Método da investigação criminal

Páginas103-200
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MÉTODO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Colhemos na doutrina processual penal o princípio da investigação
(Silva Pereira, 2019, p. 43), que consiste na busca da verdade fática sobre
um evento criminal, por meio de métodos e técnicas disponíveis à ação
investigativa. Esse princípio compõe a cultura jurídica criminal e fun-
damenta todo ato investigativo, e acaba gerando o dever-poder estatal
de conhecer os fatos criminais e aplicar a pena correspondente, segundo
estatuto axiológico e epistemológico que pode sofrer inuência do mo-
delo de persecução e do modelo de justiça criminal adotado em dado
momento histórico.
O estudo do método da investigação criminal exige uma revisão
dos métodos cientícos e, consequentemente, possibilita identicar um
método próprio, muito similar aos métodos manejados em outras áreas.
Veremos que a investigação criminal não compagina com a unidade
metodológica, devido à multiplicidade de fenomenologias enfrentadas
pelos criminalistas, com variações nos seus elementos substanciais, cau-
sais, temporais, modais e subjetivos, que inexoravelmente nos condu-
zem a um pluralismo metodológico.
Método é o caminho a ser seguido para atingir determinado re-
sultado, ou se refere às técnicas empregadas para adquirir conhecimen-
to, conforme Hegenberg (1995, p. 137). Por sua vez, Marconi e Lakatos
(2007, p. 46) consideram como método “o conjunto de atividades sis-
temáticas e racionais que, com maior economia e segurança, permite
alcançar um objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros.
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Célio Jacinto dos Santos
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Os métodos qualitativos são mais adequados para a investigação
criminal, devido a sua capacidade explicativa e compreensiva do fato
criminal, contudo, também os métodos quantitativos baseados na fre-
quência relativa de determinada classe de eventos, podem ser emprega-
dos em alguns contextos investigativos, principalmente àqueles proba-
bilísticos e matemáticos.
No âmbito quantitativo, o mais lembrado é o modelo bayesiano que
conjuga a aplicação de teoria de probabilidade estatística à probabilida-
de subjetivamente determinada. É uma técnica que combina dados esta-
tísticos com provas não estatísticas, sobre um fato investigado (Abellán,
p. 146). Tal modelo é inspirado nos trabalhos de L. J. Cohen, na obra
e probable and the provable, que acabou evoluindo para outros mo-
delos aperfeiçoados como de belief functions e evidentiary valvue model
(Abellán, p. 146; Taruo, p. 207).
O bayesianismo usa argumentos indutivos para avaliar o quanto uma
prova reforça ou não a probabilidade de uma hipótese, usando cálculos
matemáticos. Dallagnol (2018, p. 110) resumiu os problemas que o torna
impraticável na investigação: a) impossibilidade de atribuir valores con-
áveis de probabilidade na maior parte das situações; b) potencialização
das distorções decorrentes de pequenos erros de estimativas; c) arbitrarie-
dade das classes de referências; d) complexidade dos cálculos; e) paradoxo
das conjunções; e f) toda inferência é uma evidência em cadeia ou cascata,
o que acarreta um problema de cálculo similar ao do paradoxo.
Veremos então, diversos métodos que podem ser úteis à investiga-
ção criminal e indicaremos que o método abdutivo de Charles Sanders
Peirce se identica integralmente com o método investigativo criminal,
principalmente na sua etapa de descobrimento, inclusive veremos que
ele é a base para o método que mais se identica com a investigação cri-
minal: o método indiciário. Este integra a cultura investigativa criminal
e contém subsídios metodológico, lógico e epistemológico a congregar
elementos diretos ou indiretos de outros métodos.
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MÉTODO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
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4.1 Método abdutivo
Os métodos mais divulgados e conhecidos no âmbito da teoria do
conhecimento e nos manuais de metodologia, são a dedução e a indu-
ção. Na doutrina e na prática policial eles são sempre lembrados. Charles
Sanders Peirce (1839-1914) desenvolveu a abdução como terceira infe-
rência, considerada o método por excelência da investigação policial, do
detetive, conforme Humberto Eco e omas Sebeok, levando em conta
os estudos sobre os contos policiais de Conan Doyle com seu Sherlock
Holmes, de Edgar Alan Poe com Dupin, Voltaire com Zadig, realizados
na obra O signo de três.
A abdução é a inferência do particular para o particular passando
pelo geral, ou seja, parte do resultado e por intermédio da norma vai
ao caso a ser explicado. Ela possui natureza heurística e visa descobrir
hipóteses diferentemente da analogia que trabalha com hipóteses cons-
truídas. O raciocínio abdutivo amplia o conhecimento, propicia a for-
mulação de hipóteses criativas e integra o contexto de descoberta, em
vez da indução e da dedução que geralmente é usada no contexto de
justicação, ou seja, para a validação ou conrmação de hipótese.
Com esses construtos sobre a aquisição do conhecimento, obser-
vam-se aspectos de construção lógica na investigação, em vez de pro-
cessos imaginativo, psicológico, a adivinhação, o acaso, o insight, a in-
tuição, presentes no pensamento de Popper e Reichenbach. Para Dutra,
esta fase compõe o raciocínio lógico e referido autor chega a identicar
os traços gerais presentes em todas as investigações, como será explici-
tado no tópico 4.6.
Pelo conceito de Peirce, que é secundado por outros autores, a
abdução:
a) “Todas as ideias da ciência chegam a ela por meio da abdução que
consiste em se estudar fatos e se inventar uma teoria para explicá-
los” (Santaella, 2004, p. 102).
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