As UPPs e o longo caminho para a cidadania nas favelas do Rio de Janeiro

AutorFabiana Luci de Oliveira - Pedro Vieira Abramovay
Páginas123-147
CAPÍTULO 5
As UPPs e o longo caminho para a cidadania
nas favelas do Rio de Janeiro
FABIANA LUCI DE OLIVEIRA
PEDRO VIEIRA ABRAMOVAY
As UPPs no contexto de políticas públicas de segurança
Para discutir as condições atuais de exercício da cidadania, é preciso compreen-
der o processo histórico de construção da cidadania no país, como nos ensina
José Murilo de Carvalho.1 O mesmo se aplica no caso das UPPs: para discutir
os impactos dessa política de segurança no exercício da cidadania nas favelas
do Rio de Janeiro, é preciso considerar o processo histórico da construção das
políticas públicas de segurança voltadas para essas localidades.
Políticas de segurança pública, talvez muito mais do que outras políticas,
desenvolvem-se em um ambiente de polarização de interesses e valores extre-
mamente elevada. Basta notar o enorme avanço alcançado pelo Brasil do ponto
de vista do planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas em
áreas tão distintas quanto educação, saúde, assistência social e política eco-
nomia. Como resultado, praticamente universalizamos o ensino fundamental,
reduzimos drasticamente a mortalidade infantil, retiramos dezenas de milhões
de pessoas da miséria e derrotamos a inflação.
1 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
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UPPS, DIREITOS E JUSTIÇA
Todas essas realizações só foram possíveis porque, nesses temas, o Brasil
conseguiu instituir verdadeiras políticas de Estado, baseadas no respeito à
Constituição Federal, a partir de metas claras e com a da utilização de instru-
mentos de gestão pública avançados.2
No tema da segurança pública o país tem tido uma dificuldade maior em
conseguir adotar essa lógica de gestão. Ana Sofia Schmidt de Oliveira3 já aler-
tava para esse problema ao distinguir políticas de segurança pública e políticas
públicas de segurança.
No primeiro caso, haveria uma polarização que geraria um “efeito gangor-
ra” entre o “discurso social” e o “discurso repressivo”. Os argumentos daqueles
que reconhecem causas sociais na criminalidade seriam tratados como com-
pletamente excludentes daqueles que acreditam na repressão policial como a
intervenção mais adequada.
Já as políticas públicas de segurança englobam, para a autora, “as diversas
ações, governamentais e não governamentais, que sofrem impacto ou causam
impacto no problema da criminalidade e da violência”. Essa visão trata a re-
pressão policial e as ações de integração social como abordagens compatíveis,
a partir do impacto que causam na diminuição da violência, e não a partir de
seu efeito político.
No Rio de Janeiro, particularmente, o efeito pendular das políticas de segu-
rança pública se formou de maneira mais evidente. O primeiro governo Brizola
(1983-87) rompeu tão fortemente com a lógica repressiva herdada da ditadura
militar, trazendo para o debate público fluminense — e brasileiro — a defesa
dos direitos humanos como oposição à violência policial, que a resposta po-
lítica foi também radical, associando àquele governo — e ao discurso de va-
lorização dos direitos humanos — a ideia “de que o poder público se eximira
2 Um bom exemplo para entender a construção destas políticas é o livro organizado por Marieta
de Moraes Ferreira e Ângela Britto, reunindo depoimentos sobre o desenho e a implementação do
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Ver: FERREIRA, Marieta de
Moraes; BRITTO, Ângela (Org.). Segurança e cidadania: memórias do Pronasci — depoimentos ao
Cpdoc/FGV. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
3 OLIVEIRA, Ana S. S. Políticas públicas de segurança e políticas de segurança pública: da teoria à
prática. In: OLIVEIRA, Ana S. S. Das políticas de segurança pública às políticas públicas de segurança. São
Paulo: Ilanud, 2002. p. 60-63.

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