Pagamento de lucros e resultados ? Condições legais para não incidência de contribuição previdenciária e controvérsias jurisprudenciais na interpretação da norma legal

AutorAna Paula Fernandes
Páginas153-164

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ana Paula Fernandes 1

Introdução

O pagamento da participação nos lucros e resultados – PLR, para trabalhadores, empregados ou não de uma empresa, sem o recolhimento da contribuição previdenciária, está assegurado pelo art. 7º, inciso XI, da CF.

O dispositivo estabelece que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa. Assim, se a participação dos lucros está excluída do conceito de remuneração, a contribuição incidirá apenas sobre os demais rendimentos, estes sim, de caráter remuneratório.

Esta previsão tem um contexto histórico importante, permitir que o Brasil seja competitivo no mercado internacional, gerando oportunidade de negócios e em contrapartida participação de ordem financeira aos empregados.

Há notícias da prática do Instituto da Participação em Lucros desde o século XVIII como método de incentivo e combate a greves. No século XIX, inclusive, o Instituto foi defendido pela Igreja Católica como método de distribuição de justiça social.

No Brasil o Instituto sempre foi muito utilizado, mas somente com advento da Constituição Federal de 1988, posteriormente regulamentado pela Lei n. 10.101/2000, que as parcelas pagas aos empregados a este título deixaram de sofrer a incidência da contribuição previdenciária, tributação esta que por vezes pesa nos custos da iniciativa privada e dificulta as condições reais de participação de empresas brasileiras no mercado externo.

O instrumento é fundamental às Empresas como instrumento de gestão e inclusão no mercado, auxilia no alcance de metas e traz o diferencial necessário para trabalhar melhor a margem de lucratividade sem influenciar no preço final do produto.

Ganha o empregador e ganha o empregado, eis que ambos podem usufruir dos benefícios da referida norma. Contudo, para que a parcela paga aos empregados a título de PLR não seja tributada há que se cumprir uma extensa lista de requisitos dispostos na lei, os quais muitas vezes ainda são agravados pela interpretação dada pelo Fisco à regra.

O intuito deste artigo é demonstrar quais regras são estas e qual o posicionamento do Poder Judiciário e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF sobre a interpretação e aplicação da regra aos casos que tramitam no conselho para julgamento.

Pagamento de lucros e resultados – plr

Para melhor compreender a incidência ou não de contribuição previdenciária sobre a Participação em Lucros e Resultados é importante primeiro entender o conceito e abrangência do instituto.

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A PLR é tida como um elemento fundamental de gestão, surgiu da Administração participativa, a qual entende que a organização deve ter sua estrutura hierárquica horizontal com um mínimo de níveis possível. Por meio da administração participativa, os funcionários são integrados, podendo participar das decisões, além de participar financeiramente dos lucros e resultados da empresa.

Historicamente, o primeiro registro de participação de funcionários nos lucros ou resultados de uma organização, segundo Martins2, data de 1794:

(...) Albert Gallatin, secretário do Tesouro de Jefferson, distribuiu aos empregados uma parte dos lucros das indústrias de vidro. Napoleão Bonaparte em 1812 por meio de um decreto concedeu, também, aos artistas de Comédie Française a participação nos lucros após o calculo financeiro do final do ano. De forma mais sistematizada, a participação passou a ser observada na Inglaterra em 1850 como forma de combater os movimentos grevistas. Nos Estados Unidos a ideia chega em meados do século XIX, ano de 1889. A discussão sobre a participação dos trabalhadores nos lucros teve o apoio da Igreja Católica com o Papa Leão XIII que na encíclica “Rerum Novarum” de 1891, preconizava a participação nos lucros pelos trabalhadores como medida de justiça social.

Mas, é somente após a Segunda Guerra Mundial que a PLR ganha efetiva realidade nas empresas e, a partir da década de 1950, com a influência das organizações japonesas, ela se solidifica nas relações de trabalho. A remuneração variável surge como alternativa de modernização e motivação das relações produtivas para as organizações.

De acordo com Tuma3, muitas empresas avançaram para a Administração Participativa, implementando a PLR, empurradas pela revolução tecnológica e pelo desafio da competitividade. A abertura dos mercados e a globalização da economia, entre outros fatores, criaram um ambiente de competitividade que obrigou as empresas a focalizar o planejamento estratégico em duas prioridades: satisfação dos clientes e aumento da produtividade. Por outro lado, os impactos da tecnologia da informação simplificaram e, ao mesmo tempo, sofisticaram as organizações.

Neste cenário que a PLR passa a integrar diver-sos textos constitucionais do Brasil, mas, somente a redação da Carta Constitucional de 1988 que vem a ser regulamentada no ordenamento jurídico, trazendo efetividade jurídica ao Instituto.

Mesmo assim, as discussões jurídicas sobre o tema se multiplicaram, isso por que a norma traz diversos pontos que são interpretados de forma diametralmente oposta pela Fazenda Nacional e pelos Contribuintes.

Essa diferença na interpretação leva a verba paga a título de PLR de um extremo a outro na folha de pagamento: ou ela é tida como legítima e sobre ela não se recolhe nenhuma contribuição previdenciária ou, se considerada como ilegítima, é tida como salário indireto e sobre ela recaem todas as contribuições (patronal, terceiros, SAT/RAT, inclusive retenção da parcela dos segurados), o que onera significativamente as contribuições tributárias sobre folha de pagamento.

Contribuição previdenciária patronal

O legislador ordinário foi muito zeloso ao instituir a base legal de custeio previdenciário, fazendo-a de modo expresso na Constituição Federal, em seu art. 195, I, a.

A CF/1988 elegeu o trabalho (atividade laboral remunerada) como fato gerador da incidência de contribuição social previdenciária.

Contudo, para melhor esclarecer detalhes de sua aplicabilidade, tratou de disciplinar a aplicação do referido artigo por meio da edição da Lei n. 8.212/1991, conhecida como Lei de Custeio da Previdência Social.

Observando tanto o art. 195 da CF/1988 como a referida Lei de Custeio, depreendemos que a tributação previdenciária está claramente limitada a rendimentos do trabalho.

A doutrina segue neste sentido, como podemos observar as pontuações de ZAMBITTE IBRAHIM4:

Tanto histórica como normativamente, a contribuição previdenciária é delimitada a rendimentos do trabalho, tendo em vista o objetivo das prestações previdenciárias em substituir rendimentos habituais do trabalhador, os quais, por regra, são derivados da atividade laboral. Ou seja, a legislação vigente, de forma muito

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clara, delimita a incidência previdenciária, em qualquer hipótese, a rendimentos do trabalho.

Partindo da premissa de que a contribuição previdenciária é devida tão somente sobre as parcelas recebidas a título de remuneração pelo trabalho, são incabíveis as alegações da Fazenda Nacional de que as parcelas advindas de Participação nos Lucros e Resultados – PLR devam sofrer tal incidência. Isso por que a PLR tem relação intrínseca com remuneração do capital – lucro.

Essa distinção é fundamental para que se possa compreender o motivo da não incidência de contribuição previdenciária patronal sobre a Participação nos Lucros e Resultados – PLR recebida pelos trabalhadores.

Para melhor compreender, é preciso levar em conta que a participação referida (PLR) tem uma relação intrínseca com o resultado auferido, ela depende exclusivamente do êxito, enquanto que a remuneração advinda do trabalho independe do risco para ser adimplida, basta a contraprestação do trabalho.

Professor Zambitte Ibrahim5 bem esclarece esta dicotomia entre as referidas verbas:

É também intuitivo, mesmo para o público leigo, que um conceito não se confunde com o outro. É natural e facilmente perceptível que o trabalho, de modo algum, possui liame imediato com o lucro. Não são incomuns as situações de empresários que, mesmo após longa dedicação ao seu mister, não alcançam qualquer proveito econômico e, não raramente, ainda observam relevante perda patrimonial. Já para trabalhadores, com ou sem vínculo empregatício, o rendimento do trabalho é assegurado pela lei, pois não cabe a eles o risco da atividade econômica, o qual, por natural, é assumido pelo empresário. Seus rendimentos traduzem mera contraprestação pela atividade profissional desempenhada.

Mas isso não significa que os rendimentos advindos do capital não serão tributados. Eles serão, contudo, não como rendimentos advindos do trabalho que sofrem incidência de contribuição previdenciária, serão tributados com imposto próprio que é aplicável sobre a renda.

O próprio ordenamento jurídico tratou de fazer esta distinção por meio do art. 43 do CTN, especificando que, diferentemente da Contribuição Previdenciária, é o imposto de renda a tributação que engloba tanto proventos do trabalho quanto aqueles advindos do capital:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econô-mica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do...

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