Meio ambiente laboral na administração pública: reflexões sob o prisma do princípio da boa administração e das leis sistêmicas (Hellinger)

AutorFelipe Pereira Maroubo e Shirlei Silmara de Freitas Mello
Ocupação do AutorMestrando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Professora Titular de Direito Administrativo e Processo Administrativo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Páginas119-135
Felipe Pereira Maroubo1
Shirlei Silmara de Freitas Mello2
1. Mestrando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela Universidade Federal
de Uberlândia (UFU) com mobilidade internacional pela Universidade do Porto, Portugal (UP). Advogado do Município de Leme/SP.
E-mail: .
2. Professora Titular de Direito Administrativo e Processo Administrativo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós-Doutorado
pela Aalborg University, Dinamarca (AAU). Bacharel, Especialista e Doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). E-mail: .
1. INTRODUÇÃO
A conduta sistêmica, por meio de suas leis, é fator de-
terminante para proporcionar uma releitura das ações do
agente público e do administrado nas suas relações com
a máquina. Ela é capaz de mover a Administração Pública
em direção a técnicas que proporcionam um giro de luci-
dez, intelecção e abertura para novos horizontes, que al-
cançam um ponto frequentemente negligenciado: por que
não tratar o meio ambiente laboral da Administração Pú-
blica, iluminado pela hierarquia, pelo pertencimento e pelo
equilíbrio de troca entre o dar e o receber, como fator que
influencia diretamente a efetividade do princípio da boa ad-
ministração? Com o intuito de tratar deste tema, o trabalho
organiza-se em três partes.
Na primeira parte, realiza-se uma análise propedêutica
sobre o conceito possível de meio ambiente e seu desenvol-
vimento como direito fundamental, dos desdobramentos
e tipos de meio ambiente, bem como a aferição sobre em
que consiste o meio ambiente do trabalho. Cumpre-nos de-
bruçar sobre este tipo específico de meio ambiente, a fim
de avaliá-lo sob o paradigma da boa administração e das
leis sistêmicas. O conceito tradicional não mais permite
considerar as novas manifestações culturais e os problemas
laborais coletivos, razão pela qual se vislumbra discutir as
dimensões multifacetadas do trabalho e as relações inter-
cambiáveis entre trabalho, meio ambiente, saúde e tecno-
logia. Além disso, busca-se desenvolver o direito ao meio
ambiente do trabalho como direito fundamental essen-
cial ao desenvolvimento humano e amparado na ação ou
omissão do Estado e da sociedade, em cumprimento aos
diplomas internacionais, constitucional e infraconstitucio-
nais brasileiros. A partir disso, pretende-se reforçar a asser-
ção de que a lesão ao meio ambiente também o é aos seres
humanos que dependem deste ambiente, cabendo ao orde-
namento jurídico proporcionar garantias para fazer frente
às ameaças concretas e à reparação ou compensação da le-
são ocorrida. Por fim, especificam-se as discussões sobre
o meio ambiente do trabalho no âmbito da Administração
Pública, de modo a compreender os fatores tecnológicos,
sociais e econômicos que influíram no redesenho da figura
do servidor público do século XXI, sujeito à importação
de tecnologias gerenciais positivas do setor privado e dos
efeitos perversos do estresse ocupacional psicológico ou
fisiológico no novo ambiente organizacional da Adminis-
tração Pública.
Na segunda parte, o artigo perquire a relação entre o
princípio da boa administração e o meio ambiente laboral
na Administração Pública. Pretende-se fixar que o Estado
realiza suas atividades por meio do exercício de funções
jurídicas e materiais, de modo que a função administrativa
se exerce por meio do processo administrativo, que, en-
quanto caminho de edição de atos, deve ser conduzido por
agentes públicos capazes, competentes e imparciais. Sendo
assim, destacam-se os desdobramentos do dever de boa ad-
ministração em elementos como juridicidade, transparên-
cia e boa-fé objetiva. Nesse contexto, o paper desenvolve a
noção de que, ao lado dos princípios fundamentais de boa
administração (ou bom andamento) e de imparcialidade,
a Administração deve ater-se à economicidade, à eficiên-
cia e à eficácia. Com destaque ao princípio da eficiência,
demonstra-se que ele se coaduna com o impositivo do
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pública: reflexões sob o prisma do
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razoável, sendo imprescindível para a fixação do princípio
da boa administração como preceito primordial para a rea-
lização de políticas públicas direcionadas à realização plena
de direitos e garantias fundamentais. Portanto, enfrenta-se
a seguinte indagação: sendo o processo administrativo um
processo participativo, como falar de eficiência e boa admi-
nistração sem humanização no exercício da função admi-
nistrativa? Para tanto, é preciso agregar um novo olhar ao
dever de eficiência no exercício da função administrativa: a
humanização do exercício desta função pela aplicação das
leis sistêmicas.
Por fim, na terceira parte, o trabalho afere a aplicabi-
lidade e a funcionalidade da postura sistêmica (leis sis-
têmicas) no meio ambiente de trabalho no âmbito da
Administração Pública. A partir desta compreensão, há o
reconhecimento (i) de um inconsciente sistêmico, de gru-
po, além do inconsciente individual e coletivo, (ii) de
que há três ordens do amor (hierarquia, pertencimento e
equilíbrio), cujo descumprimento provoca sofrimentos em
vários níveis e (iii) de que é possível de se atingir, pela prá-
tica das constelações, uma solução perene e pacificadora
dos conflitos decorrentes dos relacionamentos humanos,
frequentemente trazidos a conhecimento do Estado pelas
variadas vias processuais. Neste ponto, investiga-se a te-
mática das constelações familiares como abordagem feno-
menológica terapêutica voltada para o trabalho sobre um
tema específico trazido por um integrante daquele sistema.
A razão é compreender que as informações de um sistema
se propagam entre seus membros no tempo e no espaço,
de forma não-verbal, de célula a célula, de modo que pa-
drões de comportamento se repetem inconscientemente
por meio das ações dos integrantes de um sistema. O ar-
tigo pretende, ainda, considerando que “tudo que existe
está entrelaçado em um relacionamento sistêmico”, fun-
damentar a assertiva de que “dentro de um sistema, cada
parte influencia o todo e o todo influencia cada parte”,
existindo, portanto, uma economia do conjunto que, toda
vez que violada, provoca movimentos de recomposição de
seu equilíbrio.
Deste modo, alguns acontecimentos no seio familiar,
tanto generosos e altruístas quanto desonestos e ilegais,
irradiam seus reflexos por gerações e gerações, em outros
contextos, como o ambiente e a cultura organizacional
do Poder Público (meio ambiente do trabalho na Admi-
nistração Pública), criando dinâmicas que transcendem
limites temporais e geográficos, operando atitudes de
compensação em havendo desequilíbrio no sistema, ca-
so tais processos psicoafetivos não sejam reconhecidos e
trabalhados.
3. FARIAS, Talden Queiroz. Meio Ambiente do Trabalho. Revista Direito e Liberdade – ESMARN – Escola da Magistratura do RN, Mossoró,
v. 6, n. 2, p. 443-462, jan.-jun. 2007. Disponível em: e.ac.uk/download/pdf/16046225.pdf>. Acesso em: 07 maio 2019.
4. FARIAS, Talden Queiroz. Meio Ambiente do Trabalho. Revista Direito e Liberdade – ESMARN – Escola da Magistratura do RN, Mossoró,
v. 6, n. 2, p. 443-462, jan.-jun. 2007. Disponível em: e.ac.uk/download/pdf/16046225.pdf>. Acesso em: 07 maio 2019.
2. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: UM DIREITO
FUNDAMENTAL
A Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n.
6.938/1980 – conceitua o meio ambiente no art. 3º, inciso
I, como o “conjunto de condições, leis, influências e inte-
rações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Neste contexto, com o intuito de esquadrinhar as espe-
cificidades deste conceito de extensa dimensão, a doutrina
decompõe o meio ambiente em quatro tipos principais: (i)
o meio ambiente natural, composto pelos recursos em si
mesmos considerados e em relacionamento; (ii) o meio am-
biente artificial, caracterizado pelo cenário construído ou
modificado pelo ser humano; (iii) o meio ambiente cultu-
ral, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, paisagís-
tico, ecológico, científico e turístico, bem como pelos bens
materiais e imateriais; e, por fim, (iv) o meio ambiente do
trabalho, constituído pelo conjunto de fatores relacionados
ao ambiente laboral3. Neste estudo, cumpre-nos debruçar
sobre este último desdobramento do meio ambiente, a fim
de avaliá-lo sob o paradigma da boa administração e das
leis sistêmicas.
Isto posto, o meio ambiente do trabalho consiste no lu-
gar onde o trabalhador exerce a sua profissão ou desenvol-
ve a sua atividade, remunerada ou não. Esta acepção liga-se
à finalidade específica de buscar o equilíbrio e a salubridade
do meio ambiente, preservando-se a incolumidade física e
psíquica e a qualidade de vida do trabalhador, o qual tem
o direito de trabalhar em ambientes libertos de agentes no-
civos à sua saúde, segurança e integridade. Portanto, a se-
gurança e a higidez do ambiente trabalhista (ordem física,
química, biológica, mecânica, ergonômica e cultural) se as-
sociam como pilares de um meio ambiente que proporcio-
ne a aquisição, pelo trabalhador, de dignidade humana, um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º,
inciso III, da Constituição)4.
Um dos principais desafios contemporâneos é a supera-
ção definitiva da visão restrita de meio ambiente. A termi-
nologia insculpida no art. 200, inciso VIII, da Constituição,
referencia a necessidade de proteção ambiental laboral com
um alcance mais amplo do que aquele meramente empre-
gatício. O conceito tradicional, baseado na concepção de
que meio ambiente se resume à fauna e à flora, desconside-
ra as novas manifestações culturais e os problemas coleti-
vos laborais. Em vista disso, caso adotada, a interpretação
ultrapassada reforçaria uma visão estereotipada e, portanto,

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