Vícios ou defeitos por violação às normas técnicas

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas362-376

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Sobre a escalada da importância e da obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas

As normas técnicas foram ganhando importância com o passar do tempo, paulatinamente, quer pela necessidade derivada da massificação do consumo (que impõe a proteção ao consumidor e o atendimento a determinados padrões mínimos, que as normas técnicas estabelecem); quer pela globalização (que também impõe determinados padrões aos produtos importados e exportados); quer pela valorização da boa-fé objetiva nas relações contratuais, sobretudo a partir do Código Civil de 2002; quer pelas leis que foram sendo editadas ao longo do tempo, determinando o atendimento das normas técnicas; enfim, devido a uma série de fatores, as normas técnicas ganharam importância ao longo do tempo e a maioria delas passou a ser exigível, a ter força obrigatória.

A obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas decorre de vários fatores e princípios, previstos implícita ou expressamente em diversos dispositivos legais e aplicáveis às relações de um modo geral, quer se tratem de relação de consumo, quer não. São obrigações que se enquadram no plano geral de responsabilidades, cujo descumprimento, a exemplo das leis, traz consequências para o seu autor, provando que as normas técnicas têm eficácia.

Além dos fatores de natureza jurídica adiante comentados, há também fatores de ordem comercial, que impõem a obrigatoriedade de atendimento às normas técnicas, pois na sociedade globalizada, seria inviável a exportação se os países compradores imaginassem que os produtos importados não possuem os requisitos básicos de qualidade, ou seja, que não atendem as normas técnicas próprias.

Outro fator que contribui para a crescente importância das normas técnicas, decorre da cláusula que se vê cada vez mais presente nos contratos de fornecimento, em que o comprador exige que os produtos ou serviços a serem fornecidos atendam as normas técnicas pertinentes. Essa exigência genérica, faz com que os fornecedores de modo geral, se preocupem com o atendimento às normas técnicas, irradiando a exigência na cadeia de fabricação e fornecimento.

Um bom exemplo sobre a evolução do entendimento e a escalada da importância das normas técnicas no âmbito do Direito do Consumidor, pode se extrair da Nota Conjunta n. 318, de 29 de setembro de 2006, do Departamento de Proteção

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e Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Até a edição da referida Nota Conjunta n. 318, vigorava o entendimento consagrado na Súmula 2, de 19 de abril de 1993, da própria Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça667, de que as normas técnicas, da ABNT, eram de cumprimento facultativo668 . Todavia, a Nota Conjunta n. 318, do DPDC, da SDE, fundamentou e consolidou o entendimento em sentido diverso, isto é, de que há obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas no âmbito das relações de consumo669 e declarou sem efeito a citada Súmula 2, que anteriormente preconizava o caráter facultativo do seu cumprimento.

Para sintetizar os fundamentos de natureza jurídica que estabelecem a obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas, temos que, dependendo da situação, pode se tratar: (a) de um dever ético profissional (no caso das profissões técnicas); (b) de um dever contratual (do produtor ou fornecedor); e (c) de um dever legal (quando a lei assim o determina).

A obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas nas profissões técnicas (engenharia e arquitetura)

O Código de Ética Profissional do Engenheiro e Engenheiro-agrônomo, adotado pela Resolução n. 1.002/2002, do CONFEA, estabelece que a prática da profissão é fundada nos princípios éticos referidos no seu art. 8º, nos quais o profissional deve pautar a sua conduta, entre eles a realização da profissão pelo cumprimento responsável e competente dos compromissos profissionais, munindo-se de técnicas adequadas670. Aqui a primeira referência à obrigação de atendimento às normas técnicas, na medida em que elas fornecem as técnicas adequadas para a realização dos trabalhos, de modo geral, das quais devem se munir os engenheiros.

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Mais adiante, em seu art. 9º, O Código de Ética Profissional da Engenharia estabelece, como dever profissional do engenheiro nas relações com os clientes, empregadores e colaboradores, alertar sobre os riscos e responsabilidades relativos às prescrições técnicas e às consequências presumíveis de sua inobservância, ressaltando a importância e a preocupação com a observância das normas técnicas no exercício da profissão671.

Em sua versão anterior, o Código de Ética Profissional do Engenheiro e Engenheiro Agrônomo (que antes da Lei n. 12.378/2010 também era aplicável aos arquitetos e urbanistas), era mais explícito quando estabelecia, em seu artigo 6º, que os profissionais da Engenharia e da Arquitetura devem atuar “dentro da melhor técnica”, ou “conforme a boa técnica”, o que vale dizer que deviam – como efetivamente devem – atender às normas técnicas672. A propósito, no Código de Ética Profissional da Engenharia constam duas outras referências genéricas, que também se aplicam ao cumprimento das normas técnicas, a primeira quando estabelece como dever do profissional adequar sua forma de expressão às normas vigentes aplicáveis (aqui no sentido genérico, permitindo compreender também a norma técnica que estabelece os requisitos para a apresentação do laudo pericial – vide NBR 13752 – Perícias de Engenharia na Construção Civil), e a segunda quando estabelece o dever de manter-se informado sobre as normas que regulamentam o exercício da profissão673.

No tocante aos arquitetos e urbanistas, a Lei n. 12.378/2010 (que regulamenta o exercício dessas profissões) prevê que, no exercício da profissão, o arquiteto e urbanista deve pautar sua conduta pelos parâmetros do Código de Ética e Disciplina do CAU/BR674 e, no seu artigo 18, inciso IX, define como infração disciplinar, além de outras previstas na lei e no Código de Ética e Disciplina, deixar de observar as normas técnicas pertinentes na execução de atividades de Arquitetura e

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Urbanismo, de modo que o atendimento às normas técnicas é também um dever profissional para arquitetos e urbanistas675.

Trata-se, portanto, de um dever ético-profissional para todos aqueles que lidam com produtos ou executam trabalhos já normalizados, sendo certo que o desrespeito aos preceitos éticos previstos no Código de Ética Profissional, no caso dos engenheiros e engenheiros agrônomos, é punido com uma das sanções previstas no artigo 72 da Lei n. 5.194/66, ou seja, advertência reservada ou censura pública, aplicadas ao infrator (sempre um profissional), e, no caso dos arquitetos e urbanistas, é punido com uma das sanções previstas no artigo 19 da Lei n. 12.378/2010, ou seja, advertência, suspensão do exercício da atividade, cancelamento do registro e multa. Importante observar que essas sanções podem ser aplicadas às sociedades de prestação de serviços com atuação nos campos da Arquitetura e Urbanismo, sem prejuízo da responsabilização da pessoa natural do arquiteto e urbanista, conforme previsto no § 2º, do referido art. 19 da mesma lei.

Segundo Hely Lopes Meirelles, o conhecimento e a observância dessas prescrições técnicas constituem um dever ético-profissional para todos aqueles que lidam com produtos ou executam trabalhos já normalizados676.

Daí a obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas, sob o aspecto ético-profissional, pelos profissionais da Engenharia e da Arquitetura e Urbanismo.

A obrigatoriedade de cumprimento das normas técnicas pelos produtores ou fornecedores (obrigação contratual)

É obrigação do fabricante, produtor ou construtor, fornecer um produto ou serviço de qualidade, que atenda aos requisitos mínimos de aceitação, sob pena de rejeição do produto, abatimento do preço (ou indenização pela depreciação) ou rescisão do contrato sem considerar o risco de responsabilização por eventuais problemas futuros.

Ora, se as normas prescrevem procedimentos, cuidados, técnicas, que são validados e certificados por órgão competente e constituem o extrato dos requisitos para um produto ou serviço de boa qualidade, o atendimento a tais normas é obrigatório para quem tem o dever de fornecer um produto de boa qualidade.

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Basta ver que o Código Civil estabelece, no art. 615, a obrigação do dono da obra de recebê-la quando da sua conclusão, salvo se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza. Ou seja, o dono da obra pode enjeitá-la se o construtor não seguiu as normas técnicas677. Em seguida, no art. 616, o Código Civil refere-se à segunda parte do art. 615 (descumprimento das normas técnicas), para prever que, nesses casos, quem encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, pode recebê-la com abatimento do preço678.

Nas relações de consumo, além de serem aplicáveis os dispositivos legais acima comentados, o CDC estabelece expressamente, nos artigos 18 e 20, a responsabilidade dos fornecedores de produtos ou serviços por vícios de qualidade (e a falta de atendimento às normas técnicas gera, em princípio, um...

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