Políticas públicas
Autor | Morgana De Almeida Richa |
Ocupação do Autor | Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Graduada em Direito pela UFPR |
Páginas | 100-160 |
Capítulo 3
POLÍTICAS PÚBLICAS
3.1. Apontamentos introdutórios na análise das políticas públicas
As políticas públicas constituem temática alavancada na modernidade,
especialmente no curso do século XX, diretamente atreladas à demanda pelo
novo modelo de Estado democrático com contornos sociais, assentado em
mandamentos, imperativos de ordem constitucional(214), com ênfase no reconhe-
cimento de direitos humanos e sociais, com a promoção da igualdade mate-
rial, característica do constitucionalismo em ascensão após a segunda Guerra
Mundial, que desencadeou notável ampliação do trabalho a ser desempenhado
pelos entes públicos.
A partir da ascensão do Estado Moderno ao Estado Liberal e, posterior-
mente, ao Estado Contemporâneo, observa-se um novo paradigma jurídico
dos direitos sociais que reclama prestações positivas do Estado(215), fomentada
a transformação das Constituições ao tratar e garantir direitos fundamentais e
não mais meramente impor e estabelecer limites e estrutura do poder público.
Esse processo de ampliação de direitos e mudança política direcionada
para a sociedade enseja um incremento da intervenção do Estado no que diz
respeitoaodomínioeconômicoesocial
À nova realidade, portanto, encontra-se atrelada a garantia dos direitos
mediante postura intervencionista e prestacional do Estado, característica das
políticas sociais, cujo modelo vai ao encontro das políticas públicas em sentido
Sobre aforça normativadaConstituição acontribuição doutrináriamais expressivaé de
KonradHesseAConstituiçãojurídicalograconferirformaemodicação àrealidadeElalogra
despertar ‘a força que reside na natureza das coisas’, tornando-a ativa. Ela própria converte-se
emforçaativaqueinuiedeterminaarealidade políticaesocial Essaforçaimpõese deforma
tanto mais efetiva quando mais ampla for a convicção sobre a inviolabilidade da Constituição,
quanto mais forte mostrar-se essa convicção entre os principais responsáveis pela vida consti-
tucional. Portanto, a intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro
plano, como uma questão de vontade normativa, de vontade de Constituição”. (HESSE, Konrad.
AforçanormativadaConstituição. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 24).
BARROSOLuís RobertoCursode direitoconstitucional contemporâneo: os conceitos funda-
mentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 84.
Políticas Públicas Judiciárias & Acesso à Justiça
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lato. A necessidade de compreensão das demandas da cidadania, das desigual-
dades sociais políticas econômicas e culturais historicamente vivenciadas
como categoria jurídica em busca da concretização dos direitos, torna-se impres-
cindível diante da redemocratização imposta pela realidade em transformação,
de maneira que o tratamento seja adequado ao âmbito de complexidade do
cenário que se pretende solucionar.
Comissoosconitossociaisqueproclamamaintervençãoestatalmediante
prestações positivas, são alçados a lugar privilegiado no modo de institucionali-
zação das relações sociais, em especial junto aos Poderes Legislativo e Executivo,
não olvidado o papel atribuído ao Poder Judiciário, tanto como conformador
quanto órgão julgador dos embates sociais por direitos(216).
Nageograado Estado Social passaaser exigida dos PoderesPúblicos
para além da produção de leis ou normas gerais, a atuação efetiva capaz de
transpor a coletividade ao alcance de metas predeterminadas. Nessa toada, a
transição do modelo liberal para o social na atuação do Estado vem acompa-
nhada de um redesenho das competências decisórias entre os poderes estatais,
com a ampliação do papel do Judiciário em suas funções tradicionais e na condi-
ção de formulador de políticas públicas.
SobreareclassicaçãodasfunçõesestataisacríticadeFábioKonderCompa-
rato, em artigo pioneiro no país:
Quando, porém, a legitimidade do Estado passa a fundar-se, não na
expressãolegislativadasoberaniapopularmasnarealizaçãodenali-
dades coletivas, a serem alcançadas programadamente, o critério clas-
sicatóriodasfunçõeseportantodosPoderesestataispodeserodas
políticas públicas ou programas de ação governamental. E aí, à falta
de uma conseqüente reorganização constitucional de Poderes, a qual
dê preeminência à função planejadora, que ordena estrategicamente
as múltiplas atividades estatais, é ao Governo, impropriamente cha-
madoagoradePoderExecutivoqueincumbeopapelhegemônico(217).
Optousepelo recortetemáticoconcernente àanálisemetodológicaecientícadaspolíticas
públicas. Diversa é a hipótese do controle dos programas de políticas públicas pelo Poder Judi-
ciário, faceta tradicional da atuação decorrente do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988,
cuja redação prevê a impossibilidade de o Judiciário deixar de apreciar lesão ou ameaça de lesão a
qualquer direito. A interferência do Poder Judiciário no âmbito das políticas governamentais tradi-
cionalmente encontradas envolve a ideia de universalidade dos direitos consagrados sob o prisma
normativoAssiméqueumavez submetidososconitosdeinteresse aocrivodosórgãosjudiciá-
rios, está garantida a resposta estatal nos limites da controvérsia objetivamente instalada. Trata-se
da judicialização de políticas públicas, por parte da doutrina utilizado o vocábulo justiciabilidade, a
signicarainterferênciajudicialpararesolverembatesnaefetivaçãodedireitoseconômicossociais
e culturais, pelas políticas públicas, de atribuição clássica aos demais poderes do Estado.
COMPARATO Fábio Konder Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas
públicas. Revistadeinformaçãolegislativa, v. 35, n. 138, abr.-jun., 1998. p. 44.
Morgana de Almeida Richa
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Como acréscimo introdutório ao debate sobre a organização dos Poderes do
Estado na seara das políticas públicas, importante evidenciar o paralelismo exis-
tente com o papel atribuído à Administração Pública, a quem compete efetivar,
promover e implementar as garantias sociais e democráticas a todos os cidadãos
brasileiros. Para tanto, a necessidade da organização do Estado a partir de méto-
dos capazes de responder à concretização dos direitos, donde o instrumental reali-
zado mediante políticas públicas ganha corpo para satisfazer os anseios sociais.
Ao ultrapassar o minimalismo estatal característico dos regimes liberais,
o Estado passa a promover e executar políticas públicas prestacionais (como,
por exemplo, saúde e educação), assim como aquelas relacionadas à criação de
normas que tutelam direitos sociais (como a legislação trabalhista e a previden-
ciáriaeatinentesàregulamentaçãodaatividadeeconômicadosparticulares
Com o Estado social, o governmentbypolicies substitui o governmentby
law do liberalismo. A execução de políticas públicas, tarefa primordial
do Estado social, com a consequente exigência de racionalização téc-
nica para a consecução dessas mesmas políticas, acaba por se revelar
incompatível com as instituições clássicas do Estado liberal(218).
E mais, o Estado como unidade (independentemente da divisão de pode-
res) é impulsionado a desenvolver “em todos os setores das políticas públicas,
programasnalizados, visando atingir os objetivos que lhes pareçam conforme à
sua visão construtiva do interesse geral”(219), como compasso de aprimoramento
da cidadania.
Lastreado no rigor analítico do desenvolvimento do tema, curial averiguar
a gênese e a ontologia da área das políticas públicas para melhor compreender
seus desdobramentos, sua trajetória e perspectivas voltadas à concretização dos
direitos fundamentais previstos constitucionalmente.
Nesse novo ambiente de investigação surgiu a área da política pública nos
Estados Unidos, com ênfase nos estudos sobre a ação dos governos(220), sem esta-
belecer relações com as bases teóricas concentradas no papel do Estado e suas
instituições, conforme ocorreu na Europa. Assim, a trajetória da disciplina das
ciências administrativas ou organizacionais nasceu como subárea da ciência
política norte-americana a partir da década de 1950, abrindo um novo caminho
BERCOVICI Gilberto Aproblemática da constituição dirigentealgumas considerações
sobre o caso brasileiro. RevistadeInformaçãoLegislativa. Brasília a.36 n.142, abr.-jun., 1999. p. 37.
OSTFrançoisOtempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Edusc, 2005. p. 319.
CelineSouzaarmaqueopressupostoanalítico queregeuaconstituiçãoeaconsolidação
dos estudos sobre políticas públicas é o de que, em democracias estáveis, aquilo que o governo
fazoudeixa defazerépassível deserformulado cienticamenteeanalisadopor pesquisadores
independentes. (SOUZA, Celine. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias. Porto
Alegre, ano 8, n.16, jul.-dez., 2006. p. 22).
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