Montesquieu e o Espírito das Leis
| Autor | Clovis Bevilaqua |
| Páginas | 75-91 |
MONTESQUIEU E O ESPÍRITO DAS LEIS
Acabo de reler o Espírito das leis. Quantos outros
juristas, literatos, homens do mundo não o fizeram an-
tes de mim?
No entanto, como já também o fizeram muitos des-
ses inumeráveis leitores, sinto-me atraído a colher as
impressões que essa leitura foi evocando, e que eu sinto
esvoaçar em torno de mim, nítidas umas, fugazes ou-
tras, desfazendo-se ainda outras quando as quero fixar.
Estranho livro esse que nos emociona por formas tão
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diversas! Umas vezes dá-nos a sensação do pasmo ante
um lampejo de gênio ou ante a tenacidade com que foi
estudado o assunto sob todos os seus aspectos. Não
raro surpreende-nos a facilidade com que são tiradas
certas conclusões ou são utilizados certos argumentos.
E algumas vezes invade-nos dúvida impertinente e mo-
lesta: teríamos percebido os intuitos do escritor em tal
capítulo, ou não passam de curiosidades históricas as
ilustrações que o exornam?
Compreendem-se, depois do que acabo de afirmar,
a perturbação e o enleio de Helvetius e Sourin, receo-
sos de que o Espírito das leis não fosse comprometer os
créditos literários do presidente do parlamento de Bor-
deaux, apesar da amenidade do estilo, da poesia que se
derrama por todo o livro. Compreende-se também os
epigramas e as ironias de Voltaire. Mas não é possível
justificar plenamente os primeiros nem aplaudir incon-
dicionalmente o último.
O livro é desigual, mas tem grandiosidades que
provocarão sempre a admiração dos que o lerem.
Montesquieu1 consumiu vinte anos em seu prepa-
ro, mas não o pôde expurgar inteiramente das jaças que
lhe obscurecem o brilho. Desde a sua primeira edição,
1. Charles de Secondat, barão de Bréde e de Montesquieu, nas-
ceu em Bordeaux, em 1689, e faleceu em 1755. Além do Es-
pírito das leis, são de alto merecimento as suas Lettres persanes
(1721), e as Considerations sur les causes de la grandeur et de la
decadence des romains (1734).
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