A possibilidade de compensação do crédito tributário antes do trânsito em julgado

AutorTheodoro Vicente Agostinho e Marcelino Alves de Alcântara
Páginas193-200

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Theodoro Vicente Agostinho 1

Marcelino Alves de Alcântara 2

Introdução

A compensação é instituto jurídico disciplinado pelo art. 368 do Código Civil, nos seguintes termos: “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.” Não obstante a reciprocidade das obrigações, considera-se condição intrínseca à compensação, a liquidez e a exigibilidade atual das dívidas, assim como a fungibilidade dos débitos (CC/2002, arts. 369 e 370).

Nesse contexto, a compensação adquire relevância econômica e jurídica, representando importante instrumento de equilíbrio entre crédito e débito, possibilitando aos contribuintes a satisfação de seus créditos ativos perante a Fazenda Pública.

O Código Tributário Nacional consagrou-a como uma das modalidades de extinção do crédito tributário (art. 156, II)3, mas omitiu-se no que se refere a sua regulamentação, remetendo, por seu turno, aos entes tributantes a competência para editar lei ordinária que a autorize, conforme dispõe o art. 170 do CTN, in litteris:

A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

Infere-se do dispositivo supramencionado que, além da aprovação em lei específica (nestes termos, verifica-se uma vinculação inafastável ao princípio da estrita legalidade) de cada um dos entes federados, os quais deverão instituir e regular esse instituto no âmbito de sua competência fiscal4, outro requisito legalmente previsto para a compensação é a espera do trânsito em julgado da decisão judicial.

Em outras palavras, o art. 170-A dirige à autoridade administrativa a incumbência de recusar a compensação que extinguiria o crédito tributário do contribuinte, enquanto não transitar em julgado a decisão que reconheça a existência desse crédito.

A esse respeito, tendo em vista que referido dispositivo foi incluído no Código Tributário Nacional

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em 2001, pela Lei Complementar n. 104/2001, surge a necessidade de debatê-lo e reinterpretá-lo à luz dos institutos processuais da Repercussão Geral, no Supremo Tribunal Federal5 e dos Recursos Repetitivos, no Superior Tribunal de Justiça6.

Desse modo, faz-se necessário problematizar o instituto da compensação tributária (notadamente no âmbito federal) a fim de enquadrá-lo na ordem jurídica atual, qual seja, no contexto de inovações no debate, questionando soluções mais eficazes nessa relação entre o fisco e o contribuinte.

Feitas estas breves considerações, buscaremos analisar o teor do art. 170-A do Código Tributário Nacional considerando a restrição imposta pelo legislador em relação ao trânsito em julgado.

O instituto da compensação

Como visto acima, o instituto da compensação encontra-se previsto no art. 156 do Código Tributário Nacional, mais precisamente, na segunda hipótese de extinção do crédito tributário.

Esse encontro de contas entre fisco e contribuinte é acolhido pelo Código Tributário Nacional desde que ressalvada, em atendimento ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos, a exigência de autorização legal.

Desse modo, a possibilidade de compensação está condicionada à lei ordinária a ser editada pelos respectivos entes federados. Em se tratando da União Federal, a hipótese encontra seu fundamento no art. 74 da Lei n. 9.430/19967.

No mais, aquilo que definimos como “obrigação tributária” está diretamente vinculado à relação instituída entre o sujeito ativo (credor) e sujeito passivo (devedor), tendo como objeto uma prestação de natureza pecuniária, nos termos do art. 3º do Código Tributário Nacional8.

Verifica-se, nesse contexto, que o tributo será o valor, decorrente de uma obrigação, devido pelo sujeito passivo ao sujeito ativo. Tal situação, configura a regra, a qual é excepcionada pelo “crédito do sujeito passivo”, situação que ocorre quando o fisco, excepcionalmente, figurará no polo passivo da relação jurídica.

E, nesse ponto, observa-se que o termo tributo não pode ser confundido com “créditos do sujeito passivo”. Essa, inclusive, é a lição do Professor Paulo de Barros Carvalho:

Eis o motivo pelo qual defino “crédito tributário” como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representando por uma importância em dinheiro, tendo ele nascimento com a construção de um enunciado fáctico, posto pelo consequente de norma individual e concreta.

Por outro lado, situações há em que o Fisco figura no pólo passivo da relação jurídica. Fala-se, nesse caso, em “débito do Fisco”, consequência do pagamento indevido, e constituído, também, no consequente de outra norma individual e concreta.9

Temos, portanto, a formação da relação jurídico-tributária, qual seja: crédito tributário (direito subjetivo de o fisco receber determinada prestação patrimonial do sujeito passivo) e débito do Fisco (dever jurídico de o Fisco devolver determinada prestação patrimonial ao

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sujeito passivo), que figuram em lados opostos e, ao se encontrarem, como forças atuantes na relação obrigacional, anulam-se. Nesse sentido, leciona J. M. Carvalho Santos:

A compensação não é senão uma forma de pagamento, precisamente porque faz extinguir as obrigações. A diferença única está em que, na compensação, o pagamento é feito, obrigatoriamente em virtude de lei, sem necessidade de o devedor entregar ao credor a importância devida. O próprio credor se paga deixando de pagar o que deve ao seu devedor.10

Assim, dentre os requisitos mínimos estabelecidos para que a compensação possa ser autorizada por cada ente federativo, encontram-se as seguintes exigências:

(I) reciprocidade de obrigações; (ii) liquidez das dívidas; (iii) exigibilidade das obrigações; e (iv) fungibili-dade das coisas devidas.

Por fim, é importante ressaltar que, atualmente, não é mais necessária a prévia autorização do fisco para a realização da compensação. Em síntese, trata-se de um ato unilateral do contribuinte (sujeito à fiscalização da Receita Federal do Brasil)11.

Interpretação ao art 170-a do código tributário nacional

O art. 170-A do CTN, introduzido pela Lei Complementar n. 104/2001, manifestamente disciplinou uma vedação quanto ao momento processual em que a compensação pode ser feita: após o trânsito em julgado da ação judicial na qual esse direito está sendo pleiteado.

Extrai-se do referido dispositivo legal que a intenção do legislador foi garantir segurança às relações jurídicas, a fim de evitar a compensação naqueles casos em que o contribuinte questiona a validade do tributo. Buscou-se, portanto, evitar o risco que poderia ser causado ao erário, ante a incerteza do resultado da demanda.

Tal limitação é plenamente compreensível considerando-se que o processo judicial, nos moldes então vigentes, não permitia decisões que produzissem efeitos que ultrapassassem o interesse das partes litigantes.

Ocorre que, diante das alterações sofridas após a edição do art. 170-A do CTN, surgiu a necessidade de sua reinterpretação, adequando seus preceitos ao momento jurídico atual, a fim de possibilitar a harmonia das normas jurídicas vigentes em nosso ordenamento,

Assim, analisando o preceito normativo sob a luz das decisões prolatadas na sistemática da Repercussão Geral ou Recurso Repetitivo 12, a necessidade do trânsito em julgado não estaria mitigada?

Pois bem. Em análise mais realista da conjuntura jurídica atual, considera-se a circunstância de que não haveria mais razão para a discussão judicial, uma vez que, ao tratar-se de recursos sobre idêntica matéria, estes devem seguir os precedentes das cortes superiores e instâncias administrativas.

Em outras palavras, a norma extraída do art. 170-A do CTN poderia ser excepcionada, considerando-se a compensação tributária na pendência de decisão judicial definitiva, doravante a orientação do STF ou do STJ, vinculando as instâncias inferiores.

A fim de alçar legitimidade ao argumento, uma das inovações apresentadas foi a alteração da Lei n. 10.522/2002 pela Lei n. 12.844/2013 13, oferecendo a prerrogativa para que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional deixe de contestar, recorrer ou desistir de recursos já interpostos nos casos em que exista decisão proferida nos termos dos arts. 543-B e 533-C do CPC/1973 (correspondente ao art. 1.036 do NCPC).

A observância pela uniformização dos entendimentos e celeridade processual não foi preterida no

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Novo Código de Processo Civil, eis que referido diploma consagrou a valorização dos procedentes judiciais. Inclusive, no que tange à repercussão geral e julgamento de recursos repetitivos, os mecanismos estão mais efetivos com o “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”14.

Desse modo, a reinterpretação que se busca alcançar diz respeito à adequação do art. 170-A do CTN, especialmente, aos institutos da Repercussão geral, amparada por decisões proferidas pelo STF e/ou pelo STJ, em sede de Recursos Repetitivos.

Em linhas gerais, se o sistema jurídico foi alterado posteriormente à edição do dispositivo em análise, deverá ser interpretado em consonância com as normas que instrumentalizam as garantias...

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