A Mediação como Novo Paradigma do Direito de Família Brasileiro

AutorFlavio Goldberg
Páginas73-91
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A MEDIAÇÃO COMO NOVO PARADIGMA DO
DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
O Direito de Família trabalha valores personalíssimos no intuito
de oferecer segurança e proteção à pessoa desde o momento de seu
nascimento, conferindo dignidade. Para Maria Berenice Dias, no
Brasil, o Direito de Família é um dos ramos da ciência jurídica que
impulsionou maior avanço social e, consequentemente, legislativo,
desde a promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro.1
A área da Justiça dedicada às questões familiares surge no século
XIX, quando da formação das Repúblicas, e subsequente instauração
do Estado de Direito. As normas que esteiam estas relações nascem
das problemáticas públicas, impedidas, portanto, de serem derro-
gadas pela convenção entre particulares. Portanto, a maior parte de
seus preceitos é composta de normas necessárias e, com a exceção em
matéria de regime de bens, o código estimula a autonomia privada.
Insiste-se que, mesmo com o interesse da sociedade se sobre-
pondo ao individual, os direitos subjetivos comuns e os direitos
potestativos são de natureza personalíssima. Tais direitos passam a
agregar determinadas características que as tornam intransferíveis,
intransmissíveis por herança, irrenunciáveis, pois estes direitos se
ligam ao indivíduo por decorrência da posição que eles ocupam na
relação familiar.
Em respeito à capacidade de autodeterminação da pessoa,
entende-se, no Direito de Família, o indivíduo enquanto apto para
1. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 3. ed. São Paulo:
RT, 2006, p. 70.
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definir seu destino, devendo saber identificar o melhor para si sem
que um terceiro venha outorgar uma decisão impositiva.
Entretanto, como a sociedade moderna está identificada com o
sistema de livres trocas, sobretudo de numerário por bens, serviços
e trabalho, o sistema jurídico brasileiro destaca e fomenta a celebra-
ção de atos negociais entre os indivíduos para que convenham de
vontade própria suas contratações jurídicas. No Direito de Família,
é o consenso que muitas vezes permite a celebração de escrituras
públicas de divórcio e inventário que envolvam pessoas maiores e
capazes, mesmo que sempre representadas por advogados.
A maioria dos estudiosos do Direito de Família sustenta que a
tendência dominante é transformar os costumes em lei e a política
subjacente a estes comportamentos deriva daí, e não mais dos pre-
ceitos lógicos, criando-se assim um pragmatismo em favorecimento
dos direitos individuais.
Com o império deste enfoque individualista, uma contrapartida
possível é que a lei não determine, senão permita, que os indivíduos
se contratem mutuamente nas relações de convivência, constituindo
assim uma possibilidade de aceitação de um ordenamento privado no
que tange à família. Dada a crescente sofisticação dos profissionais
do Direito de Família, o aumento das petições para uma quantidade
inédita de demandas jurídicas ocorre nas cortes. Seria esperado que
cada vez mais surjam decisões mediadas para alcançarem o Poder
Judiciário apenas para sua homologação.
Há uma grande quantidade de situações cujo histórico indica
litígios que se estendem por anos, prolongando o sofrimento das fa-
mílias e estimulando o pesar entre os indivíduos, além da aversão em
negociar. Apesar de incontáveis benefícios, ainda há dúvidas fortes
quanto a validade de acordos assumidos fora das cortes, mesmo que
negociações em favor de um entendimento comum possam de alguma
forma substituir os procedimentos instituídos pelos trâmites legais.
O desconhecimento das possibilidades de mediação neste ramo
e sua aceitação pelo poder público dificultam ainda mais as nego-
ciações entre as partes, impedindo principalmente que os interesses
personalíssimos de cada um tenham sequer oportunidade de virem
a ser incorporados pois, mesmo com notável mudança cultural e
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