Mecanismos de proteção contra a influência midiática

AutorHerivelton Rezende de Figueiredo
Páginas165-222
Capítulo 5
Mecanismos de proteção contra
a influência midiática
5.1. Sigilo judicial
A doutrina usualmente aborda o sigilo sob dois aspec-
tos: o interno e o externo. Externo é aquele imposto a to-
dos os que não são partes no processo nem funcionários do
juízo identificando-se com a publicidade restrita. Por força
da ampla defesa e não pela publicidade dos atos proces-
suais é que os imputados tomam deles conhecimento e par-
ticipam tanto da investigação quanto da instrução criminal.
Quanto ao sigilo interno também em face do princípio da
ampla defesa fica totalmente impossibilitada, pois o impu-
tado e seu patrono devem ter acesso a publicidade existen-
te nos autos (KEHDI, 2008, p. 58-60)324.
Logo, podemos concluir que se trata de uma classifica-
ção inútil se estamos diante de um Estado Democrático de
Direito, sendo possível tal classificação em um sistema di-
tatorial no qual existe a previsão de sigilo interno.
A função primordial do segredo de justiça é preservar a
investigação, sendo o direito do arguido em princípio pro-
tegido por outros instrumentos que tutelam os direitos da
165
324 KEHDI, André Pires de Andrade. O sigilo da ação penal. In: ALMEI-
DA, José Raul Gavião de; et. al. (Coord.). Sigilo no processo penal: eficiên-
cia e garantismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 57-95, p. 58-60.
personalidade. Por isso, a democratização do processo pe-
nal apontaria para a limitação do segredo e não para o au-
mento. Mas, paradoxalmente a evolução do direito crimi-
nal e a midiatização do processo criaram condições para
que a questão do segredo de justiça fosse ampliada, porque
o valor da notícia conduz a um efeito de credibilidade dos
fatos e estigmatização do imputado, tornando problemáti-
co a questão do julgamento justo (RODRIGUES, 1997, p.
556)325.
Assim, há uma necessidade de resguardar valores tão
importantes quanto à publicidade, impondo o sigilo no cur-
so da persecução criminal, porque além de contribuir em
certos casos para o esclarecimento do fato dá guarida à pre-
sunção de inocência e aos direitos individuais dos envolvi-
dos na medida em que protege as investigações do sensa-
cionalismo da imprensa (SOUZA; LEITE, 2008, p.
211)326.
Não é sequer necessário que os meios de comunicação
reproduzam o conteúdo de atos ou peças processuais. A
mera invocação do processo já produz efeitos nocivos ao ar-
guido. Ademais, a interação entre justiça e meios de comu-
nicação também se faz pelas investigações jornalísticas
muitas vezes por meio de acesso ao processo; outras vezes
a mídia o faz pelo contato direto com as pessoas conhece-
doras do fato (ofendidos, arguidos ou testemunhas), sendo
que estas pessoas ao participarem simultaneamente no pro-
166
325 RODRIGUES, Cunha J. N. Justiça e comunicação social. Revista Por-
tuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, ano. 7, n. 4, p.531-576, out./dez.
1997, p. 556.
326 SOUZA, Diego Fajardo Maranha Leão de; LEITE, Rosimeire Ventura.
O sigilo no processo criminal e o interesse público à informação. In: ALMEI-
DA, José Raul Gavião de; et. al. (Coord.). Sigilo no processo penal: eficiên-
cia e garantismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.203-238, p. 211.
cesso penal e midiático para sustentar seus direitos ampli-
ficam o impacto da notitia criminis ou anulam as reações
de reprovação social. Além disso, a investigação jornalística
pode lançar uma suspeição sobre os operadores do direito
quanto à existência de fuga das informações e as motiva-
ções que fundamentam o processo, desacreditando a ação
da justiça ao insinuar a sua parcialidade ou escapismo as re-
gras processuais327.
Tendo em vista esses problemas podemos afirmar que
o sigilo não se opõe a democracia sendo possível conciliá-la,
pois a ausência de segredo, ou seja, a ausência da vida pri-
vada em relação ao poder estatal também não é democracia
e muito menos a chamada democracia televisiva, porque
como vimos não é uma garantia total de controle dos atos
judiciais. Contudo, a imposição de sigilo judicial é uma ex-
ceção ao princípio da publicidade atingindo o estritamente
necessário e adequado para salvaguardar os valores em
nome dos quais eles são impostos328.
Vamos imaginar o caso de um homicídio noticiado diu-
turnamente pela imprensa e o juiz notou que em face da
publicidade do processo o réu ficou exposto à campanha
midiática pela sua condenação, por isso o magistrado de-
cretou o sigilo para garantir que a população, da qual saem
os jurados, não seja influenciada. Seria proporcional a me-
dida imposta? Sim, pois o princípio da proporcionalidade é
uma forma de garantir o devido processo legal para que o
juiz verifique se a garantia da intimidade do acusado ou o
interesse social no âmbito processual é adequado a justifi-
car o sigilo ou a publicidade dos atos processuais329.
167
327 RODRIGUES, 1997, p. 557.
328 VIEIRA, 2003, p. 195.
329 KEHDI, 2008, p. 72-73.

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