o homi-
cídio.307 Os crimes que são noticiados são chocantes e alarmantes: homicídio,
estupro e outros violentos. Esse padrão tende a passar a impressão segundo a
qual esses delitos são mais frequentes do que realmente são, contribuindo para
criar uma imagem não representativa da extensão e tipo de criminalidade que
prevalece na sociedade.308ˉ309
304 PRATT, John. Penal Popu lism, op. cit, p. 67.
305 Ibidem, p. 69.
306 Ibidem, p. 68-69.
307 Ibidem, p. 69.
308 TREADWELL , James. Criminology, op. c it., p. 77.
309 E embora a sociedade tenh a alto interesse na just iça criminal, seu conheci mento sobre o
crime (números) e a justiça (funciona mento) é baixo. Cf.MARSH, Ian, COCHR ANE, John
& MELVILLE, Gay nor. Crime, Justice and e Media. Routledge: L ondon and New York,
2004, p. 182-189.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
No Brasil, por exemplo, a Receita Federal divulgava, em abril de 2015, que
iria intimar 280 (duzentos e oitenta) mil pessoas para vericar irregularida-
des na declaração de imposto de renda de pessoas físicas, na expectativa de
combater fraudes e infrações à legislação tributária.310 Embora possamos estar
diante de milhares de potenciais autores de crime de sonegação scal311, esse
não é o tipo de notícia que rende narrativas históricas nos jornais e em progra-
mas policialescos nas televisões312.
Conforme arma Pratt, no geral, as alterações qualitativas e quantitativas
nas reportagens criminais podem ser atribuídas ao crescimento da diversidade
de novas fontes e mídias (alternativas), bem como à simultânea concentração
de propriedade na mão de alguns magnatas da mídia, os quais podem mode-
lar as transmissões e publicações no estilo de seus próprios interesses comer-
ciais313 (e outros interesses também, como os políticos).
Em segundo lugar, as transmissões midiáticas em torno do crime e castigo
tendem a exagerar e dramatizar as notícias de modo a capturar audiência. A
espetacularização da punição no populismo penal é viabilizada pela “gla-
mourização” do crime nos programas e documentos da mídia. Transmissões
que privilegiam vítimas e “sobreviventes” emprestam mais autenticidade à ex-
periência do delito do que a opinião de experts do sistema penal314, confor-
me apontamos acima. Programas que exprimem o estilo reality tv mostram
o trabalho da polícia, invariavelmente pintando um quadro heróico da ativi-
dade policial. Mas o trabalho de outros prossionais do sistema penal não é
310 Cf. “Receita inti mará 280 mil contribuintes com ir regularidades no IR 2014”. Disponível
em -
ra-280-mil-contribu intes-com-irregular idades-no-ir-2014.html>. Acesso em 4 de julho de
2015.
311 Na forma da Lei 8.137/1990, desde que presentes todos os elementos de prova , presença
de dolo, lançamento den itivo do tributo (Súmula vincula nte n. 24 do Supremo Tribunal
Federal) etc.
312 De expressiva aud iência, portanto rentáveis para o g rupo empresarial de mídia , esses pro-
gramas concent ram suas notícia s na crimina lidade patri monial, de san gue e de drogas.
Por exemplo, programa “Operaçã o de Risco” da RedeTV e programa “Polícia 24h ” da TV
Bandeirantes. Cf. respectiva mente, operacaoderisco/>;
e.Acesso em 4 de julho de 2015.
313 PRATT, John. Penal Po pulism, op. cit, p. 70.
314 Ibidem, p. 78.
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retratado. O público em geral ca com uma visão tacanha do modus operandi
das instituições penais.
Em terceiro lugar, em razão do impacto da nova tecnologia da informação,
todas as pessoas passaram a ter a oportunidade de fazer, reportar e comentar
as notícias por elas mesmas.315 Há uma crescente democratização do acesso
e construção da notícia. A informação pode ser transmitida e acessada por
qualquer um. A interatividade muda a relação do público com a notícia. Desde
os rádios interativos a partir da década de 1960 ao facebook e whatsapp dos
dias atuais316, passando pelo programa “Linha Direta317, o público mistura-se
à notícia produtora de realidade. Com toda a tecnologia de mídia disponí-
vel, os políticos podem conversar diretamente com o “povo, sem ltragens
e intermediações quanto às percepções acerca do fenômeno criminal.318 Essa
relação comunicacional vai favorecer o conhecimento anti-intelectual fun-
dado no senso comum que vai caracterizar o populismo penal. Pratt argu-
menta que essas novas possibilidades de comunicação vão permitir aos gru-
pos representantes do movimento “lei e ordem” ganharem mais proeminência
pelas suas visões de endurecimento da lei penal.319 O resultado de toda essa
atenção dispensada a eles será capaz de recolocar os termos do debate penal.
Assim, a política criminal será orientada para a severidade das condenações,
efeito dissuasório da punição e satisfação das vítimas, em vez de assentar-se
no custo nanceiro (recursos nitos), efetividade das intervenções penais e
humanitarismo.320 O protagonismo da vítima na cena criminal produz mais
autenticidade para experiência com o delito, conduzindo a um processo que
Pratt denomina “desestatísticalização” (destatisticalization)321.No debate pe-
nal, a referência às estatísticas criminais converte-se em um código que remete
315 Ibidem, p. 80.
316 Diversos veículos de m ídia mantém um número de telefone vinculado ao apl icativo para
viabiliz ar um cana l de comunicação pa ra o envio de mensagens , vídeos e imagens pelo
público.
317 Exibido de 1999 a 20 07 pela TV GLOBO, o programa retratava c rimes ocorridos no Brasil
cujos autores eram foragidos d a Justiça.
318 PRATT, John. Penal Pop ulism, op. cit, p. 82.
319 Ibidem.
320 Ibidem, p. 84.
321 Ibidem, p. 85.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
à leveza/suavidade/moleza com o crime e, ao mesmo tempo, à insensibilidade
com a vítima.322 Se a realidade do crime será conada às experiências pessoais
em relação a ele, então as estatísticas são desnecessárias.
Em quarto lugar, toda essa nova tecnologia que recongura a relação do
público com as imagens do crime e da punição por meio das narrativas midiá-
ticas, também vai permitir que a cultura punitiva subjacente a ela se espalhe
pelo mundo. Globaliza-se. A retórica discursiva que acompanha o populismo
penal está espalhada no mundo. E os slogans que caracterizam suas formas
de expressão vão se espraiar pelo globo a partir da modelagem penal ame-
ricana.323 Life means life, ree Strikes Law e Zero Tolerance vão constituir a
estratégia do populismo penal sob a forma de sloganização do discurso.324
Sobre a ree Strikes Law, dedicaremos o próximo item.
Portanto, parece-nos evidenciada a ideia segundo a qual a mídia seria o
o condutor do populismo penal. Para resumir, concordamos com Roberts,
que apresenta os seguintes 5 (cinco) pontos relativos aos modos pelos quais a
mídia inuencia a política criminal:325
1. A distorção sistemática da informação sobre o crime por meio das “no-
tícias” criminais.
2. A distorção seletiva das percepções sobre o crime por meio da mí-
dia de entretenimento e os meios de comunicação que borram a li-
nha entre notícia e entretenimento (fusão jornalismo-realidade e
cção-entretenimento).
3. O reforço dos medos e das visões simplistas relativas às causas do crime.
4. A promoção de respostas ao crime de acordo com a ocorrência de
eventos.
5. O foco sobre crime e a seleção de crimes favorece estilos políticos como
o populismo, que focalizam a emotividade.
O conhecimento das pessoas a respeito da criminalidade tem como fonte
principal a imprensa, a mídia em geral. Muitos pensam que detém verdadeiro
322 Ibidem, p. 88.
323 Sobre a globali zação do programa “tolerância z ero”, cf. WACQUANT, Loïc. As prisões d a
miséria. Trad.: André Telles. Rio de Ja neiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 30-39.
324 Ibidem, p. 92.
325 ROBERTS, Julian V. et. al. Penal Populism a nd Public Opinion, op. cit., p. 92.
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conhecimento fenomenológico do crime apenas com o que lhe é acessível pela
mídia. A atividade jornalística é imprescindível ao ambiente democrático. Mas
é problemático buscar compreender o fenômeno criminal a partir da narrativa
midiática. E muito mais problemático fazer política criminal fundado nela.
De acordo com os Princípios Editorias do Grupo Globo: “De todas as deni-
ções possíveis de jornalismo, a que o Grupo Globo adota é esta: jornalismo é
o conjunto de atividades que, seguindo certas regras e princípios, produz um
primeiro conhecimento sobre fatos e pessoas.326 Invariavelmente, o público
forja sua opinião e percepção criminal a partir desse “primeiro conhecimen-
to”. Não há um segundo, terceiro, quarto. É o primeiro e o último. É o único.
Esse conhecimento único, unívoco, seletivo, irreetido, modelador do senso
comum, não pode resultar na decisão político criminal. Em nenhum de seus
níveis: legislativo, judicial e executivo. Do contrário, prazer, meu nome é po-
pulismo penal.
3.5. A ree Strikes Law como símbolo do populismo penal
legislativo
A ree Strikes Law é o maior exemplo de lei populista punitiva reconheci-
da na literatura criminológica.327 E, em 2003, a Suprema Corte Americana de-
clarou constitucional seu comando legislativo.328 Permitimo-nos contar a his-
tória dessa eloquente lei, genuinamente expressiva do populismo penal. Para
326 Disponível em < http://grupoglob o.globo.com/ breve_de nicao_jorn alismo.php>. Acesso
em 8 de julho de 2015.
327 Por exemplo, cf. ROBERTS, Julia n V. e HOUGH, Mike. Public Opinion, Crime, and
Criminal Just ice. In: MAGUIRE, Mike , MORGAN, Rod & REINER, Robert. e O xford
Handbook of Crimi nology. Fih Edition. Ox ford University Press: United Kingdom, 2012,
p. 286; GARLA ND, David. La c ultura del c ontrol, op. cit., 49; PRATT, John. Penal Popul ism,
op. cit, p. 22; ZAFFARONI, Eugenio R aúl. La cuestión crim inal. In: Suplemento espe -
cialdePágina12.Vol.14.25deagostode2011,p.II.Disponívelem .
com.ar/especiales/archivo/zaaroni_cuestion_criminal/9-16.la_cuestion_criminal.pdf>.
Acesso em 8 de julho de 2015.
328 Cf. EUA. Lock yer vs. Andrade – No. 01-1127 – Suprema Corte dos Estados Unidos.
Certiorari To e UnitedStates CourtOfAppealsFore NinthCircuit.Disponívelem
ttp://www.supremecour t.gov/oral_arguments/arg ument_transcript s/01-1127.pd f>. Acesso
em 8 dejulho de 2015.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
tanto, recorremos à obra de Erwin Chemerinsky,329 e Conservative Assault
on the Constitution330, bem como ao voto da Suprema Corte.
Em 1992, Kimber Reynolds, uma jovem de 18 anos331, era morta por
Douglas Walker332 em um roubo no estado americano da Califórnia. Ele ti-
nha cinco antecedentes criminais.333 Logo em seguida, o pai da vítima, Mike
Reynolds, inicia uma cruzada por punições mais duras. Era o embrião da
lei ree Strikes and You’re Out (três golpes e você está fora), que viria à
tona em março de 1994. Reynolds armava que a lei era “simples o suciente
para entender, certa, e dura o suciente para desencorajar”.334 Está dada a
sloganização do populismo penal. O crime grave, uma tragédia pessoal na
vida de qualquer um, será o gatilho necessário para a edição da lei populista
punitiva.
No ano seguinte à vigência da lei, o americano Leandro Andrade era con-
denado a duas penas de prisão de 25 anos, a serem cumpridas consecutiva-
mente, totalizando 50 anos de prisão sem possibilidade de liberdade condicio-
nal. Havia furtado tas de vídeo no valor de 153 dólares de duas lojas da rede
Kmart no sul da Califórnia, nos dias 4 e 18 de novembro de 1995.335
Ninguém havia sido condenado à prisão perpétua nos EUA por ter fur-
tado mercadorias de uma loja até a edição da ree Strikes Law em 1994.
Considerando o comando da Oitava Emenda da Constituição Americana336,
329 Professor de Direito Const itucional e Diretor d a Irvine Law School , Universidade da
Califórni a, EUA. Disponível em < http://ww w.law.uci.edu/faculty/ful l-time/cheme-
ri nsk y/>. Acesso em 8 de ju lho de 2015.
330 CHEMER INSKY, Erwin. e C onservative Ass ault on the Constitution. New York,
London, Toronto, Sydney: Simon & Schuster, 2010.
331 Cf. em . Acesso em 8 de ju lho de 2015.
332 Soltoda prisãoem 2013,após21a nosdeprisão.Cf. em p://abclocal.go.com/story?sec-
tion=news/local& id=9336921>. Ac esso em 8 de julho de 2015.
333 SIFAKIS, Carl. e Enc yclopedia Of Americ an Crime. 2a. ed. Volume I. Facts On File:
Nova Iorque, 2001, p. 881-882.
334 “Mr. Reynolds insisted that t he ree Strikes law be ‘simple enough to understa nd,
certain, a nd tough enough to discoura ge’.” Disponível em
kes.org/mreynolds_bio.htm l>. Acesso em 8 de julho de 2015.
335 CHEMER INSKY, Erwin. e Conservat ive Assault on the Constitution, op. c it., p. 2.
336 (Tradução nossa da par te relativa à puniçã o penal na Oitava Emenda à C onstituição
Americana; g rifo nosso) “[...] Punições cruéis e inc omuns não serão in igidas”.
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a qual veda a aplicação de punições cruéis e incomuns, consagrando assim o
princípio da proporcionalidade, um intenso debate jurídico instaurou-se em
torno da referida lei.
Pela ree Strikes Law, e em especial no estado da Califórnia, quando um
terceiro crime patrimonial fora praticado pelo mesmo agente, ainda que não
tenha sido violento, ele pode receber uma condenação de 25 anos de prisão até
prisão perpétua. E foi exatamente o que sucedeu com Leandro Andrade.
No Júri do estado da Califórnia, teve lugar a sentença condenatória de
Andrade a duas penas de prisão de 25 anos cada, com base na ree Strikes
Law. Isso ocorreu porque Andrade ostentava uma condenação anterior por
furto de pequeno valor que recebera em 1990. Com os dois furtos de pequeno
valor cometidos nas lojas Kmart em 1995, atingiu o limite de três crimes, inci-
dindo sobre ele o regime severo da ree Strikes Law.
Na Corte de Apelação da Califórnia, a sentença foi mantida, sendo rejei-
tado o argumento segundo o qual a sentença violaria a proibição constitu-
cional de punições cruéis e incomuns. Na Corte Suprema da Califórnia, foi
negado o pedido de revisão da decisão da Corte de Apelação. Já na Corte de
Apelações do Nono Circuito, a decisão foi reformada, com o que a sentença foi
considerada desproporcional, estabelecendo uma punição cruel e incomum,
violadora, portanto, da Oitava Emenda da Constituição Americana. Contra
essa decisão, o Advogado Geral da Califórnia, Bill Lockyer, formulou Pedido
de Revisão à Suprema Corte Americana da Decisão da Corte de Apelações
do Nono Circuito (Certiorari To e United States Court Of Appeals For e
Ninth Circuit).337 Como bem observa Chemerinsky, à época Lockyer concor-
ria a uma vaga de Governador e “ser visto como suave com o crime nunca é
Cf. (Grifo nosso)”Amendment VIII(1791):Excessivebai lshallnotberequi red,norexces-
sivenesimposed,norcruelandunusualpunishme ntsinicted.”Disponívelem
www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm#amdt_8_(1791)>. Acesso em 8
de julho de 2015.
337 Cf. EUA. Lock yer vs. Andrade – No. 01-1127 – Suprema Corte dos Estados Unidos.
Certiorari ToeUnitedStat esCourtOfAppealsFo reNinthCircuit.Disponívelem
ttp://www.supremecour t.gov/oral_arg uments/argument _transcr ipts/01-1127.pdf>. Acesso
em 8 dejulho de 2015.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
politicamente vantajoso”.338 Um episódio que pode ser encarado como expres-
são de populismo penal na atuação do órgão de acusação, considerando que
os estados americanos deixam de levar centenas de casos à Suprema Corte por
ano.339 Mas esse não era um caso qualquer.
De todo modo, uma sentença penal que condena um cidadão america-
no a 50 anos de prisão por ter furtado tas de vídeo no valor de 153 dólares
viola a oitava emenda da Constituição americana? Se a oitava emenda cons-
titucional americana (vedação de sentenças cruéis e incomuns) proíbe sen-
tenças condenatórias desproporcionais, não seria essa sentença agrantemente
desproporcional (50 anos de prisão por furtos insignicantes)? Esse não foi o
entendimento da maioria na Suprema Corte. Por 5 (cinco) votos a 4 (quatro),
decidiu-se pela constitucionalidade da ree Strikes Law.
Seguindo a opinion da justice Sandra Day O´Connor, os justices Rehnquist,
Scalia, Kennedy e omas decidiram pela constitucionalidade da punição
inigida a Leandro Andrade, dando razão ao pleito do Advogado Geral da
Califórnia, Bill Lockyer.340 Foram dois os argumentos centrais a justicar a
constitucionalidade da punição:
1. O precedente levantado pela defesa de Andrade não se aplica ao caso
dele para o m de demonstrar a alegada agrante desproporcionalidade
da punição. O precedente trata de uma decisão de 1983 da Suprema Corte
Americana (Solem v. Helm), a qual considerou grosseiramente desproporcio-
nal uma sentença que condenara à prisão perpétua (sem possibilidade de li-
berdade condicional) um indivíduo que emitira um cheque sem fundos no
valor de 100 dólares. É que, nesse caso, como a condenação foi sem possibi-
lidade de liberdade condicional, estaria evidenciada a desproporcionalidade.
No caso de Leandro Andrade, diferentemente, há a possibilidade de liberdade
condicional, após o cumprimento dos 50 anos de prisão, com o que não have-
ria desproporcionalidade.
2. O princípio jurídico que está em jogo é o da autonomia legislativa
dos estados. As legislaturas têm discricionariedade para modelar as leis que
338 (Tradução nossa) “[...] being seen as so on crime is never p olitically a dvantageous.”
CHEMERI NSKY, Erwin. e Conservati ve Assault on the Constitution, op. ci t., p. 7.
339 Ibidem.
340 Ibidem, p. 15.
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fundamentarão as sentenças dentro daquilo que entenderem por ser ajustado
ao princípio da proporcionalidade. É preciso respeitar a autonomia dos esta-
dos e cortes regionais.
Divergiram da decisão da maioria os justices Souter, Stevens, Ginsburg,
and Breyer. Os argumentos que fundamentaram a divergência, considerando a
punição desproporcional, foram os seguintes:
1. A Corte Suprema Americana tem como princípio claramente estabele-
cido o reconhecimento segundo o qual: uma sentença grosseiramente despro-
porcional à ofensa para a qual é imposta é inconstitucional.
2. A decisão é incoerente se confrontada com a decisão no caso Ewing
v. California, julgada nesta mesma oportunidade. É que o histórico criminal
de Andrade é menos grave do que o de Ewing e, ainda assim, a sentença de
Andrade foi maior, o que revela de plano sua desproporcionalidade. Os crimes
antecedentes de Ewing foram violentos, e o terceiro crime, o patrimonial, foi
de valor superior a 400 dólares, o que para a lei do estado da Califórnia não
pode ser considerado um furto de pequeno valor, ao contrário do que ocorreu
com Andrade.
3.O caso de Andrade é formalmente distinto do precedente Solem v. Helm,
mas é materialmente igual, ou seja, a punição é perpétua. Solem foi conde-
nado à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional em razão
da emissão de cheque sem fundos no valor de 100 dólares, e essa punição foi
considerada desproporcional pela Suprema Corte Americana. Andrade foi
condenado a 50 anos de prisão com possibilidade de liberdade condicional, e
contava à época com 37 anos de idade. Ora, ao tempo da liberdade condicio-
nal, terá 87 anos de idade, se é que estará vivo até tal ponto. Concretamente,
não restará muito a viver, o que congura uma punição de caráter perpétuo,
ainda que não se possa reputá-la formalmente perpétua.
4.Não há teoria penológica que explique a razão pela qual um indivíduo
deva cumprir 25 anos de prisão e, após, consecutivamente, mais 25 anos de
prisão. Não há fundamentação jurídica ou política para segregar alguém por
um período tão longo, em razão de sua suposta periculosidade e, posterior-
mente, segregá-lo novamente pelo mesmo período, apenas para evitar novos
crimes não violentos.
A decisão é expressão genuína da tese aventada no livro e Conservative
Assault on the Constitution, de Chemerinsky. O autor pretende demonstrar
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
que há um movimento em curso de ataque conservador à Constituição. Nesse
contexto, o ataque à Constituição seria resultado de um esforço concertado,
combinado pelos conservadores para alterar princípios constitucionais funda-
mentais já consolidados. Uma das vias para a realização da alteração de prin-
cípios constitucionais residiria nas políticas desenvolvidas pelos presidentes
norte-americanos. Dessa forma, o conservadorismo não estaria adstrito ao
Judiciário, manifestado na Suprema Corte: o conservadorismo transcenderia
o Judiciário, encontrando seu protagonismo no Executivo.
O perl conservador da Suprema Corte seria atribuído à indicação de juí-
zes conservadores pelos presidentes ao longo do século XX, o que criaria cam-
po fértil para decisões manifestamente conservadoras e restritivas de direitos
fundamentais, tal como a decisão em tela, de 1996, que condenou Leandro
Andrade no estado da Califórnia a 50 anos de prisão. O caso de Leandro
Andrade não é único, isolado, não podendo ser considerado um ponto fora
da curva na justiça criminal americana. Até o ano de 2002, 344 indivíduos
cumpriam sentenças de 25 anos até prisão perpétua por terem cometido furtos
insignicantes com antecedentes criminais sob a égide da denominada ree
Strikes Law no estado da Califórnia. Nesse quadro, indivíduos foram condena-
dos a 25 anos de prisão, por exemplo, pelo furto de um guarda-chuva e duas
garrafas de bebida no valor de 43 dólares. Ou mesmo no caso em que o terceiro
crime foi o furto de uma televisão de 128 dólares.
Diante de inúmeros casos de sentenças penais condenatórias despropor-
cionais por furtos de pequeno valor, a Corte Suprema foi instada a se mani-
festar. Por volta do ano de 1902, a Corte já havia se manifestado no sentido de
que a oitava emenda proíbe sentenças desproporcionais e estabeleceu como
preceito de justiça que a punição pelo crime deve ser gradual e proporcional
ao fato criminoso. Ademais, em 1983, a Corte considerou grosseiramente des-
proporcional a sentença que condenara um indivíduo, com antecedentes não
violentos, à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional em
razão da emissão de um cheque sem fundos no valor de 100 dólares. Mas a ten-
dência conservadora da Corte mudou essa visão. E em 2002, tanto no caso de
Leandro Andrade (Lockyer v. Andrade) quanto no caso de Gary Ewing (Ewing
v. California, pelo qual Ewing foi condenado a prisão perpétua sem possibili-
dade de liberdade condicional até completar 25 anos de prisão, em razão de
um furto de tacos de golfe no valor de 1.200 dólares), a Suprema Corte rejeitou
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por 5 votos a 4 o argumento da defesa, segundo o qual tais condenações viola-
riam a oitava emenda pela vedação a sentenças inumanas e cruéis.
No resultado 5-4 em favor da condenação, acompanharam a justice
O’Connor: William Rehnquist, Antonin Scalia, Anthony Kennedy e Clarence
omas. De acordo com Chemerinsky, a presidência de Ronald Reagan (1981-
1989341) representou o esforço mais evidente de refazer as cortes federais em
uma direção conservadora na história americana. E Sandra Day O’Connor foi
a primeira indicação de Reagan, em 1981. Em 1986, Reagan indica Scalia, ao
passo que Rehnquist, indicado por Nixon em 1972, assume o cargo de Chief
Justice. Em 1988, Reagan indica Kennedy e, em 1991, George Bush (pai) indica
omas que, em 2002, vão formar os 5 votos conservadores que declaram le-
gítima a condenação de Leandro Andrade.
Todos esses juízes vão, ao longo de sua história judicante, conrmar suas
vertentes conservadoras, principalmente nas questões que envolvem ação ar-
mativa, separação igreja/Estado, controle de armas, emprego de tortura como
método para obtenção de informação e, evidentemente, em questões criminais
que envolvem supressão de direitos e garantias materiais e formais do cidadão,
como deter indivíduos por prazo indeterminado sem julgamento e sem o de-
vido processo legal.342 Um quadro que parece conrmar o populismo penal
americano. E que vai distribuir seus tentáculos pelo mundo.
E no Brasil? Como se comporta o legislador em relação a esse fenômeno
de endurecimento da lei penal? Buscamos com a análise empírica que se segue
demonstrar as evidências do populismo penal na atividade legislativa brasi-
leira. Anal, a lei penal populista é aquela inconveniente que, viva, aparece
sempre, no momento errado, para dizer presente, onde não foi chamada.
341 Cf. . Acesso em 8 de julho de 2 015.
342 Sobre toda essa reexão cr ítica em relação à Suprema C orte Americ ana, cf. CH EMERI NSKY,
Erwin. e C onservative Assault on the Const itution, op. cit.
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