A normalização no contexto normativo

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas321-334

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Faremos a seguir breve exposição sobre o arcabouço do ordenamento jurídico brasileiro; normas legais e sua hierarquia; o poder que a Constituição Federal atribui ao Poder Executivo, de expedir atos normativos e regulamentações (Poder Regulamentar); e conceitos gerais sobre atos administrativos (normativos e ordinatórios), que são matérias que permitem situar as normas técnicas, no contexto normativo.

Normas legais e sua hierarquia

Lei é uma norma jurídica, criada através dos processos próprios do ato normativo e estabelecida pelas autoridades competentes para o efeito.

De forma geral, lei é toda regra jurídica, escrita ou não, que abrange os costumes e todas as normas formalmente produzidas pelo Estado.

As normas legais obedecem a uma hierarquia, de modo que a inferior não pode contrariar a superior, sob pena de ser inválida e inexequível. A hierarquia, da maior para a menor, é a seguinte:

1) Constituição Federal;

2) Leis Complementares;

3) Leis Ordinárias;

4) Medidas Provisórias e Decretos-Leis;

5) Regulamentos, Portarias, Resoluções e Deliberações.

A Constituição Federal é a mais importante das normas, e todas nela se fundam. As normas que a contrariam são consideradas inconstitucionais e não têm eficácia. Nela estão inseridos todos os princípios básicos da nação. A Constituição Federal pode sofrer alterações pelo processo legislativo, por meio de emendas que, aprovadas, passam a incorporar o corpo constitucional.

A Lei Complementar, como seu nome revela, tem o caráter de complementar a Constituição. A própria Constituição prevê as possibilidades de seu uso, e ela tem a finalidade de esclarecer e/ou detalhar e garantir aplicabilidade prática da Lei Maior. Diferentemente das Leis Ordinárias, as Leis Complementares exigem maioria absoluta para sua aprovação.

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As Leis Ordinárias podem tratar de qualquer assunto que não exija Lei Complementar.

Medidas Provisórias – Na Constituição de 1988, os Decretos-Lei foram substituídos pela Medida Provisória. Aqueles também podiam ser editados pelo Presidente da República no caso de urgência ou de interesse público, desde que não resultasse em aumento de despesa, e deviam ser apreciados em 60 dias; se não o fossem, seriam considerados aprovados. Ainda existem Decretos-Lei em vigor. As Medidas Provisórias são de competência do Presidente da República em casos de relevância e urgência (art. 62 da CF), e perdem a sua eficácia se não forem convertidas em lei no prazo de 30 dias a partir da publicação.

Regulamentos – Têm fundamento no art. 84, IV da CF, e a finalidade de regulamentar as leis. Existem situações em que a lei dá competência específica para determinados órgãos, para regulamentá-la, o que se faz, em geral, por meio de atos denominados Resoluções, Regulamentos, Deliberações, Portarias etc.

Quanto à extensão territorial, as leis dividem-se em: federais, estaduais e municipais. Leis federais são as votadas pelo Congresso Nacional, com aplicação normal a todo o território nacional. Leis estaduais são as que votam as Assembleias Legislativas de cada Estado da Federação, com aplicação restrita à circunscrição territorial respectiva. Leis municipais são as que as Câmaras de Vereadores aprovam e só vigem nos limites territoriais dos respectivos municípios.

A repartição da competência legislativa entre os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pode ser horizontal, na qual se estabelecem campos materiais distintos, cabendo à União as matérias em que predomine o interesse nacional; aos Estados as de interesse regional e ao Distrito Federal e Municípios as de interesse local, conforme definido pela Constituição Federal. Por outro lado, a repartição da competência legislativa também pode ser vertical, conforme o art. 24, da Constituição Federal597, que estabelece a

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competência legislativa concorrente, na qual um ente estabelecerá as normas gerais e o outro, as normas suplementares.

Poder regulamentar (poder normativo)

O poder regulamentar é atribuído pela Constituição Federal ao Chefe do Poder Executivo e aplica-se para regular qualquer matéria em relação à qual o Poder Legislativo não tenha legislado. Compreende a edição de atos normativos com conteúdo material de lei, mas de hierarquia infralegal, e limita-se à atividade de viabilizar a aplicação de lei ordinária. Em outras palavras, poder regulamentar é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e possibilitar sua efetiva aplicação. Seu alcance é apenas de norma complementar à lei; não pode, pois, a Administração, alterá-la a pretexto de estar regulamentando-a.

Enquanto as leis constituem atos de natureza originária (ou primária), emanados diretamente da Constituição, o poder regulamentar é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz de lei existente.

O poder regulamentar materializa-se, principalmente, por meio de decretos. Nesse sentido, o art. 84, IV598, da Constituição dispõe que ao Presidente da República compete “expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis”.

Há também atos normativos que, editados por outras autoridades administrativas, estão inseridos no poder regulamentar. É o caso das instruções normativas, resoluções, portarias etc. Tais atos têm, frequentemente, um âmbito de aplicação mais restrito, porém, veiculando normas gerais e abstratas para a explicitação das leis, também são meios de formalização do poder regulamentar.

Os decretos são considerados atos de regulamentação de primeiro grau, os outros atos que os regulamentem, com maior detalhamento, podem ser qualificados como atos de regulamentação de segundo grau, e assim por diante.

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Embora, em regra, o poder regulamentar se materialize por meio de decretos, existem situações especiais em que a lei indica, para sua regulamentação, ato de formalização diversa, como, por exemplo, Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

O poder da Administração Pública de editar normas de hierarquia inferior aos regulamentos é também chamado de poder normativo.

24.2. 1 Atos administrativos

A Administração Pública, ao agir, realiza uma função, e o faz por meio de atos jurídicos. O ato administrativo é um enunciado, uma declaração que produz efeitos jurídicos. No dizer de Meirelles:

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da administração pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria599.

Esse conceito refere-se apenas ao ato administrativo unilateral, que é formado com a vontade única da Administração. Os atos bilaterais verificam-se nos contratos administrativos.

Os atos administrativos, como provêm do Poder Público, são dotados de atributos que os tornam diferentes dos atos jurídicos no âmbito privado. Esses atributos gravam nos atos administrativos características que lhes são próprias, não encontradas nos negócios jurídicos entre particulares, e consistem, além da tipicidade, em presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade.

Imperatividade é a qualidade pela qual os atos administrativos são impostos a terceiros, quando não dependem de sua concordância, em razão de sua exigibilidade.

São cogentes, na medida em que obrigam todos que se encontrem sob sua incidência, mesmo que venham a contrariar interesses privados. Ainda conforme Meirelles:

A imperatividade decorre da só existência do ato administrativo, não dependendo da sua declaração de validade ou invalidade. Assim sendo, todo ato dotado de imperatividade deve ser cumprido ou atendido enquanto não for

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retirado do mundo jurídico por revogação ou anulação, mesmo porque as manifestações de vontade do Poder Público trazem em si a presunção de legitimidade600.

24.2. 2 Atos administrativos normativos e ordinatórios

Os atos administrativos de caráter geral classificam-se em atos administrativos normativos (incluindo decretos regulamentares, instruções normativas, regimen-tos, resoluções e deliberações) e atos administrativos ordinatórios (instruções, circulares, avisos e portarias), e a competência para a expedição destes últimos é generalizada e capilarizada na Administração em suas diferentes esferas hierárquicas601.

Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal atribui ao Presidente da República o poder regulamentar (art. 84, IV602), também atribui aos Ministros de Estado a competência para “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”, conforme previsto no seu art. 87, II603.

A competência prevista no art. 87, II, reservada aos Ministros de Estado, resulta em atos que, nos termos da Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998, têm definição legal de atos normativos inferiores, e que a doutrina jurídica denomina de atos jurídicos subalternos.

Assim legitimados, os Ministros de Estado dispõem de um poder normativo que se exterioriza por resoluções, instruções e portarias.

O poder normativo de outros órgãos ou autoridades, além dos Ministros de Estado, seria concebível em se...

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