Parte 1

AutorNelson Rosenvald e Fabrício Oliveira
Páginas1-1324
PARTE 1
O problema central posto para a compreensão e normatização da dinâmica
das forças atuantes nos grupos de sociedade gravita em torno do interesse geral
do grupo. É o que, ao nosso ver, está posto por meio da dogmática jurídica. No
entanto, entendemos que o que se produz no Direito a partir dessa proposta é
algo tão nebuloso, quanto o que se produziu ao longo dos tempos em relação ao
interesse da sociedade, quando está sob análise a sociedade isolada.
Buscando a demonstração desse problema, trataremos, em primeira linha,
do interesse da sociedade por meio do estudo das teorias da empresa (que mais
fortemente inuenciam o direito societário na contemporaneidade), além de
algumas inserções críticas sobre as teorias que estudam as pessoas jurídicas (no
caso, as sociedades), tomando por base a relação que propomos entre empresa,
sociedade e governança. Está em causa nessa proposta o potencial dessas cons-
truções para explicar (e em alguns casos normatizar) a criação e o funcionamento
da empresa, bem como, quando for o caso, a constituição das sociedades (como
pessoas jurídicas) e a relação entre os seus constituintes (entre si e para com a
sociedade, lembrando que entre os constituintes pode gurar uma ou várias
sociedades). Para melhor situar o leitor quanto as nalidades dessas discussões,
identicaremos, com suporte em William W. Bratton, Jr., três conjuntos de per-
guntas postas à reexão:
a) O primeiro conjunto de questões indaga sobre a existência da sociedade
– ou seria da empresa? A explicação será dada ao longo do livro. Uma
primeira resposta: são reicações, resultantes dos processos mentais
tanto daqueles internalizados na estrutura societária, quanto daqueles
outros externos à estrutura, mas por ela afetados. Uma segunda resposta:
a empresa ou a sociedade possui existência, como um ser metafísico, à
parte da das pessoas a ela relacionadas.1
b) O segundo conjunto de questões indaga acerca da distinção entre a
empresa e as forças que dela decorrem ou a sociedade e a reunião dos
seus constituintes, sejam essas a empresa ou a sociedade, reicadas ou
reais. Nessa linha de problematização o que está em causa é a maior
1. BRATTON JR, William W. e new economic theory of the rm: Critical perspectives from history.
Stanford Law Review, p. 1471-1527, 1989.
GOVERNANÇA NOS GRUPOS SOCIETÁRIOS: INOVAÇÕES • NelsoN RoseNvald e FabRício oliveiRa
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ênfase dada (ou que deve ser dada) ou ao grupo resultante de compor-
tamentos individuais ou aos seus indivíduos. Se o ente apresenta uma
existência cognoscível, os esforços ocorrem para investigar a origem
e a forma que se dá a sua separação da dos seus constituintes. Aqui,
a personicação das sociedades, compreendida como a atribuição a
elas de características humanas, provê uma maneira metafórica para o
seu insulamento de seus constituintes. De outro modo, se a noção da
entidade não encontra elementos no plano da realidade fática, a sua
natureza e a sua origem são determinadas pelas relações mantidas pelos
seus constituintes. Esse último posicionamento fundamenta as posições
tidas como contratualistas. E mais, podemos perceber que esse segundo
conjunto de questões deriva do primeiro.2 As teorias econômicas que
atualmente dão suporte aos contratualismos tendem a compreender a
empresa como mera cção jurídica. Mesmo aquelas que as têm como
algo diferenciado do mercado (insulando-as), focam as transações en-
tre indivíduos (a unidade básica de análise). Frequentemente, para as
teorias econômicas, a empresa em si é considerada uma cção jurídica
ou até mesmo uma função econômica.
c) Por m, há um conjunto de questões afetas às políticas públicas. Aqui o
problema básico é o de saber se as empresas ou as sociedades derivam
(positivamente) da atuação do Estado. Uma possível resposta é dada pela
teoria da concessão (a ser explicada a seguir). Outra, contrária a essa, é
denominada contratualista, já que arma que tais entidades derivam da
vontade de seus constituintes. No entanto, as teorias da concessão apre-
sentam-se em diferentes graus (identicáveis quando analisada a força
conferida ao Estado no que diz respeito à causa das empresas ou à das
sociedades). Sua versão mais estatista, e nesse aspecto, mais forte, atribui
a existência, agora no caso especíco das sociedades, a um ato jurídico
de direito público. Sua versão mais liberal, atribui a sua existência à con-
formidade com a regulação estatal. Por outro lado, ainda nesse plano de
análise – das políticas públicas – a posição contratualista defende que as
liberdades individuais implicam no direito de organizar a produção e as
trocas mercantis por intermédio da empresa, podendo ser conformada
pela sociedade, e sem a interferência do Estado. Variações dessa proposta
sugerem que as sociedades não podem ser objeto da regulação estatal
2. BRATTON JR, William W. e new economic theory of the rm: Critical perspectives from history.
Stanford Law Review, p. 1471-1527, 1989.
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PARTE 1
porque as atividades por elas exercidas não possuem caráter público, mas
privado.3
Eric Orts perspectiva essas discussões no terceiro conjunto de questões
apresentadas, tendo em conta a tensão histórica presente entre duas concepções
de políticas públicas: as caracterizadas como top-down e as bottom-up.4
Num estudo histórico, Eric Orts, em relação ao Direito romanista, se apoia
em Gaius,5 transcrevendo-o:
Parterships, “collegia”, and bodies of this sort may not be formed by everybody as will; for this
right is restricted by statutes, “senatus consulta” (rules), and imperial “constitutions” (edicts).
In a few cases only are bodies of this sort permitted. For example, partners in tax farming,
gold mines, silver mines, and salt works are allowed corporations. Likewise, there are certain
“collegia” at Rome whose corporate status has been stablished by (law), for example, those of
the bakers and certain others of the shipowners. Thosse permitted to form a corporate body
consisting of a “collegium” or partnership… have the right on the pattern of the state to have
common property, a common treasury, and a attorney… trought whom… what should be
transected and done in common is transected and done.”6
Conclui sobre o problema tratado pelo romanismo que as sociedades so-
mente existiram, naquele tempo, em função do interesse do Estado.7 Percebam
3. BRATTON JR, William W. e new economic theory of the rm: Critical perspectives from history.
Stanford Law Review, p. 1471-1527, 1989.
4. ORTS, Eric W. Business persons: A legal theory of the rm. Oxford University Press, 2013.
5. Gaius, Provincial Edict 3 Apud ORTS, Eric W. Business pe rsons: A legal theory of the rm. Oxford
University Press, 2013. p. 10.
6. Queremos, entretanto, destacar a importância do estudo sobre as Societas romanistas e as sociedades
modernas presentes na tese de doutorado de Max Weber (e History of Commercial Partnership
in the Middle Ages), da qual apontamos o trecho: societas>, “as merely a complex
of obligatory relations among the socii, is of no concern to third parties; in its legal consequences, a
transaction a socius makes on the account of the partnership is no dierent from any transaction made
on a personal account. If transactions made on the account of the partnership generate a loss, then it
appears to third parties solely as the loss of the person who made the deal. However, in this situation a
partner’s nancial account incurs a claim against the other partners to be indemnied proportionately,
and this claim becomes a part of his assets in case of bankruptcy. A bankruptcy proceeds only against
the assets of an individual partner and involves only those as creditors with whom he had contracts,
which in such case might include the other socii. (In: WEBER, Max. e history of commercial part-
nerships in the middle ages. Rowman & Littleeld, 2003. p. 54). Note-se que, ao contrário, a ecácia da
sociedade moderna e contemporânea frente a terceiros é algo sedimentado.
7. Questão outra é a diversidade de pessoas jurídicas e de autonomias a elas atribuídas. É ilustrativo, em
linhas gerais, o trecho da decisão proferida pela US Supreme Court no caso Dartmouth College versus
Woodward: “ere are divers sorts of corporations; and it may be safely admitted that the legislature
has more power over some, than over others. Some corporations are for government and political
arrangement; such, for example, as cities, counties and the towns in New England. ese may be
changed and modied, as public convenience may require, due regard being always had to the rights
of property. Of such corporations, all who live within the limits are, of course, obliged to be members,
and to submit to the duties which the law imposes on them as such. Other civil corporations are for
the advancement of trade and business, such as banks, insurance companies, and the like. ese are

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