O pagamento de lucros e resulta dos a diretores estatutários ? Reflexos no custeio previdenciário

AutorFábio Zambitte Ibrahim
Páginas165-170

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Fábio Zambitte Ibrahim 1

Introdução

A temática dos lucros e resultados e seus reflexos previdenciários continua na ordem do dia. Além das complexidades na avaliação dos programas ofertados a empregados, os planos direcionados a dirigentes de sociedades anônimas entrou no debate, tendo em vista a opinião rigorosa do fisco pela incidência das contribuições previdenciárias, pouco importando as características do plano e adequação à legislação específica.

No presente artigo, a questão será apreciada de forma acadêmica e afastada das paixões que movem a matéria nas instâncias administrativa e judicial. A contribuição previdenciária tem base imponível delimitada constitucionalmente, e deve ser a partir dessa premissa que o estudo se desenvolverá.

Fundamentos normativos da contribuição previdenciária patronal – rendimentos do trabalho versus rendimentos do capital

A base normativa das contribuições previdenciárias, além do art. 195, I, a, da Constituição, é a Lei n. 8.212/1991. Esta, até pela delimitação expressa da Lei Maior, restringe a tributação previdenciária a rendimentos do trabalho, somente2. Tanto histórica como normativamente, a contribuição previdenciária é adstrita a rendimentos do trabalho, tendo em vista o objetivo das prestações previdenciárias de substituir rendimentos habituais do trabalhador, os quais, por regra, são derivados da atividade laboral, ou seja, a legislação vigente, de forma muito clara, delimita a incidência previdenciária, em qualquer hipótese, a rendimentos do trabalho. A dicotomia entre rendimentos do trabalho e capital, de forma alguma, é tema inédito. Desde Adam Smith, é consensual que o salário decorre do trabalho, enquanto o lucro retrata o rendimento do capital investido pelo empresário3.

Mesmo na atualidade, os economistas contemporâneos, ainda que eventualmente críticos às premissas e consequências do sistema capitalista, não arguem qualquer contrariedade a esta clássica concepção.

É também intuitivo, mesmo para o público leigo, que um conceito não se confunde com o outro. É natural e facilmente perceptível que o trabalho, de modo algum, possui liame imediato com o lucro. Não são incomuns as situações de empresários que, mesmo após

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longa dedicação ao seu mister, não alcançam qualquer proveito econômico e, não raramente, ainda observam relevante perda patrimonial. Já para trabalhadores, com ou sem vínculo empregatício, o rendimento do trabalho é assegurado pela lei, pois não cabe a eles o risco da atividade econômica, o qual é assumido pelo empresário. Seus rendimentos traduzem mera contraprestação pela atividade profissional desempenhada.4

Por fim, a distinção encontra espaço, também, no direito positivo brasileiro, por meio do art. 43 do Código Tributário Nacional – CTN, o qual dispõe:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econô-mica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (grifei)

Como se nota do art. 43, I, do CTN, renda tributável, para fins do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, é aquela decorrente do produto do capital e/ou trabalho, ou seja, se há incremento patrimonial – e este é o aspecto nuclear do imposto sobre a renda – proveniente de lucros da atividade econômica pelo empresário ou, cumulativamente, das retribuições pecuniárias pelos seus serviços, há, em qualquer hipótese, renda tributável.

A base de incidência do imposto de renda é mais ampla que os rendimentos do trabalho. Incluem-se proventos de capital e trabalho. Ambos configuram renda. A dicção legal é cristalina e não deixa qualquer dúvida sobre a separação necessária entre os conceitos. Igualmente transparente a Constituição de 1988, mesmo após a EC n. 20/1998, ao optar por tributar, para fins previdenciários, somente os rendimentos do trabalho.

Aqui, enfim, são extraíveis duas conclusões importantes. Primeiro, existe uma distinção relevante, reconhecida ontológica e normativamente, entre rendimentos do trabalho e do capital. Segundo, tal distinção, ainda que secundária para o imposto de renda, tendo em vista seu foco na majoração do patrimônio do contribuinte (renda líquida), é fundamental para a contribuição previdenciária patronal, restrita, por mandamento constitucional e legal expresso, a rendimentos do trabalho, somente. Ignorar tal previsão traz como consequência o equívoco da tributação previdenciária sobre lucros e resultados a administradores não empregados.

A impossibilidade de contribuição previdenciária patronal de acordo com a legislação previdenciária e a lei n 6.404/1976

Após o advento da Emenda Constitucional n. 20/1998, ao ampliar as possibilidades de incidência da cota patronal previdenciária, a correspondente adequação legal veio com a Lei n. 9.876/1999, ao dar nova redação ao art. 22, I, da Lei n. 8.212/1991, responsável pela previsão da cota patronal previdenciária:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (grifei)

Como se nota – e não poderia ser diferente – o legislador ordinário, em perfeita adequação ao novo mandamento constitucional, alargou a incidência da cota patronal previdenciária, como era desejado desde a Lei n. 7.787/1989, mas, desta vez, com a competência tributária prévia devidamente estabelecida. No entanto, como se percebe do preceito reproduzido, a incidência é, ainda, restrita aos rendimentos do trabalho.

Dito de outra forma, amplia-se a base de incidência da cota patronal não por incluir valores outros além dos rendimentos do trabalho, mas, unicamente, pela inserção de remunerações pagas ou devidas a outros segurados, além de empregados. Este sempre foi o objetivo da alteração constitucional, aqui devidamente conquistado. Novamente, não há qualquer previsão na Lei n. 8.212/1991 que albergue a incidência de contribuições previdenciárias sobre os lucros e resultados de diretores não empregados, qualificados como contribuintes individuais na Lei n. 8.212/

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1991 (art. 12, V, f). Não é de imposto de renda que se trata, mas sim de contribuição previdenciária.

Neste ponto, merece referência a Lei n. 8.212⁄1991, no art. 28, III, a qual prevê, como salário de contribuição de contribuintes individuais, a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria. O pagamento de lucros e resultados, como visto, não reflete remuneração, pois não se trata de rendimento do trabalho. Aqui, não há inclusão de tais valores na base previdenciária, seja do segurado, seja da empresa. O próprio Regulamento da Previdência Social – RPS, no art. 201, § 5º, expressa que, somente na hipótese de ausência de discriminação entre a remuneração do capital e do trabalho, haverá a potencial incidência sobre o total pago ou creditado ao contribuinte individual, haja vista a possível fraude. Assim...

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