Lógica da motivação e lógica da convicção na decisão judicial

AutorTercio Sampa io Ferraz Jr.
Páginas281-298
273
LÓGICA DA MOTIVAÇÃO E LÓGICA DA
CONVICÇÃO NA DECISÃO JUDICIAL
Tercio Sampaio Ferraz Jr.
Doutor em Filosofia pela Johannes Gutenberg Universität zu
Mainz. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP.
Professor Titular aposentado da Faculdade de Direito da USP.
Professor da Faculdade de Direito da PUC/SP. Professor emérito
da Faculdade de Direito da USP – Ribeirão Preto.
Como bem assinalou Castanheira Neves (cf. Metodologia
jurídica, Coimbra, 1993, p. 147), a decisão jurídica pode ser
vista como o resultado de uma techné judicativa que procura
“razões” ou fundamentos para um caso concreto, sendo a lei
mesma, mais propriamente, concebida como “decisão concre-
ta de concretos casos jurídicos futuros”. Contudo, diz ele nou-
tro passo, justa deve ser toda a “normativo-constitutiva reali-
zação do direito. Assim,
se a interpretação jurídica concorre para essa realização, então
quer isto dizer que também não é cognitiva ou teoreticamente,
mas antes normativa e praticamente que essa interpretação se
deve intencionalmente compreender e metodicamente definir,
de modo que a “boa” ou válida interpretação não será aquela que
numa intenção da verdade (de cognitiva objectividade) se pro-
ponha a exegética explicitação ou a compreensiva determinação
da significação dos textos-normas como objecto, mas aquela que
Lógica e Direito.indb 273 09/05/2016 17:16:29
274
LÓGICA E DIREITO
numa intenção de justiça (de prática justeza normativa) vise a
obter do direito positivo ou da global normatividade jurídica as
soluções judicativo-decisórias que melhor realizam o sentido
axiológico fundamentante que deve ser assumido pelo próprio
direito, em todos os seus níveis e em todos os seus momentos.
(O actual problema metodológico da interpretação jurídica – I,
Coimbra, 2003, p. 102: destaques meus).
Aqui se observa, de plano, um problema de racionalidade
peculiar. Poder-se-ia indagar se o estágio final do ato de julgar
não opõe o caso particular, de um lado, e o universal da lei, de
outro, mas se articula a universalidade objetiva do logos (a lei)
com a universalidade subjetiva e concreta, de tal modo que o
logos assume no ato de julgar como tendo atualizado sua con-
dição de lógon échon, ou seja, como pronúncia de uma ratio,
percebida/sentida no senso do justo, não no círculo fechado da
existência gregária, mas no espaço livre da existência política
(VAZ, 2002, p. 205 e ss.).
Entende-se, nesses termos, porque, a princípio, a palavra
sentença, pela qual se pronuncia o juízo, tenha relação com
sentir. Ou, como assinala Couture (Introdução ao Estudo do
Processo Civil, Rio de Janeiro, 3ª edição, p. 75), o sentimen-
to é o conteúdo da sentença, “originariamente é algo que foi
sentido, daí seu nome sentença”, que não se confunde com o
documento que temos em mãos, prolatado pelo juiz.
Interessante notar aqui, como o faz Taruffo (La motiva-
zzione della sentenza civile, Padova, 1975, p. 209 e ss.), que o
iter da formação do juízo, pelo juiz, conhece uma estrutura
conforme “um sistema orgânico de escolhas, ligado segundo
uma certa ordem, e finalizadas (as escolhas) por uma escolha
última que coincide com a verdadeira e própria decisão” (p.
218). Há uma racionalidade nesse procedimento, em dois mo-
mentos: um, que se refere não ao que “o juiz pensou”, mas à
racionalidade “das razões que ele aduz para justificar o que
decidiu”, sendo este o momento da motivação; outro, é o da
racionalidade do que ele pensa, ao proceder à escolha entre o
justo e o injusto.
Lógica e Direito.indb 274 09/05/2016 17:16:29

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT