Plano práctico - Análise das justificativas das proposições legislativas tendentes a aumentar penas de crimes já existentes no período de 2006 a 2014 na Câmara dos Deputados

Páginas89-256
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PLANO PRÁTICO – ANÁLISE DAS
JUSTIFICATIVAS DAS PROPOSIÇÕES
LEGISLATIVAS TENDENTES A AUMENTAR
PENAS DE CRIMES JÁ EXISTENTES
NO PERÍODO DE 2006 A 2014
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
4.1. Notas metodológicas
Há pouca pesquisa empírica em Direito no Brasil. Menos ainda sobre as
justicativas das proposições legislativas em matéria penal. A empiria permite
um conhecimento especíco sobre o mundo. Segundo Epstein:
A palavra “empírico” denota evidência sobre o mundo baseada em ob-
servação ou experiência. Essa evidência pode ser numérica (quantita-
tiva) ou não-numérica (qualitativa); nenhuma é mais “empírica” que
a outra. O que faz uma pesquisa ser empírica é que seja baseada em
observações do mundo – em outras palavras, dados, o que é apenas um
termo para designar fatos sobre o mundo.343
Em nosso caso, observamos o mundo das justicações do legislador. Pre-
tendemos a produção de um conhecimento cientíco relevante sobre a ela-
boração de leis penais no quadro do fenômeno contemporâneo denominado
populismo penal. A maioria de nossa pesquisa busca evidências numéricas
343 EPSTEIN,Lee.Pesquisaempíricaemdireito:asregrasdeinferência.SãoPaulo:Direito GV,
2013, p. 11.Disp onível em v.br/dspace/handle/10438/11444>.
Acesso em 23 de julho de 2 015.
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ANDRÉ PACHECO TEIXEIRA MENDES
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(quantitativas)344 do populismo penal legislativo. Mas no que tange à respon-
sividade do legislador à mídia, buscamos evidências não-numéricas (qualitati-
vas)345 desse punitivismo populista.
Reconhecemos dois interessantes trabalhos empíricos sobre produção de
normas penais no Brasil. Eles convergem com a pesquisa desenvolvida neste
trabalho no contexto da reexão sobre política criminal legislativa: (i) a publi-
cação da Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) do Ministério da Justiça,
na Série Pensando o Direito n. 32/2010, que teve como instituição realizadora
a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito
SP)346; e (ii) a tese de doutorado de Luís Wanderley Gazoto, defendida na Uni-
versidade de Brasília (UNB), também no ano de 2010.347
A pesquisa da FGV Direito SP/SAL teve como objetivo “realizar um estu-
do sistemático das proposições legislativas em matéria penal que tramitaram
na Câmara dos Deputados após a Constituição Federal entre 1988 e 2006”.348 E,
nesse sentido, “[...] desvendar [...] a dinâmica de funcionamento do processo
de elaboração normativa por meio da reconstituição dos principais argumen-
tos mobilizados nas proposições [...]”.349 O estudo contemplou a análise de 100
344 Itens: 4.2.1. Anális e quantitativa dos PL s quanto aos parlamenta res proponentes; 4.2. 2.
Análise qua ntitativa dos PLs quanto aos Par tidos Políticos; 4.2.3. An álise quantitativa dos
PLs quanto à origem por Unidade da Fe deração; 4.2.4. Aná lise quantitativ a dos PLs quanto
à espécie de aumento de pena; 4 .2.5. Análise quantitat iva dos PLs quanto à norma penal
a ser alterada (be m jurídico); 4.2.6. A nálise quant itativa dos PLs qua nto às razões recor-
rentes que justica riam a alteração legi slativa proposta; 4.2.7. Anál ise quantitativa dos PLs
quanto à referência à Teoria dos Fins da Pena; 4. 2.8. Análise qu antitativa dos PLs quanto à s
referências ext rapenais.
345 4.2.9. Referências ext rapenais: análise qualitativa dos PLs qu anto à categoria “episódio di-
vulgado na míd ia”
346 Coordenação de Álva ro Penna Pires e Maír a Rocha Machado. BRASI L. Série Pensan-
do o Direito nº 32/2010: Anális e das justic ativas para a produçã o de normas penais.
Secretaria de A ssuntos Legis lativos do Mi nistério d a Justiça (SAL). São Paulo, setem-
brode2010,p.24.Di sponívelem p://www.justica.gov.br/seus-direitos/elabora cao-le-
gislativa /pensando-o-direito/publicac oes/anexos/32pensando_direito.pd f>. Acesso em 21
de julho de 2015.
347 GAZOTO, Luís Wanderley. Justicati vas do congresso nacional br asileiro ao rigor penal
legislativo: o e stabelecimento do populismo penal no Bras il contemporâneo. 2010. 377 f.
Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de Brasí lia (UNB), Brasília, 2010.
348 BRASIL. Série Pensando o Direito nº 32/2010, op. cit., p. 3.
349 Ibidem, p. 8.
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POR QUE O LEGISLADOR QUER AUMENTAR PENAS?
(cem) propostas legislativas, sorteadas em um universo de 2.088 (duas mil e oi-
tenta e oito) proposições350. Os resultados dessa pesquisa serão eventualmente
relacionados com os nossos. Para efeito de contextualização, duas importantes
conclusões da pesquisa da FGV Direito SP/SAL precisam ser apontadas:351
(1)[...] [relativamente ao] conteúdo das Justicativas, pode-se dizer que
boa parte delas explicita mal ou de modo insuciente (i) a situação-pro-
blema, (ii) as eventuais fontes jurídicas, experiências legislativas ou de-
mandas sociais que serviram de base à formulação da proposição e (iii)
a adequação da intervenção jurídico-penal sobre o problema.
(2) A dissuasão é a teoria da pena que aparece com maior frequência nas
Justicativas dos Projetos de Lei.
Em vista disso, como veremos, nossos achados de pesquisa também mos-
traram: (i) esse mesmo lack of reasoning das justicações, essa mesma falta de
demonstração da necessidade/adequação/eciência do pretendido aumento
de pena; e (ii) predileção do parlamentar pela teoria da prevenção geral nega-
tiva da pena (dissuasão).
Por sua vez, a tese de doutoramento de Luís Gazoto352 teve por objeto “in-
vestigar a hipótese da existência de uma política de exasperação penal legisla-
tiva no Brasil contemporâneo e identicar suas justicativas”.353 A pesquisa foi
ampla, mas no que tange aos projetos no âmbito da Câmara dos Deputados
(nosso foco), foram examinados “308 projetos de lei criminal apresentados
à Câmara, na 53ª legislatura, durante o período de janeiro 2007 a junho de
2009”.354 Seus achados de pesquisa convergem em certa medida com os nos-
sos e sobre eles eventualmente faremos referência. Nesse contexto, o autor
apresentou duas importantes conclusões: (1) com a Constituição Federal de
1988, no bojo da dinâmica de redemocratização do Estado brasileiro, não hou-
ve “processo de abrandamento e humanização das penas”, ao contrário, “elas
estão cada vez mais e mais rigorosas”355; e (2) “o Poder Legislativo brasileiro
350 Ibidem, p. 65.
351 Cf. Ibidem, p. 55.
352 Queé Procurador Regional daR epública/Min istério PúblicoFede ral(MPF). Cf. tp://
lattes.cnpq.br/7170805697925790>. Acesso em 30 de jul ho de 2015.
353 GAZOTO, Luís Wanderley. Justicati vas do congresso nacional bra sileiro ao rigor penal
legislativo, o p. cit., p. 20.
354 Ibidem, p. 21.
355 Ibidem, p. 281.
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