Sobre o uso de definições e classificações na construção do conhecimento e na prescrição de condutas

AutorLucas Galvão de Britto
Páginas321-363
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SOBRE O USO DE DEFINIÇÕES E
CLASSIFICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO E NA PRESCRIÇÃO DE
CONDUTAS
Lucas Galvão de Britto
Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP.
Professor dos cursos de especialização em Direito Tributário do
IBET e PUC-SP. Advogado.
O Direito é uma técnica de esquematizar classes de condutas
para poder dominar racionalmente a realidade social. Generaliza
em esquemas abstratos a vida em sua concreção existencial, para
ofertar a possibilidade de previsão de condutas típicas, indispen-
sável à coexistência social.”
– Lourival Vilanova
Sumário: Introdução — 2. O cindir é desde o início — 3.
Proposição, juízo e critério: viver é recortar o mundo – 4. O que
é classificar: 4.1 Das regras que devem presidir o processo clas-
sificatório — 5. Mas onde “vivem” as classes — 5.1 Que há em
um nome? — Denotação e conotação, intensão e extensão de um
conceito; 5.2 Que são elementos de uma classe? — Ou “por que
não podemos trabalhar nem com uma ontologia ingênua, nem
com um niilismo desesperado?” — 6. Algumas designações es-
peciais de conjuntos: 6.1 O conjunto “universo” (U ou V) — o
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LÓGICA E DIREITO
tudo nunca é o todo; 6.2 O conjunto vazio (Æ) – a diferença entre
o objeto e a amostra na experiência; 6.3 Os conjuntos unitários
— os nomes próprios; 6.4 O conjunto “complemento” ( ou A’)
– o contrário de preto não é branco; 6.5 Gênero e espécie – 7.
Classes, critérios e definições: que relação há entre o classificar
e definir?: 7.1 Os nomes e as definições; 7.2 Os nomes e as clas-
ses; 7.3 Duas advertências: ambiguidade e vagueza; 7.4 Sobre a
elucidação e os problemas para construir uma definição útil —
8. A norma jurídica como instrumento para definir e classificar
condutas; 8.1 A definição do fato jurídico; 8.2 “Divide et impera
— As classificações e os regimes jurídicos — Referências.
1. Introdução
Durante um bom tempo na tradição dos estudos jurídi-
cos, afirmou-se que as definições e classificações pertenciam
ao domínio da ciência. Por isso mesmo, dispositivos como a
definição de tributo posta no art. 3º do CTN, a classificação
das competências constitucionais em privativas, concorrentes
e comuns eram consideradas excrecências de um legislador
desatento.
O avanço das investigações lógicas para além do domínio
da alethea, alcançando também as manifestações deônticas,
logo mostrou que, a despeito de alguns ajustes necessários
quanto aos modais e a função desempenhada pelo discurso
jurídico, muitos princípios e categorias lógicas poderiam ser
utilizadas com bom proveito para examinar analiticamente o
direito.
O meu propósito neste trabalho é tratar de duas opera-
ções lógicas fundamentais: a definição e a classificação, ilus-
trando como o direito vale-se delas para atingir o seu desígnio
de prescrever condutas e implementar valores numa dada
sociedade. Mais do que simplesmente mostrar as potencia-
lidades do emprego dessas categorias, pretendo demonstrar
como – quer nos apercebamos disso ou não – o legislador e
o estudioso necessariamente valem-se dessas operações para
conhecer e ordenar a realidade com a qual lidam.
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A LÓGICA NO DIREITO
O leitor mais arguto poderia logo indagar: mas se tais ati-
vidades são necessárias à forma humana de agir e as pratica-
mos a todo instante, até mesmo quando não nos damos conta
delas, de que serve estudá-las?
O esforço, como de resto qualquer trabalho sobre episte-
mologia, justifica-se pelo ganho em precisão discursiva que o
conhecimento dessas categorias oferece. Devemos afiar a lâ-
mina do conhecimento sobre a pedra da epistemologia,1 pois só
assim poderemos produzir cortes acurados e profundos sobre
o objeto a que dedicamos nossa atenção.
Este, portanto, é um trabalho de epistemologia, encon-
trando assim bom abrigo em meio a um compêndio de tex-
tos que tratam sobre o constructivismo lógico-semântico en-
quanto método de investigação do fenômeno jurídico. Com
efeito, a preocupação com o emprego preciso das categorias
lógicas, sem, no entanto, descuidar das perspectivas semânti-
ca e pragmática da linguagem, tem-se mantido no centro das
atenções dos autores que lidam com esse método. Dessa ma-
neira, é no intuito de oferecer algumas reflexões a respeito
desses expedientes que entrego à obra o presente escrito.
2. O cindir é desde o início
Começar algo, qualquer coisa que seja, da mais impor-
tante à mais insignificante, significa também romper. É essa
a imagem que Isaac Newton evoca com a primeira de suas
célebres leis ao enunciar que
Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento
uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar
aquele estado por forças aplicadas sobre ele.
2
1. ROBLES MORCHÓN, Gregorio. Epistemología y derecho. Madrid: Piramide,
1982, p. 19.
2. Para aqueles que prefiram o original, ei-lo: “Corpus omne perseverare in statu suo
quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis
cogitur statum illum mutare”.
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