Morrer e suceder concorrentemente: presentificação do passado

AutorGiselda Hironaka
Páginas429-438
MORRER E SUCEDER CONCORRENTEMENTE:
PRESENTIFICAÇÃO DO PASSADO1
Giselda Hironaka
Sumário: 1. Primeiras palavras – 2. O direito das sucessões na constituição de 1988 e no Código Civil de
2002. A “presenticação do passado” – 3. Principais transformações do direito das sucessões: o papel
do Poder Judiciário; 3.1 Inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC; 3.2 Concorrência do cônjuge ou do
companheiro sobrevivo com descendência híbrida do falecido; 3.3 A solução construída, em junho de
2019, pelo Superior Tribunal de Justiça.
1. PRIMEIRAS PALAVRAS2
Morrer e suceder são episódios de uma sequência que perfaz um círculo contínuo
na história da humanidade, desde sempre.
Com diferentes costumes, por diversos modos e sob variadas formas e condutas,
esse sequenciamento sempre se produziu, com uns ocupando os lugares deixados por
outros, diante de suas mortes, quer isso ocorresse por força de obrigação, de lei ou por
vontade própria. Porque nem sempre é conveniente ou agradável tal sub-rogação nos
direitos e nos deveres de outra pessoa, em razão do falecimento desta, e nem sempre há
mais bônus que ônus. Mas, enm, a sucessão decorrente da morte se opera, e a trans-
missão de todo o cabedal patrimonial e obrigacional que pertencesse a alguém passará
para outrem, em um moto contínuo que se repete geração após geração.
Para se realizar uma pesquisa ou um estudo sobre direito sucessório, não há outra
possibilidade de trajetória a não ser aquela que nos leva a reetir sobre a morte, fato
humano e natural, desencadeador de todo o fenômeno da transmissão causa mortis, vale
dizer, da sucessão de bens, direitos e obrigações, que acontece em razão do falecimento
de certa pessoa.
Sim, a morte é uma das únicas certezas da vida humana.3 Vivemos para morrer um
dia. Mesmo que estejamos certos de que haverá outra chance em alguma espécie de vida
1. Texto escrito, originalmente, a partir de palestra ministrada pela autora, em 19 de novembro de 2019, na cidade
de Belém, no Congresso do IBDFAM/Pará. O subtítulo – presenticação do passado – segue em homenagem ao
Ministro Luiz Edson Fachin, dado que conheci esta expressão, certo dia, ouvindo-o. Esta presente versão, revista,
destina-se a compor obra coletiva que homenageará a Professora Titular Heloisa Helena Barboza (UERJ) por
ocasião de seus 40 anos de docência.
2. Parte desta abertura denominada “Primeiras palavras” eu a retirei da Introdução de meu livro Morrer e suceder:
passado e presente da transmissão sucessór ia concorrente.
3. Interessante é a visão do budismo, por meio da sua mitologia, na busca de procurar armar a inevitabilidade da
morte. Relata Eduardo Giorgi, em seu Estudo teórico da morte, que “a doutrina budista nos conta a Parábola
do Grão de Mostarda: uma mulher com o lho morto nos braços procura Buda e suplica que o faça reviver.
Buda pede à mulher que consiga alguns grãos de mostarda para fazê-lo reviver. No entanto, a mulher deveria
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