Mecânica e Ritmo Sobreconstitucionais

AutorAntonio Araújo
Páginas33-40

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Emily Sherwin, da Cornell Law School, advoga que:

Legal principles must fit with existing legal materials - the rules - but they must be the most morally attractive principles that fit and thus must draw from morality as well. (SHERWIN et alii, The rule of rules: morality, rules, and the dilemmas of law, p. 178-79)

Por um viés existencialista, entende o dramaturgo Chamfort (apud GENEST, Dictionnaire des Citations, p. 797):

L’homme sans principes est aussi ordinairement un homme sans caractère; puisque, s’il était né avec un caractère, il aurait senti le besoin de se créer des principes.

Os princípios da Lei Magna brasileira encerram, no tocante ao Estado que constituem desde os alicerces - reproduzindo-lhe idoneidade jus-fenomenológica -, suas bases1ou fins nucleares (CF/88, arts. 1º-4º), e, de permeio, as ligações-

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chave (CF/88, arts. 5º-17), bem como o ritmo, enfatizo, de ativação-concretização daqueles objetivos.

Daí, entre nós, a figura da inconstitucionalidade por omissão, quiçá a melhor evidência da objetividade jurídica do ritmo, qual um fator intrínseco aos princípios da Carta Republicana, que servem de moderador exegético e, também, de achega à integração constitucional.

Consoante o art. 103, § 2º da CF/88:

Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Omitindo-se um Poder, quanto à regulamentação de norma constitucional "limitada" (SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo), dar-lhe ciência é tudo que nos resta?

O espírito da CF/88, diria Montesquieu (Oeuvres Completes; cf. DIDEROT & D’ALEMBERT, Verbetes políticos da Enciclopédia), não se apraz em desfrutar a ilusão de uma presença, remanescendo o direito-geratriz do preâmbulo, em relação às normas constitucionais ordinárias.

Vê-se como o preâmbulo em foco, averbamento da intenção que motivou seu legislador originário exprime uma imperatividade2governante, servindo de balizador hermenêuticosobreconstitucional, donde salta aos olhos que a Carta Matriz foi promulgada...

[...] para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

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como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...]. (CF/88 :: Preâmbulo)

Mas o art. 103, § 2º da CF/88, se interpretado hermeticamente, propicia um déficit de realidade (extensível ao art. 5º, LXXI, da Lex Política, em virtude de seu art. 2º), por omissão antirregulamentadora, inviabilizando o exercício de alguns direitos constitucionais.

Luís Roberto Barroso condena uma tal paralisia:

A idéia de efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamente recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo nos últimos tempos. [...] Os grandes autores da atualidade referemse à necessidade de dar preferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem as normas a obter a máxima eficácia ante as circunstâncias de cada caso. (Interpretação e aplicação da Constituição, p. 219. Cf. HAYEK, The Constitution of Liberty; JENNINGS, The Law and the Constitution; KAY, American Constitutionalism)

Ora, emanando "Todo o poder [...] do povo, que o exerce [...] ou diretamente, nos termos desta Constituição" (CF/88, art. 1º, parágrafo único), é plausível mutatis mutandis que, ao vivenciar uma inércia antirregulamentadora, o em-comum3, sina dos poderes constituídos isente-se, de forma conciliante e direta, querendo satisfazer certos direitos em aplasia, de cumprir obrigação que guarde pertinência temática com a inação legislativa, até que esvaeça o nexo causal entre omissão propositada e inexequibilidade de direitos constitucionais, pelo advento de regulamentação suplementar.

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Eis a regra epistemo-propedêutica da Desobediência Civil Inte grativa,4 - 5 constitucionalizada, ainda que implicitamente, no art. 1º, parágrafo único.

Vejamos: a lacuna ou hiato regulamentador concernente ao art. 37, VII da CF/88 facultaria aos servidores públicos de-

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sencadear um estado universal de greve, observados, porém, os arts. 1º, inc. IV, , 37, caput e 175 da Lei Maior, inclusive.

Não se coaduna aqui, entrementes, julgado que ainda ecoa na Suprema Corte brasileira:

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS. ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Configurada a mora do Congresso Nacional na regulamentação do direito sob enfoque, impõe-se o parcial...

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