Limites constitucionais do poder de punir

AutorEmerson Ghirardelli Coelho
Ocupação do AutorMestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas21-46
Capítulo
2
LimiTEs CoNsTiTuCioNAis
Do PoDEr DE PuNir
SuMÁRIO: 2.1 Direito penal constitucional; 2.1.1 Crise do direito pe-
nal; 2.2 Constitucionalização do processo; 2.2.1 Processo penal como
garantia fundamental; 2.2.2 Acesso à justiça penal; 2.2.3 Duração
razoável do processo.
O conteúdo valorativo do princípio da dignidade da pessoa humana di-
reciona a edição, a interpretação e a aplicação das normas constitucionais e
infraconstitucionais de todas as espécies, inclusive e principalmente aque-
las relativas ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Isso respalda a
constatação doutrinária da existência de uma Constituição Penal e de um
Direito Processual Penal Constitucional.1
A constitucionalização do Direito Penal e do Processo Penal no Bra-
sil efetivou-se por intermédio da inserção no texto da Constituição Federal
de 1988 de normas-princípio que conformam e limitam o poder de punir
do Estado, a exemplo daquelas que consagram os princípios da lesividade,
da fragmentariedade ou subsidiariedade, da reserva legal, da intranscendên-
cia ou responsabilidade penal pessoal, da proporcionalidade da pena, da hu-
manidade e do devido processo penal.2
Para Luciano Feldens “em um modelo de Estado constitucional de
Direito a exemplo do nosso (Estado Social e Democrático de Direito), a
ciência jurídico-penal (aqui entendidas, essencialmente, a política criminal
e a dogmática jurídico-penal) não desfruta de existência autônoma em face
1 Cf. FELDENS, Luciano. A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle
de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005; FERNANDES, Antonio Scarance.
Processo Penal Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012; SILVA JÚNIOR,
Walter Nunes da. Curso de Direito Processual Penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008; TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo
Penal Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
2 Cf. Constituição Federal, artigo 5º, incisos XXXIX e XL, XLV a L, LIII a LXVIII, LXXIV e LXXV,
e LXXVIII.
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investigação criminal constitucional
emerson ghirardelli coelho
da Constituição, senão que tem por ela denidos tanto os limites quanto os
fundamentos de sua estruturação”.3
Deste modo, são os valores que permeiam o texto constitucional que fa-
zem emergir os bens jurídicos de maior relevância para a sociedade, os quais
se apresentam como o substrato dos princípios constitucionais implícitos e
explícitos, cujo conteúdo normativo vincula a edição e a aplicação das leis
penais e processuais penais no sistema jurídico de um Estado.
Esses valores estão em constante tensão no meio social e neces-
sitam, para garantia de sua integralidade, da segurança advinda das
normas jurídicas, inclusive daquelas de natureza penal e processual
penal, que são instrumentos últimos e excepcionais de tutela de direitos
fundamentais.
2.1 DirEiTo PENAL CoNsTiTuCioNAL
Como se vê, face à sistemática constitucional delineada no Estado De-
mocrático de Direito, o poder estatal de punir em matéria penal está restrito
às lesões e ameaças de lesões a bens jurídicos tutelados e suas possibilidades
de intervenção nas liberdades individuais são especialmente limitadas.
Roberto Ferreira Archanjo da Silva pondera “que as leis penais consti-
tuem o direito de punir estatal e a obrigação de castigar, por isso, designa-se
esse atributo estatal como poder-dever. Ao lado deste, o Estado tem outro
dever extremamente relevante nos Estados Democráticos de Direito, qual
seja, a tutela dos direitos humanos fundamentais”.4
Por isso, a criminalização de condutas passa, necessariamente, pelos
limites substanciais à criminalização, pela tipicação penal em face dos
valores constitucionais, pelo conceito de bem jurídico penalmente tutelá-
vel e pelos mandados constitucionais de criminalização, instrumentos es-
tes voltados à construção de um direito penal do fato e não do autor, que
impede o sacrifício da dignidade humana a pretexto de se promover segu-
rança coletiva.
Cláudio José Langroiva Pereira acredita que, na moderna ótica do Estado
Democrático de Direito, não existe poder de punir legítimo sem limitações
claras e precisas de seu campo de atuação, pois os princípios informadores e
os conceitos de política criminal deste modelo jurídico, como justicadores
3 FELDENS, Luciano. A Constituição..., p. 43.
4 SILVA, Roberto Ferreira Archanjo da. Por uma teoria do Direito Processual Penal: organização
sistêmica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009, p. 130. Tese (Doutorado
em Direito Processual Penal, área de concentração Direito das Relações Sociais).
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