Ação Autônoma Posterior Destinada à Responsabilização Subsidiária do Tomador de Serviços Ente Público: Controvérsias, Questões Relevantes e Tutela de Direitos

AutorChristiana D'arc Damasceno Oliveira
Páginas61-89

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Introdução

Em contexto de práticas deletérias de contratação cada vez mais disseminadas, que se irradiam sobretudo no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, não raro se aponta o fenômeno da terceirização como quadrante irreversível.

Referido tema é multifacetado e comporta a análise de aspectos jurídicos, sociológicos e econômicos, que ultrapassam os propósitos deste artigo, embora já se tenha tido a oportunidade de abordar a matéria com mais vagar em outra seara1.

Neste breve estudo, e à vista dos importantes reflexos que a temática tem acarretado em crescente na jurisprudência e no plano concreto da vida das pessoas, será analisada a possibilidade de o trabalhador pleitear em juízo, em ação trabalhista autônoma posterior dirigida unicamente contra o tomador de serviços integrante da Administração Pública Direta e Indireta, a respectiva responsabilidade subsidiária por obrigações advindas do descumprimento de direitos fundamentais nas relações de trabalho, já vindicados em ação originária apenas contra a empresa prestadora.

Em casos tais, tendo o trabalhador, a princípio, proposto demanda somente contra sua ex-empregadora, percebe ele - após - que a medida não foi bastante para conferir lastro à concreção, no campo fático, de seus direitos assegurados em sentença transitada em julgado, seja diante da comum situação de a empresa restar em local incerto e não sabido, seja à falta de localização de patrimônio do empreendimento ou de seus sócios.

Na hipótese, de modo usual, a "opção" pelo ajuizamento da ação primitiva exclusivamente contra a empresa prestadora (aqui denominada n. 1), sem a inclusão no polo passivo à época também do integrante da Administração Pública Direta e

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Indireta, deriva do receio do obreiro em ser discriminado por ocasião de futuras colocações junto ao mesmo ente público, ou ainda da circunstância de já ter tal trabalhador (e reclamante) sido admitido ("aproveitado") pela empresa prestadora n. 2 - a qual veio a substituir ou mesmo suceder a anterior prestadora de serviços perante o sinalado tomador de serviços.

Vê-se o obreiro, assim, envolvido em um dilema: de um lado, cauteloso quanto à eventual retaliação - expressa ou indireta - por parte do tomador de serviços; de outro, premido pelo desrespeito por parte de sua ex-empregadora (empresa prestadora n. 1) no que atine a direitos basilares de natureza alimentar. Ao flm, decide não incluir o tomador de serviços no polo passivo da ação originária.

Tempos depois, impelido por circunstâncias diversas, esse mesmo obreiro ajuíza ação autônoma apenas em face do ente público, objetivando sua responsabilização subsidiária pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela prestadora e que já tinham sido objeto da primeira ação, com sentença condenatória transitada em julgado, deparando-se comumente com óbices de natureza processual, panorama que deságua na situação objeto deste artigo.

No que diz respeito à matéria, em reiterados julgados recentes, o Tribunal Superior do Trabalho tem-se posicionado no sentido de não ser possível o ajuizamento de ação autônoma posterior para responsabilização subsidiária do tomador de serviços integrante da Administração Pública.

No tocante, aduz-se que, por não ter efetivado o autor a inclusão do ente público no polo passivo da ação originária movida contra a empresa prestadora, afluiria a necessidade de extinção da ação autônoma posterior sem resolução do mérito, seja diante da coisa julgada material, ou seja à vista da não observância de litisconsórcio necessário passivo, perante ausência de interesse processual ou de impossibilidade jurídica do pedido, ou ante o vilipêndio aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa em prol do tomador de serviços.

Na esfera doutrinária, o panorama ainda não apresenta análise detalhada.

Logo, equivalendo as lides que aludem à terceirização à expressiva parcela dos milhares de feitos submetidos anualmente à apreciação da Justiça do Trabalho - máxime envolvendo entes públicos como tomadores de serviço -, tem-se que, a par da importância teórica, o tema relativo à possibilidade ou não de ajuizamento de ação autônoma em face do tomador de serviços integrante da Administração Pública Direta e Indireta, no sentido de debater sua responsabilidade subsidiária pelo descumprimento de direitos fundamentais trabalhistas reconhecidos em ação originária movida unicamente contra a empresa prestadora, apresenta importantes contornos de natureza prática e social.

O prisma de análise a ser adotado pelos atuantes na esfera jurídica, no particular, será determinante para o direcionamento dos feitos: quanto ao advogado, ao explicar

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ao potencial cliente os riscos e possibilidades de êxito da demanda; no que se refere ao procurador do trabalho, ao instruir procedimentos administrativos e optar pelo instrumento processual coletivo apto a sanear pendências em hipóteses tais; em se tratando do magistrado trabalhista, inclusive ao decidir o norte a ser conferido às respectivas instruções, acaso entenda que se trata de hipótese de extinção do feito sem resolução do mérito, além de decidir o lastro jurídico para suas sentenças etc.

Como já dito, o enfoque central deste artigo, longe de analisar os cenários tanto subjacente como propulsor do instituto da terceirização, será voltado para o trato jurisprudencial conferido à possibilidade ou não de ajuizamento de ação autônoma em face do tomador de serviços ente público, pleiteando sua responsabilidade subsidiária pelo descumprimento de direitos fundamentais trabalhistas reconhecidos em face da empresa prestadora, no âmbito de primeira ação movida apenas contra esta.

Serão salientados elementos processuais e constitucionais afetos à matéria, tendo em conta as signiflcativas repercussões envolvidas de cunho teórico, prático e social.

Por flm, e à luz dos desaflos e possibilidades que se antepõem ao exegeta em tempos de mudança ou adaptação, será aferido o papel da hermenêutica concretizadora dos direitos fundamentais e seu liame com o tema ora abordado.

1. Responsabilidade subsidiária do tomador de serviços em matéria de terceirização trabalhista, no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta: critérios para incidência, posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal e Súmula n 331 do Tribunal Superior do Trabalho

A terceirização consiste em fenômeno que, em linhas gerais, pode ser enfocado sob duas classiflcações: interna (quando empregados de uma empresa, mantendo formalmente o vínculo de emprego com esta, desenvolvem suas atividades integrados a outra tomadora de serviços, em regra inclusive no espaço físico da própria tomadora, a qual mantém a dinâmica produtiva de suas próprias atividades ou bens por meio de empregados terceirizados - é a denominada terceirização de serviços), e externa (quando a empresa tomadora se desvencilha não só da contratação formal de empregados para o desenvolvimento de suas atividades, como também "exporta/ descentraliza" parte ou praticamente toda a dinâmica produtiva para outra empresa "parceira", a qual assume a produção das atividades ou bens em seu próprio espaço, com seu maquinário e com seus próprios empregados ou prestadores de serviço, sendo, ao flnal, os produtos repassados já prontos para a empresa tomadora, aí denominada terceirização de atividades).

O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula n. 331, entende ser admissível a terceirização interna (de serviços) nas atividades de vigilância, limpeza e conservação, além de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador (portanto, não vinculados à atividade-flm), desde que não exista pessoalidade ou

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subordinação direta. Se o tomador de serviços pertencer à iniciativa privada, sua responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas será automática, desde que observados os requisitos anteriormente indicados.

Por outro lado, acaso se trate o tomador de serviços de ente integrante da Administração Pública Direta e Indireta, hipótese a que se vincula o cerne deste artigo, além dos requisitos já reportados, haverá aspectos adicionais exigíveis para a conflguração da responsabilidade subsidiária.

Diante do claro posicionamento do Supremo Tribunal Federal no âmbito do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade n. 16/DF, em que se reconheceu a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93, com a redação atribuída pelo art. 4º da Lei n. 9.032/95 (STF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Cezar Peluso, J. em 24.11.2010, DJ de 9.9.2011), flndou por ser atribuída nova redação à Súmula n. 331 do TST a partir de maio de 2011 (foram introduzidos os incs. V e VI, e modiflcado o teor do inc. IV).

Desde então, no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços apenas incidirá se, de forma cumulada aos requisitos anteriormente identiflcados (terceirização admissível apenas em atividades de vigilância, limpeza e conservação, além de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que não exista pessoalidade ou subordinação direta), ainda flcar demonstrada no caso concreto a conduta culposa do tomador de serviços no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, sobretudo quanto à flscalização do...

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