Política criminal midiática

AutorHerivelton Rezende de Figueiredo
Páginas47-89
Capítulo 2
Política criminal midiática
2.1. A construção social do crime pela mídia
O ponto inicial do processo de interiorização da reali-
dade social é a apreensão de uma interpretação imediata de
um acontecimento dotado de sentido, isto é, a manifesta-
ção de processos subjetivos de outrem se torna subjetiva-
mente significativo para si. Isso não significa compreender
o outro adequadamente. Mas, a subjetividade dele é obje-
tivamente acessível haja ou não congruência entre os pro-
cessos subjetivos. Essa apreensão significa que o indivíduo
assumiu o mundo no qual os outros já vivem (LUCK-
MANN; BERGER, 1985, p. 174)75.
Isso somente é possível quando o universo simbólico
que atribui significação social é reconhecido (legitimado)
socialmente de modo a estabelecer os limites daquilo que
tem importância com referência à interação social de tal
modo que ordena a história, assim o passado é compartilha-
do coletivamente como uma espécie de memória e o futuro
estabelece um quadro de referência comum para as proje-
ções individuais.
47
75 LUCKMANN, Thomas; BERGER, Peter L. A construção social da
realidade. Tradução Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985,
p. 174.
Assim, a legitimação explica a ordem institucional ou-
torgando validade cognoscitiva e normativa a seus significa-
dos objetivados, ou seja, há um conhecimento do papel so-
cial e da ética (valores, definição das ações certas e erradas)
das instituições76.
O universo simbólico é o mais alto nível de legitimação,
que é construído por meio de objetivações sociais e se qui-
sermos entender seus significados temos que entender a
história de sua produção, cujo resultado é a integração dos
significados. Trata-se de pôr sentido a setores separados
das condutas institucionalizada por meio da reflexão pré-
teórica ou teórica77.
Tal como no caso das instituições, o universo simbólico
necessita de conservar-se enquanto tal, e assim dispõe de
mecanismos que, segundo Luckmann, pode ser por meio
do controle social da terapêutica que consiste em diagnos-
ticar os dissidentes daquela realidade social e reconduzi-los
novamente ao universo simbólico questionado e a aniquila-
ção que nega a interpretação diferenciada da realidade atri-
buindo-se um status ontológico inferior78.
Na vida cotidiana, as pessoas geralmente pressupõem
que o mundo é como ele é e as divergências de opinião se-
riam um resultado de perspectivas distintas de experiên-
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76 LUCKMANN; BERGER, 1985, p. 128.
77 Há quatro níveis de legitimação, o primeiro acha-se presente na lingua-
gem como experiência humana passível de transmissão; o segundo são es-
quemas explicativos altamente pragmáticos como os provérbios e máximas
morais; o terceiro é a institucionalização da conduta (ritos, tradições, hierar-
quia, costumes), está além da aplicação meramente prática e torna-se teoria
pura; o quarto é o campo simbólico que é o processo de significação de rea-
lidades diferentes pertencentes à experiência da vida cotidiana (LUCK-
MANN; BERGER, 1985, p. 129-131).
78 LUCKMANN; BERGER, 1985, p. 153-155.
cias e de lembranças, por isso os conflitos de opinião nos
meios de comunicação operam a partir de uma referência
compactante e não desagregadora dos fatos. A atribuição
de causalidade confere julgamentos, emoções, apelos, pro-
testos de tal modo que a publicidade da narrativa fique ao
seu favor (LUHMANN, 2005, p. 129-131)79.
Em cada operação são reproduzidas descontinuidades,
surpresas, decepções agradáveis e desagradáveis que ser-
vem à sua reprodução e também ao seu conteúdo de signi-
ficação de modo a definirem o tempo em passado e futuro
no qual o presente é apenas a posição do observador80.
Logo, a realidade dos meios de comunicação é uma rea-
lidade de observação de segunda ordem, pois substitui as
declarações do saber garantidas em outras formações so-
ciais e o resultado é que temos a cultura de massa, poten-
cialmente homogênea, e que por isso, segundo Luhmann,
destrói a liberdade, pois apenas consegue abrir outras pos-
sibilidades de observação quando está voltada para seu in-
terior, ou seja, os meios de comunicação instituem uma or-
dem em relação àquilo que a sociedade pode observar
como liberdade81.
O sucesso da socialização realiza-se sempre no contex-
to de uma estrutura social específica estabelecida pelo ele-
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79 LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. Tradu-
ção Ciro Marcondes Filho. São Paulo: Paulus, 2005, p. 129-131.
80 LUHMANN, 2005, p. 139.
81 Ibid, p. 141-144. É importante ter em mente que a maioria das socie-
dades modernas é pluralista. Isto significa que compartilham de um univer-
so que é o seu núcleo aceito como indubitável, e têm diferentes universos
parciais coexistindo em um estado de mútua acomodação. Estes últimos
provavelmente têm algumas funções ideológicas, mas o conflito direto entre
as ideologias foi substituído por graus variáveis de tolerância ou mesmo de
cooperação (LUCKMANN; BERGER, 1985, p. 168).

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