Prescrição individual e coletiva na justiça do trabalho

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4. PRESCRIÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA
NA JUSTIÇA DO TRABALHO
O capítulo fará uma análise da prescrição em matéria trabalhista no âmbito
individual para então adentrar nas distinções, se houver, do instituto quanto ao
tratamento das pretensões coletivas.
Analisar-se-ão as leis sobre ações inerentes ao microssistema de acesso coleti-
vo à Justiça sob a perspectiva de previsão expressa de um prazo para pretensões.
Feita a análise normativa, é imprescindível apresentar a tese fixada pelo Tribunal
Superior do Trabalho quanto à revisão doutrinária das teses que defendem pra-
zos quinquenais ou mesmo a imprescritibilidade das pretensões coletivas. Após,
posicionar-se-á sobre a existência ou não de prazo prescricional para as ações
coletivas a partir de uma interpretação sistemática e orgânica do ordenamento
jurídico brasileiro, sem descurar a notícia sobre os projetos e anteprojetos de lei
sobre o assunto.
4.1. A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDIVIDUAL TRABALHISTA E
SUA EVOLUÇÃO
A primeira lei tipicamente brasileira a tratar do instituto da prescrição para
relações de trabalho foi o Código Comercial de 1850, prevendo no seu art. 449
o prazo de um ano a contar do fim do trabalho prestado para recebimento de
salários, soldadas, jornais, ou pagamento de empreitadas contra comerciantes
mencionando a contagem do “dia de saída”(611). Dessa matriz histórica, retira-se que
a dependência do contratante no contrato especial de trabalho é genericamente
considerado, porque na época ainda não se falava em relação de emprego,
originando mais tarde a fixação do prazo de início da contagem prescricional como
o fim do emprego (art. 11, inciso I, da CLT incluído pela Lei n. 9.658/1998(612)) —
diferente dos EUA em que o prazo nasce com o nascimento do direito como se
pode observar no capítulo 3 deste trabalho.
(611) BRASIL. Presidência da República. Lei n. 556, de 25 de junho de 1850: Código Comercial.
Disponível em: . Acesso em: 8 ago.
2020.
(612) BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943: Consolidação
das Leis do Trabalho. Disponível em:
htm>. Acesso em: 8 jun. 2020.
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O Código Comercial, vigente em parte, teve parte de sua normativa substitu-
ída pelo Código Civil de 1916, e, posteriormente, pela codificação civil de 2002. O
Código Comercial previu o prazo de um ano no art. 178, § 6º, inciso VI: “a ação
dos professores, mestres ou repetidores de ciência, literatura, ou arte, pelas lições
que derem, pagáveis por períodos não excedentes a 1 (um) mês; contado o pra-
zo do termo de cada período vencido”(613), mas se o período fosse estipulado de
modo superior a um mês, o prazo seria elastecido para dois anos (art. 178, § 7º,
inciso II), mantido o critério anterior do Código Comercial sobre a contagem no
fim do serviço. Houve cizânia quanto às locações de serviço do comércio, aos quais
se aplicava o Código Comercial, deixando para o Código Civil o prazo prescricional
para pretensões decorrentes de locação de serviço da indústria.(614)
O Código Civil de 1916 utilizou o mesmo critério de contagem previsto no
Código Comercial, qual seja: o fim do trabalho ou serviço. Assim, foi estipulado
o prazo de um ano (art. 178, § 6º, inciso IX, do CC) a contar do último serviço
prestado para as ações de médicos, cirurgiões ou farmacêuticos pelas visitas e
operações realizadas ou quanto aos medicamentos prescritos. Em exceção a essa
regra, o Código Civil previu prazo superior, de cinco anos para “a ação dos serviçais,
operários e jornaleiros, pelo pagamento dos seus salários no inciso V do § 10 do
art. 178, sem fixar como início do prazo o fim do serviço, como anteriormente.
Os primeiros espaços normativamente previstos para solução da controvérsia
entre empregado e empregador foram extrajudiciais e sob a organização dos
sindicatos, de modo facultativo, à época de organização livre (arts. 2º e 8º
do Decreto n. 1.637, de 5 de janeiro de 1907(615)), nada prevendo quanto à
prescrição, que seguia a legislação civil. De fato, esses conselhos permanentes
para conciliação nunca chegaram a ser efetivados.(616) O mesmo ocorreu com os
primeiros tribunais para julgamento da locação de serviços agrícolas(617), criados
pela Lei n. 1869/1922(618) do Estado de São Paulo, que nada dispuseram quanto à
(613) BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação informatizada. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de
1916: Publicação original. Disponível em:
lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 8 ago. 2020.
(614) SILVA, Homero Batista Mateus da. Estudo crítico da prescrição trabalhista. São Paulo: LTr,
2004. p. 95-96.
(615) BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação informatizada. Decreto n. 1.637, de 5 de janeiro
de 1907: Crea syndicatos profissionaes e sociedades cooperativas. Disponível em:
camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1637-5-janeiro-1907-582195-publicacaooriginal-
104950-pl.html>. Acesso em: 8 ago. 2020.
(616) ALBUQUERQUE, Francisca Rita Alencar. A justiça do trabalho na ordem judiciária brasileira. São
Paulo: LTr, 1993. p. 81-82.
(617) Primeira tentativa de romper com a tradição, criando tribunais especializados, apontado como
os primeiros ensaios para a criação da Justiça do Trabalho. BATALHA, Wilson de Souza Campos;
RODRIGUES NETTO, Silvia M. L. Batalha. Prescrição e decadência no direito do trabalho. 2. ed. rev.
e amp. São Paulo: LTr, 1998. p. 166-167.
(618) SÃO PAULO. Assembleia Legislativa. Secretaria Geral Parlamentar. Departamento de
Documentação e Informação. Lei n. 1.869 de 10 de outubro de 1922. Disponível em:
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prescrição. A Lei n. 62, de 5 de junho de 1935, assegurou uma indenização para
os empregados da indústria e comércio, fixando um ano como prazo prescricional
para essa pretensão, a contar da data da despedida.(619)
Com a organização da Justiça do Trabalho pelo Decreto-lei n. 1.237, de 2 de
maio de 1939, o prazo genérico de prescrição para as reclamações passou a ser de
dois anos, salvo previsão especial (art. 101)(620). O art. 11, com a redação originária
de 1º de maio de 1943, da CLT repetiu a previsão prescricional de dois anos para
pleitear a reparação de qualquer ato infringente das disposições contidas na
lei.(621) O termo reparar foi entendido como restaurar, refazer qualquer vantagem
pecuniária suprimida, englobando acesso a um posto ou promoção.(622)
O fato dos artigos mencionarem a palavra reclamação no lugar de ação,
ou quanto aos pleitos de reparação, não se deve à dicotomia doutrinária travada
em torno do instituto da prescrição, pois nessa época a Justiça do Trabalho
era um departamento do Poder Executivo criado para resolver as controvérsias
decorrentes do trabalho livre, e, por isso, sua nomenclatura era inerente ao Direito
Administrativo — a Justiça do Trabalho passou para o Poder Judiciário apenas em
1946, por meio do art. 94, V da Constituição Federal.(623)
A doutrina ítalo-francesa influenciou a legislação trabalhista quando se lê a
redação do art. 119 da CLT que previu o prazo de dois anos para a prescrição da
ação que versasse sobre a diferença de salários, contados para cada pagamento
da data em que deveriam ser efetuados, demonstrando contradição à construção
histórica que fixava a contagem do prazo no dia seguinte ao fim da prestação do
serviço. O mesmo aconteceu com a previsão da prescrição para a reivindicação das
férias não concedidas (art. 143), contados do fim da época que deveria ser fruída.
Talvez possa-se afirmar que isso decorreu da influência americana, porém nenhum
dos livros históricos de Direito do Trabalho consultados trouxe essa informação.
al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1922/lei-1869-10.10.1922.html>. Acesso em: 8 ago. 2020.
(619) BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação informatizada. Lei n. 62, de 5 de junho de 1935.
Disponível em:
normaatualizada-pl.html>. Acesso em: 8 ago. 2020
(620) BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 1.237, de 2 de maio de 1939: Organiza a
Justiça do Trabalho. Legislação. Disponível em:
lei/1937-1946/del1237.htm>. Acesso em: 8 ago. 2020.
(621) BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943: Consolidação
das Leis do Trabalho. Legislação. Disponível em:
del5452.htm>. Acesso em: 8 ago. 2020.
(622) ALMEIDA, Isis de. Manual da prescrição trabalhista. 3. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 39.
(623) Sobre a origem da Justiça do Trabalho conferir: ALBUQUERQUE, Francisca Rita Alencar. A
justiça do trabalho na ordem judiciária brasileira. São Paulo: LTr, 1993; FERRARI, I.; NASCIMENTO,
A. M.; MARTINS FILHO, I. G. S. História do trabalho, do direito do trabalho e da Justiça do Trabalho:
homenagem a Armando Casimiro Costa. São Paulo: LTr, 1999 (capítulo III) e SANTOS, Enoque Ribeiro
dos; JAHEL FILHO, Ricardo Antonio Bittar. Curso de direito processual do trabalho. 3. ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Atlas, 2019. p. 24-27.
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Houve quem defendesse que o prazo bienal do art. 11 da CLT fosse
decadencial, embora escrito pelo legislador erroneamente como prescricional sob
a justificativa de que “ali refere-se a direito decorrente da infração”(624), e ainda
acrescenta “exsurgem-se, do termo final de dois anos, o direito e a ação, porque
aquele nasce anterior a esta, uma das características diferenciais entre prescrição
e decadência”(625). O fundamento do autor traz pontos de confusão entre o que se
convencionou a diferenciar os institutos da prescrição e decadência, não se trata de
direito potestativo, a ação é um direito constitucional que não prescreve ou decai,
referindo-se ao acesso à Justiça. Por fim, a pretensão para a reivindicação das
obrigações contidas na relação jurídica do trabalho, em sua maioria prestacionais,
sujeitam-se à prescrição e não à decadência.
A CLT previu que não corre o prazo prescricional contra menores (art. 440).
Também previu uma regra de transição (art. 916): o início do novo prazo é contado
da data da vigência da nova lei, quando menor que o previsto pela legislação
anterior. Esses artigos estão em vigor até a presente data, havendo alterações
legislativas do art. 11 ao longo do tempo. A doutrina do Direito Civil influenciou
fortemente os autores da área trabalhista, sempre citados nos estudos pesquisados
sobre a prescrição. Russomano, na década de cinquenta, explicou que a prescrição
“não mata o direito em si, não é o direito em si que morre pelo desuso, e sim
o direito à ação que protege o direito”(626), referindo-se ainda à possibilidade de
pagamento de dívida prescrita.
A Lei n. 4.214, de 2 de março de 1963, que regulamentou o trabalho rural,
previu igualmente o prazo de dois anos contado do fim do contrato no art. 175,
com exclusão aos menores no parágrafo único(627), o que foi mantido pelo art. 10 da
Lei n. 5.589/73. A redação do caput do artigo versava sobre prescrição de direitos
e não da ação. No cenário doutrinário nacional, Caio Mário da Silva Pereira era
quem defendia a prescrição de direitos, não sendo demasiado relembrar esse fato.
A confusão entre os conceitos da prescrição e do fato gerador de sua incidência
também estiveram presentes na legislação trabalhista.
Havia uma discrepância enorme entre o tratamento da prescrição para
o trabalhador urbano, que geralmente já acessava a Justiça do Trabalho
desempregado, e para o trabalhador rural, pois, nesse caso, não havia o limitador
de cinco anos para os direitos adquiridos ao longo do contrato de trabalho.(628)
Essas previsões normativas do instituto permaneceram até a Constituição Federal
(624) ZENUN, Augusto. Prescrição na Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 90.
(625) ZENUN, op. cit., 1993, p. 91-92.
(626) RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. v. I. 4. ed. Rio
de Janeiro: José Konfino Editor, 1957. p. 98.
(627) BRASIL. Presidência da República. Lei n. 4.214 de 2 de março de 1963: Estatuto do trabalhador
rural. Disponível em: . Acesso
em: 8 ago. 2020.
(628) MANUS, Pedro Paulo Teixeira. A prescrição no direito do trabalho. Revista do Tribunal Regional
do Trabalho da 15ª Região, Campinas: TRT15, n. 1, p. 145-149, jul./dez. 1991, p. 145-146.
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de 1988. A partir desse marco constitucional (art. 7º, inciso XXIX), fixou-se a
prescrição bienal com início no fim do contrato de emprego, embora a nomenclatura
usada fosse contrato de trabalho, retroagindo cinco anos do ajuizamento da ação,
agregando em um só dispositivo ambos os prazos utilizados, inicialmente apenas
para os trabalhadores urbanos, permanecendo com a regra própria e mais favorável
(art. 7º, caput, da CF/1988) o trabalhador rural.
Antes de 1988 havia intensa cizânia doutrinária e jurisprudencial quanto ao
universo contratual abrangido pelos prazos contidos na CLT e nas leis extravagan-
tes sobre a matéria trabalhista(629), pois para alguns o texto celetista foi expresso ao
afirmar que o prazo bienal para “reparação de qualquer ato infringente de disposi-
tivo nela contido” era exclusivo para as reivindicações de direitos previstos no texto
celetista, a legislação extravagante, como o repouso semanal remunerado (Lei
n. 605/49), deveria seguir as regras da codificação civil de 1916, art. 178, § 10,
inciso V, prazo prescricional de cinco anos(630). Evaristo de Moraes Filho entendia
pela aplicação genérica do prazo bienal para toda reivindicação de direitos que se
referiam à matéria trabalhista como o repouso semanal remunerado: “O repouso
remunerado, lá e cá, é o mesmo, o mesmíssimo, sendo a lei especial mais explí-
cita por força de dispositivo constitucional, de 1946, que mandava remunerá-lo
sempre”(631). Com a Constituição Federal de 1988 essa dúvida cessou, aplicando-se
o art. 7º, XXIX, também ao repouso semanal remunerado.(632)
A Constituição de 1988, ao regulamentar o prazo prescricional, abarcou as
prescrições bienal e quinquenal num mesmo dispositivo. Houve uma interpreta-
ção isolada, denominada de tese dos sete anos. Defendeu-se que o prazo de dois
anos do fim do contrato de trabalho não seria computado dentro dos cinco anos
contados da lesão. O trabalhador urbano poderia reclamar até cinco anos antes da
extinção e ainda teria mais dois anos para judicializar sua pretensão.(633) Dentro des-
sa tese dos sete anos, outro argumento era o de que o fim do contrato de trabalho
promovia a interrupção da contagem da prescrição pelo término do contrato.(634)
Interessante observar que houve quem defendesse que o prazo de dois anos
seria decadencial e não prescricional(635). Augusto Zenun chegou a escrever que
(629) ALMEIDA, Isis de. Manual da prescrição trabalhista. 3. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 39-40.
(630) RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 4. ed. Rio de
Janeiro: José Konfino Editor, 1957, v. I, p. 99.
(631) MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1982.
p. 289.
(632) MAGANO, Octavio Bueno. Direito tutelar do trabalho. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 1992.
p. 76.
(633) SILVA, Antônio Álvares da. Prescrição trabalhista na nova Constituição. Rio de Janeiro: Aide,
1990. p. 149.
(634) MENDONÇA JR., Nelson Teixeira. A prescrição e a equidade. Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 60,
n. 5, p. 636-642, maio 1996.
(635) FERRARI, Irany. Prescrição trabalhista: decretação ex officio. Suplemento Trabalhista. São
Paulo: LTr, a. 28, n. 37, p. 253-255, 1992.
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até o prazo de dois anos do art. 11 da CLT seria decadencial.(636) Esse prazo não
poderia ser decadencial, porque não se trata de direito potestativo, mas de direito
prestacional decorrente de obrigações inseridas na relação jurídica do trabalho,
cuja pretensão nasce de sua não satisfação no prazo contratual ou fixado por
lei. Observe-se que a cláusula de contenção de dois anos, prevista e inserida na
Constituição de 1988, para a reivindicação desses direitos é própria do Direito
Constitucional pátrio e não encontra equivalência na legislação estrangeira.
A interpretação que prevaleceu tornou a prescrição trabalhista mais restritiva
do que qualquer outra quinquenal, pois se o trabalhador ajuizar a ação no terceiro
ano após o fim do seu contrato, conseguirá receber os dois últimos anos da
prestação de serviços (art. 206, § 5º, II do Código Civil), mas se for empregado não
poderá reivindicar mais nada referente a esse contrato. Há uma discriminação do
empregado frente ao ordenamento pátrio, não realizada pelo texto constitucional,
mas pelos intérpretes dele — doutrina e jurisprudência.
Essa cláusula de contenção dos dois anos, que retroage da data do ajuiza-
mento da ação trabalhista, quando extinto o contrato de trabalho, foi fruto de
debate na Assembleia Nacional Constituinte. Os representantes dos trabalhadores
conseguiram inserir a não fluência do prazo prescricional durante a vigência do
contrato de trabalho no texto aprovado pela Comissão de Sistematização. Essa
norma, antes aplicada apenas aos trabalhadores rurais, seria estendida a todos os
empregados, sem distinção. A redação perdeu força e foi eliminada no plenário
da Assembleia Nacional Constituinte.(637) Independentemente da vontade do legis-
lador, a interpretação da norma foi realizada pela doutrina e pela jurisprudência.
Rejeitada a tese dos sete anos, a doutrina poderia ter desenvolvido a interpretação
de que os dois anos seriam uma causa de impedimento do prazo, constitucional-
mente fixada. E, dentro desse período, poderia resguardar a reivindicação dos
cinco últimos anos do contrato de trabalho, porém não o fez. Até a presente data
prevaleceu a tese da cláusula de contenção, que discrimina as obrigações prove-
nientes do Direito do Trabalho face às obrigações civis. Se um indivíduo acionar o
devedor no quarto ano, considerando a obrigação civil, garantirá os últimos anos
quanto à reivindicação das obrigações contratuais, diferente do que ocorre com as
obrigações trabalhistas.
Parte da doutrina aponta um silêncio tanto do legislador constituinte quanto
do legislador ordinário, quanto ao prazo para as reivindicações dos empregadores
face aos trabalhadores e insere a solução do problema no prazo bienal previsto
no art. 101 do Decreto-lei n. 1.237/1939, que organizou a Justiça do Trabalho:
“não havendo disposição especial em contrário, prescreve em dois anos qualquer
(636) ZENUN, Augusto. Prescrição na Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 90.
(637) LORENZETTI, Ari Pedro. A prescrição e a decadência na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.
p. 145.
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reclamação perante a Justiça do Trabalho”(638). Atualmente, o prazo prescricional
aplicado para as pretensões dos empregadores é o mesmo aplicável às pretensões
dos trabalhadores.(639)
O trabalho doméstico, excluído expressamente da CLT por meio do art. 7º,
alínea “a”, e regulamentado pela Lei n. 5.959/1972, também teve pretensões com
prazo prescricional divergente, especialmente quanto à aplicação do prazo bienal
ou do prazo quinquenal previsto no art. 178, § 10, inciso V.(640) Porém, com o
advento da Constituição Federal de 1988 que unificou o prazo prescricional
(art. 7º, XXIX, da CF/1988), entendeu-se não haver exclusão do trabalhador
doméstico. A prescrição não é um direito social e por isso não há óbice em sua
aplicação para essa categoria, ainda que o art. 7º, parágrafo único, da CF/1988 não
mencione expressamente o inciso XXIX.(641) Reforça-se o argumento com a alegação
de que a prescrição afetaria o princípio genérico do acesso à Justiça, e por isso
seria aplicável aos domésticos, a despeito de haver outro prazo na lei específica.(642)
O Tribunal Superior do Trabalho seguiu esse entendimento afastando tanto a lei
especial do doméstico como o prazo do art. 101 do Decreto-lei n. 1.237/1939.(643)
Havia ainda uma corrente doutrinária que defendia que o prazo aplicável ao
trabalhador doméstico era o prazo bienal, com fundamento no art. 101 do Decreto
(638) LORA, Ilse Marcelina Bernardi. A prescrição no direito do trabalho: teoria geral e questões
polêmicas. São Paulo: LTr, 2001. p. 85-88.
(639) “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO BANCO DO
BRASIL. PRESCRIÇÃO. RECONVENÇÃO. REPARAÇÃO CIVIL. No caso vertente, ação de reconvenção,
o prazo prescricional aplicável é aquele previsto no art. 7º, XXIX, da CF, de cinco anos, contados
da ocorrência da lesão, sempre observado o prazo de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho. Agravo de instrumento conhecido e não provido.” (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.
Acórdão em AIRR — 89500-61.2008.5.05.0122. 8ª Turma, Ministra Relatora Dora Maria da Costa,
DJE 15.02.2013. Disponível em:
a9e36>. Acesso em: 25 out. 2021).
(640) PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Prescrição trabalhista: questões controvertidas. São Paulo: LTr,
1996. p. 63-64.
(641) SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Prescrição. Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 53, n. 9, p. 1019-1022,
set. 1989, p. 1022.
(642) VIANA, Márcio Túlio. O acesso à justiça e a nova prescrição do rurícola. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte: TRT3, a. 31, n. 61, p. 93-106, jan./jun. 2000,
p. 93-95.
(643) “PRESCRIÇÃO. Conquanto o parágrafo único do art. da Carta Magna não se refira
expressamente ao inciso XXXIX, o prazo prescricional de cinco anos até o limite de dois anos após
a extinção do contrato de trabalho é critério geral, dirigido a todos os trabalhadores urbanos e
rurais, inexistindo exceção expressa quanto aos domésticos, seja na Constituição Federal, seja na
legislação infraconstitucional. Assim, a norma constitucional revoga qualquer disposição legal em
sentido contrário, não se aplicando aos domésticos o art. 101 do Decreto-lei n. 1.237/39. (...)
Recurso não conhecido.” (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão em recurso de revista RR-
161300-35.2003.5.03.0073. 4ª Turma, Relator Ministro Antônio Jose de Barros Levenhagen, DEJT
11.03.2005. Disponível em:
9e36>. Acesso em: 25 out. 2021).
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n. 1.237/1939, que organizou a Justiça do Trabalho, por ser uma norma específica
para o Direito do Trabalho; enquanto o Código Civil de 1916 representava uma
norma genérica, sendo inaplicável o art. 11 da CLT por expressa disposição do
art. 7º, alínea a, da CLT.(644) Porém, a corrente majoritária defendeu a aplicação
do prazo constitucional.
Não se pode descurar que o instituto da prescrição também foi objeto de
divergência quanto à aplicação intertemporal. Juristas travaram intenso debate a
respeito da aplicação da norma constitucional no tempo, para uns, com a vigência
da Constituição Federal de 1988, a regra ampliativa quinquenal de retroação
abrangeu todas as pretensões veiculadas nas ações posteriores independente de
modulação(645), enquanto outros defendiam que as ações ajuizadas posteriormente
à Constituição, no prazo de 1º de janeiro de 1984 até a promulgação dela, teriam
pretensões prescritas, porque o efeito gerado pelo ajuizamento é a interrupção
e não a suspensão do prazo. Além disso, para essa corrente a prescrição é
reconhecida na sentença e não declarada, seus efeitos não são ex nunc. Portanto,
à data da sentença a prescrição já estaria consumada.(646)
A segunda argumentação analisa o instituto da prescrição como direito
do devedor. A primeira, como direito do credor. Embora os argumentos sejam
defensáveis, o instituto da prescrição agrega a ambos e, ainda, a estabilidade
social e o gerenciamento de processos. E todos esses fundamentos do instituto
devem ser levados em consideração para interpretação do direito intertemporal,
mormente quando se tem um artigo da CLT, originário e não modificado até a
presente data de aplicação imediata para o direito intertemporal, art. 916: “Os
prazos de prescrição fixados pela presente Consolidação começarão a correr
da data da vigência desta, quando menores do que os previstos pela legislação
anterior”.(647)
A norma celetista é expressa e reflete a vontade do legislador. Há omissão da
Constituição Federal quanto ao tema (art. 7º, inciso XXIX), e por isso entende-se
que a regra foi recepcionada. A prescrição não é um benefício ao devedor, mas um
instituto de estabilidade social, e não um direito do devedor, embora faticamente
ele seja o primeiro a ser beneficiado pela pronúncia de um prazo prescricional.
(644) PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Prescrição trabalhista: questões controvertidas. São Paulo: LTr,
1996. P. 63-71.
(645) Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na Constituição de 1988. Saraiva: São
Paulo, 1989. P. 215-216.
(646) Cf. ROMITA, Arion Sayão. A prescrição na Constituição: direito intertemporal. In: ____ (coord.).
Curso de direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, 1991. P. 348-349.
(647) BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943: Consolidação
das Leis do Trabalho. Disponível em:
htm>. Acesso em: 30 ago. 2020.
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À data da vigência da norma constitucional, as pretensões que seriam pres-
critas pelo decurso de dois anos não mais o foram. Nesse sentido, a hermenêutica
jurídica indica que a norma restritiva se interpreta restritivamente(648), não sendo o
caso da restrição do prazo prescricional, a interpretação é ampliativa. O instituto
da prescrição é sempre uma exceção à regra do adimplemento às obrigações, ou
melhor, da pretensão de sua cobrança decorrido o prazo fixado para o adimple-
mento não realizado.
O Tribunal Superior do Trabalho chegou a editar o enunciado da Súmula
n. 308, determinando a aplicação imediata da norma constitucional, não atingindo
as pretensões já alcançadas pela prescrição bienal. Novamente, com a defesa
doutrinária de que as situações já estavam consolidadas, infensas à modificação.(649)
Depois de muito debate, o tema atualmente está pacificado pela Corte Cons-
titucional por meio de repercussão geral com julgamento de mérito e que “o prazo
prescricional previsto no art. 7º, XXIX, da CF, não se aplica a contratos de traba-
lho encerrados antes de sua entrada em vigor”(650). No ano 2000, com a Emenda
Constitucional n. 28(651), houve a unificação dos prazos quanto aos trabalhadores
rurais e urbanos. Dessa vez, a legislação restringiu a regra. Antes da unificação
constitucional, entendia-se que no curso do contrato de trabalho do rural não cor-
ria o prazo prescricional para o trabalhador rural, apenas após a sua extinção.(652)
A doutrina trabalhista chegou a justificar a distinção na condição social pior
do trabalhador rural, mais dependente e menos alfabetizado, do que o trabalhador
urbano, mas, com a industrialização do campo e alteração das condições sociais
desse trabalhador, essa distinção não mais se justificava. Também seria difícil
um empregador guardar documentos por mais de meio século, e ainda havia o
problema social dos pequenos empregadores que perdiam seus pequenos terrenos
em dívidas trabalhistas, pois os contratos no meio rural eram mais longos e a maior
(648) “230 — Interpretam-se amplamente as leis providas, remedial statutes dos norte-americanos,
as normas feitas para corrigir defeitos de outras; abolir ou remediar males, dificultar injustiças,
ônus, gravames (...). Na mesma categoria, e, portanto, sujeitas às mesmas regras, se incluem as
disposições que ampliam ou criam recursos judiciários (...). Quando o preceito reformador diminui
prazos, ou quaisquer outras regalias da defesa; substitui o processo ordinário pelo sumário, ou este
pelo executivo, prefere-se a exegese restrita”. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do
direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 167).
(649) BATALHA, Wilson de Souza Campos; RODRIGUES NETTO, Silvia M. L. Batalha de. Prescrição e
decadência no direito do trabalho. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1998. p. 45.
(650) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A Constituição e Supremo: art. 7º, XXIX. RE 556.180 ED,
Rel. Min. Ellen Gracie, J. 15.3.2011, 2ª T, DJE de 4.4.2011. Disponível em:
jus.br/#>. Acesso em: 30 ago. 2020.
(651) BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional n. 28, de 25 de maio de 2000.
Disponível em: .
Acesso em: 30 ago. 2020.
(652) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e direitos sociais dos trabalhadores. São Paulo:
LTr, 1997. p. 97-98.
182
parte dos empregadores era de pequeno e médio portes. Esse processo histórico,
que durou cerca de doze anos, motivou a alteração legal.(653)
Houve quem suscitasse a inconstitucionalidade da medida, com fundamento
no art. 60, § 4º da própria norma fundamental, porque a redação do texto
informa: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir os direitos e garantias individuais”, sendo interpretado como direitos e
garantias fundamentais, nele contido o do trabalhador rural.(654) Essa tese não foi
a prevalecente no ordenamento pátrio.
A despeito disso, nova cizânia doutrinária e jurisprudencial instaurou-se
quanto ao direito intertemporal. Para os contratos futuros havia a incidência
da nova norma. Porém, quanto aos processos pendentes e aos contratos não
encerrados antes da vigência, houve a defesa do direito adquirido com base no
julgamento pacificado pela Corte Constitucional e sedimentado na Súmula
n. 445(655), com defesa da aplicação do novo prazo de modo imediato aos contratos
em curso, observando apenas o tempo transcorrido após a promulgação da EC
n. 28/2000, respeitando-se o direito adquirido.(656) Nesse mesmo sentido, a defesa
de que “a prescrição quinquenal relativa terá efeito progressivo na relação de
emprego rural, só se manifestando, plenamente, em 26.05.2005”.(657)
O Tribunal Superior do Trabalho sedimentou a tese do efeito progressivo
da prescrição quinquenal. A prescrição quanto à pretensão decorrente das
obrigações devidas ao trabalhador rural só flui após cinco anos da promulgação
da EC n. 28/2000, mas não flui para os contratos em curso(658). Em 2004, outra
(653) SILVA, Antônio Álvares da. Prescrição do trabalhador rural após a Emenda Constitucional
n. 28/2000. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre: Editora Lex, v. 67, n. 1, p. 53-88,
jan./mar. 2001, p. 58-60.
(654) SILVA, Antônio Álvares da. Prescrição do trabalhador rural após a Emenda Constitucional
n. 28/2000. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre: Editora Lex, v. 67, n. 1, p. 53-88,
jan./mar. 2001, p. 58-62.
(655) Súmula 445: A Lei n. 2.437, de 7.3.1955, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições
em curso na data de sua vigência (1º.01.1956), salvo quanto aos processos então pendentes.
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Aplicação das súmulas no STF: Súmula n. 445. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2564. Acesso em:
30 ago. 2020)
(656) DALAZEN, João Oreste. A nova prescrição da ação trabalhista do rurícola. Revista do Tribunal
Superior do Trabalho, Porto Alegre: Editora Lex, v. 68, n. 1, p. 19-26, jan./mar. 2002, p. 22-25.
(657) PINTO, José Augusto Rodrigues. Breve crônica da prescrição rural trabalhista. Revista do
Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre: Editora Lex, RS, v. 66, n. 4, p. 162-184, out./dez. 2000.
(658) “PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TRABALHADOR RURAL. AÇÃO PROPOSTA MAIS DE CINCO
ANOS APÓS A PROMULGAÇÃO DA EC N. 28/2000. Esta Corte vem adotando o entendimento de
que, se até a Emenda Constitucional n. 28/2000 não fluía a prescrição na constância do contrato
de trabalho do empregado rural, visto que para ele a única prescrição prevista era a bienal, com
termo inicial na data da extinção do contrato de trabalho, a prescrição quinquenal só poderá ser
aplicada quando decorridos cinco anos da publicação da referida Emenda, sob pena de ferir-se o
princípio da irretroatividade da lei, como também o princípio do direito adquirido. Nesse sentido,
aliás, foi editada a OJ n. 417, segundo a qual, não há prescrição total ou parcial da pretensão do
183
emenda constitucional teve um grande impacto na Justiça do Trabalho, dessa vez
não apenas no tema da prescrição, mas também de toda competência. A EC
n. 45/2004, com vigência a partir de 2005, atraiu a competência da Justiça do
Trabalho para o julgamento das ações envolvendo lesões de origem moral e material
decorrentes da relação de trabalho. Esse também foi um processo legislativo que
decorreu de uma construção doutrinária e jurisprudencial que já reconhecia, com
certa divergência, a competência material da Justiça trabalhista sobre o tema.(659)
Após a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, não só quanto
ao dano moral, mas também quanto ao dano material, sugiram várias correntes
doutrinárias. Imprescritibilidade dessas pretensões por se tratar de reivindicação de
danos ligados aos direitos da personalidade não prevalecente.(660) A primeira delas
fixou a aplicação do prazo bienal, contado da extinção do contrato de trabalho,
retroagindo os cinco anos do ajuizamento da ação (art. 7º, XXIX, da CF)(661).
A segunda, a utilização do prazo trienal previsto na codificação civil (art. 203,
§ 3º do CC/2002), sob o fundamento de que o Direito é uno e indivisível e não se
modifica com a alteração da competência. Assim, deveria ser observada a regra
de transição do art. 2.028 do CC/2002, que impõe o prazo da lei anterior para o
transcurso de mais da metade do tempo que foi reduzido, ou seja, o prazo de 20
anos do art. 177 do Código Civil de 1916.(662) Caso trate-se de indenização por dano
moral decorrente do acidente de trabalho, ante a omissão do prazo, aplicar-se-ia o
prazo geral de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil de 2002.(663)
Ocorre que o Tribunal Superior do Trabalho aplicou o prazo previsto no
Código Civil até o advento da EC n. 45/2004. Após essa data, aplicou o prazo
trabalhador rural que reclama direitos relativos a contrato de trabalho que se encontrava em curso
à época da promulgação da EC n. 28/2000, desde que ajuizada a demanda no prazo de cinco anos
de sua publicação, observada a prescrição bienal. No caso dos autos, a decisão que pronunciou a
prescrição quinquenal encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, tendo em vista
que a presente ação foi ajuizada mais de cinco anos após a publicação da EC n. 28/2000. Recurso
de revista não conhecido.” (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR-1439-56.2011.5.15.0054, 8ª
Turma, Relator Ministro Marcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 22.11.2019).
(659) Cf. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O dano moral na relação de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr,
1999 e OLIVEIRA, Francisco Antonio de. O dano moral no direito do trabalho. Revista dos Tribunais,
São Paulo: RT, v. 751, p. 151-165, maio 1998.
(660) MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador:
responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma
chance, prescrição. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 438-442.
(661) Por todos BELMONTE, Alexandre Agra. Curso de responsabilidade trabalhista: danos morais e
patrimoniais na relação de trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 296-299.
(662) Alterado pela Lei n. 2.437, de 7 de março de 1955. O artigo originário previa o prazo de trinta
anos.
(663) Cf. SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano moral na dispensa do empregado. 4. ed. São Paulo:
LTr, 2009. p. 168-180 e MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do
trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela
perda de uma chance, prescrição. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 442-447.
184
geral previsto no art. 7º, inciso XXIX, da CF/1988. Também fixou o início da
contagem do prazo prescricional a partir da ciência da lesão(664), sedimentando o
entendimento, mas não a cizânia doutrinária.
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) teve por muito tempo a sua
pretensão fixada em trinta anos com base no art. 23, § 5º da Lei n. 8.090/1993,
porém a recente decisão do Supremo Tribunal Federal reconheceu o prazo quinquenal
da parcela por entender não recepcionado o § 5º, do art. 23, da Lei n. 8.036/90
pela Constituição Federal, modulando os efeitos da decisão com repercussão
geral(665). Deste modo, em se tratando de reclamações trabalhistas ajuizadas até o
dia 13.11.2014, a prescrição será trintenária ou quinquenal, considerando-se a que
ocorrer primeiro e, após essa data, o prazo será de cinco anos.
A despeito de toda polêmica, é certo que o prazo base para as pretensões
trabalhistas foi constitucionalizado no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal
como de dois anos após a extinção contratual, retroagindo cinco anos da data
do ajuizamento da ação, sendo de cinco anos para a exigibilidade das pretensões
decorrentes de direitos prestacionais contidos em contratos ativos. A regra de
contenção de dois anos deveria ser agregada a uma proteção contra a despedida
imotivada prevista no art. 7º, inciso I da Constituição Federal. O Poder Legislativo
está em mora e criou apenas uma indenização para a dispensa imotivada
equivalente a quarenta por cento dos depósitos realizados no FGTS (art. 15 da Lei
n. 8.036/1990).
A reforma trabalhista de 2017, por meio da Lei n. 13.467 do mesmo ano,
quanto ao prazo, sedimentou no art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho o
texto constitucional e deixou expressa a imprescritibilidade da ação declaratória.
Nesse sentido, se a ação declaratória tem por escopo apenas esclarecer situação
jurídica duvidosa, seu efeito restringe-se à atividade satisfativa obtida pelo
pronunciamento judicial(666), por isso não se sujeita à prescrição. Não interessa ao
ordenamento pátrio ou ao Sistema de Justiça deixar dúvidas pendentes quanto ao
entendimento das relações jurídicas.
4.1.1. Prescrição de ofício da pretensão individual trabalhista
O Código de Processo Civil de 1973, reformado pela Lei n. 11.280, de 2006
para inserir o § 5º ao art. 219, trouxe uma norma polêmica, o reconhecimento ou
(664) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenização por acidente de trabalho ou doença ocupacional:
de acordo com a reforma trabalhista Lei n. 13467/2017. 10. ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 446-463.
(665) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo 709.212. Distrito
Federal. Plenário. 13.11.2014. Disponível em:
jsp?docTP=TP&docID=7780004>. Acesso em: 7 set. 2020.
(666) RIBEIRO, Rafael Pugliese Edson. Reforma trabalhista comentada: análise da lei e comentários
aos artigos alterados da CLT e leis reformadas — de acordo com a Lei n. 13.467/2017 e a MP
n. 808/2017. Curitiba: Juruá, 2018. p. 53.
185
pronúncia da prescrição de ofício. Diante desse fato, alguns defendiam a aplicação
da regra antes mesmo da inserção da pronúncia de ofício da prescrição intercorrente
no art. 11-A, § 2º da CLT em 2017.(667) Mas, mesmo antes da alteração do Código
de Processo Civil, sob o fundamento de que ao ser inserida no art. 7º, inciso XXIX
da Constituição Federal, o instituto da prescrição passou a ser de ordem pública e
também parte dos direitos irrenunciáveis, por isso conhecível pelos juízes de ofício,
havia o posicionamento de Irany Ferrari.(668)
Atualmente, a pronúncia de ofício da prescrição extrai-se dos arts. 332, § 1º
e 487, inciso II do Código de Processo Civil de 2015, além do texto celetista,
que pacificou o entendimento quanto à não aplicação da pronúncia, ao também
alterar a regra geral da execução impulsionada de ofício pelos magistrados
trabalhistas, reduzindo seu alcance para o jus postulandi e as contribuições
previdenciárias. Embora o legislador ordinário tenha inserido expressamente no
§ 2º do art. 11-A da CLT, ao regulamentar a prescrição intercorrente, não o fez
para a prescrição ordinária (art. 11 da CLT). Por se tratar de regra restritiva de
direitos, entende-se pela aplicação restritiva à fase de conhecimento, ou seja, a
parte que pretende a aplicação da prescrição para as pretensões trabalhistas no
processo de conhecimento deve necessariamente suscitá-la em defesa.(669)
quem defenda a aplicação de ofício da prescrição em qualquer fase processual,
com base na interpretação sistemática dos arts. 11 e 11-A do CPC de 2015, desde
que respeitado o contraditório, ou seja, antes da pronúncia de ofício o juiz deve
dar oportunidade para o devedor para manifestar-se.(670)
O entendimento da aplicação de ofício do instituto deve observar a regra
hermenêutica que não permite a ampliação ou extensão de normas de caráter
restritivo de direitos para demais situações não previstas em lei. Portanto, a
interpretação sistemática indica que o art. 11-A do texto celetista merece uma
interpretação restritiva e adequada à eliminação do impulso oficial na fase executiva
para todos os processos, incluindo as ações de cumprimento ajuizadas pelos
indivíduos. Atualmente, o impulso oficial ficou restrito aos créditos da previdência
social, contribuições sociais previstas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195
da Constituição Federal (art. 876, parágrafo único, com redação inserida pela Lei
n. 13.467/2017) e às lides que utilizam o jus postulandi.
(667) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações
introduzidas no processo do trabalho pela Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 31.
(668) Por todos FERRARI, Irany. Prescrição trabalhista: decretação ex officio. Suplemento Trabalhista.
São Paulo: LTr, a. 28, n. 37, p. 253-255, 1992, p. 255.
(669) Por todos COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Arts. 11 a 12. In: _______; ROCHA, Fabio
Ribeiro da; FERREIRA, Farley Roberto Rodrigues de Carvalho (coord.). CLT 2020 comparada e
comentada: pelos magistrados do TRT da 2ª Região, precedentes e jurisprudência do TST e TRT2.
São Paulo: LTr, 2020. p. 51-52.
(670) PAMPLONA FILHO, Rodolfo; FERNANDEZ, Leandro. A pronúncia de ofício da prescrição no
processo civil e no processo do trabalho. Revista Direito UNIFACS — Debate Virtual, n. 210, dez. 2017.
Disponível em: . Acesso em: 3 jul. 2021.
186
4.1.2. Inegociabilidade dos prazos prescricionais no ordenamento pátrio
O sistema jurídico brasileiro impede as alterações negociais quanto aos
prazos prescricionais (art. 192 do Código Civil de 2002), permitindo-as apenas
para o instituto da decadência (art. 211 do Código Civil brasileiro de 2002). Em
regra, a doutrina fixa a incidência da decadência para os direitos chamados de
potestativos, ou direitos de sujeição.(671) O exercício desse direito é conferido a um
indivíduo sem oposição de qualquer outra pessoa.
A doutrina brasileira, desde Pontes de Miranda(672), desenvolveu-se no sentido
de que os prazos prescricionais são inegociáveis, a despeito do Código Civil de
1916 não prever norma expressa nesse sentido.(673) Essa omissão foi afastada
expressamente pela nova codificação, fixando ainda a natureza jurídica de ordem
pública para esses prazos. Se as partes pretenderem criar cláusulas para alterar,
aumentar, reduzir ou postergar um prazo prescricional, essa cláusula será nula.
O mesmo raciocínio é realizado para a criação ou para a exclusão de causas de
suspensão e interrupção previstas em lei.(674) Qualquer estipulação de prazo de
modo diverso do previsto em lei equivale à modificação do prazo.
Havia um raciocínio de que as partes poderiam elastecer o prazo prescricional
apenas se ele aproveitasse ao empregado, mas não ao empregador, em razão do
princípio da proteção do Direito do Trabalho, especialmente fundamentada no
caput do art. 7º da Constituição Federal (norma mais favorável).(675) Porém, após
o art. 192 do Código Civil essa possibilidade fica vedada expressamente para o
sistema civil. É permitida a renúncia pelo empregador, ato unilateral, de modo
prévio ao prazo prescricional. Até o ano de 2005 vigeu a OJ n. 88 da SDI-1 do
Tribunal Superior do Trabalho que permitia aos sindicatos pactuar um prazo para
a informação ao empregador sobre o estado de gravidez da mulher empregada
como condição de reintegração. Essa alteração decorrente do poder negocial
coletivo era permitida por se tratar de prazo decadencial.(676)
(671) AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 95-132,
jan./jun. 1961.
(672) MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. Exceções, direitos mutilados,
exercício dos direitos, pretensões, ações e exceções, prescrição. Atual. por Otávio Luiz Rodrigues
Júnior, Tilman Quarch, Jefferson Carús Guedes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, tomo VI,
p. 446-447.
(673) THEODORO JR, Humberto. Prescrição e decadência. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 72.
(674) MIRANDA, op. cit., p. 448.
(675) MELO, Raimundo Simão. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 3. ed. São
Paulo: LTr, 2008. p. 457.
(676) SILVA, Homero Batista Mateus da. Estudo crítico da prescrição trabalhista. São Paulo: LTr,
2004. p. 61-62.
187
O Tribunal Superior do Trabalho adequou sua jurisprudência (Súmula n. 244,
item I) ao entendimento da Corte Constitucional brasileira(677) sobre a desnecessidade
de ciência do empregador para o exercício da garantia de estabilidade à gestante,
contida no art. 10, II, alínea b do ADCT da Constituição Federal de 1988.
É necessário não perder de vista que a prescrição é uma norma de ordem
pública, que não aproveita apenas ao devedor, mas também ao Estado, como
forma de pacificar os conflitos. Embora a norma mais favorável esteja fixada no
caput do art. 7º e o prazo prescricional no inciso XXIX, da Constituição Federal,
a interpretação sistemática, conjugada com a matriz normativa da prescrição, o
Código Civil, que prevê expressamente a proibição de alteração do prazo pelas
partes. O instituto da prescrição retira seu fundamento normativo da segurança
jurídica. O empregador pode renunciar ao prazo e efetuar o adimplemento
contratual ou obrigacional, sem a necessidade de fixar ou alterar prazo diferenciado
para a perseguição da pretensão quanto ao crédito trabalhista.
Por outro lado, se o crédito pleiteado na ação trabalhista for do empregador,
o empregado também pode renunciar ao prazo prescricional, mas igualmente não
poderá alterar esse prazo. Essa é uma norma restritiva de direitos para ambas as
partes e a sua interpretação deve seguir a finalidade da norma, já debatida no
primeiro capítulo, e o bem comum (art. 5º da Lei n. 4.657/1942). A criação de
direitos pelas partes, prevista na norma constitucional, não se refere ao prazo
prescricional, norma cogente ou de ordem pública.
Em sentido contrário, há doutrina que defende a possibilidade de alteração
dos prazos prescricionais em benefício dos trabalhadores. A fundamentação dá-se
a partir do caput do art. 7º da Constituição Federal de 1988, em razão do princípio
da aplicação da norma mais favorável.(678) A pretensão que tem prazo negociável
é a ligada a direitos potestativos, que estão sujeitos ao instituto da decadência, na
modalidade convencional (art. 211 do Código Civil).
Em razão dos fundamentos do instituto da prescrição, a ação do tempo
em prazo criado pelo legislador, de modo cogente, para conter a litigiosidade e
pacificar conflitos, impedindo a sua eternização, agregado à inércia do titular do
direito, salvo em caso de renúncia pelo devedor, lesionante ou pessoa que ameace
esse direito, é defesa a prorrogação ou alteração por vontade das partes dos
prazos prescricionais.
(677) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF decide que direito da gestante à estabilidade não
depende de conhecimento prévio do empregador. Recurso Extraordinário (RE) 629053. Notícias.
Disponível em: .
Acesso em: 19 jul. 2021.
(678) MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador:
responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma
chance, prescrição. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 457.
188
4.1.3. Prescrição intercorrente da pretensão trabalhista individual
Na área executiva, houve a defesa de que a execução é um processo
autônomo ante a exigência de citação do reclamado, o réu (art. 880 da CLT). Nos
termos do art. 884, § 1º da CLT existe a previsão da prescrição como matéria de
embargos à execução, interpretando-se o fato como a prescrição da pretensão
executiva, e não da pretensão veiculada na ação de conhecimento, com base
no entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula n. 327.
Essa corrente critica o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, expresso
na Súmula n. 114, que afasta a prescrição intercorrente da Justiça do Trabalho, e,
tem por correto, o prazo prescricional de dois anos para essa ação executiva.(679)
Em sentido contrário, corrente que prevaleceu até o advento da Lei
n. 13.467/2017, com vigência em 11 de novembro de 2017, quando o legislador
inseriu expressamente a prescrição intercorrente na Consolidação das Leis do
Trabalho no art. 11-A, com prazo de dois anos, aqueles que sempre entenderam
a execução como uma fase processual.(680) Essa corrente, em razão do sincretismo
processual, foi adotada do Direito Processual Civil(681). A doutrina clássica
trabalhista entendia que a execução no Processo do Trabalho sempre foi uma
fase processual sob o fundamento de que a execução poderia ser realizada de
ofício pelo juiz, nos termos do art. 878 da CLT(682), em sua redação original, que
também sofreu limitações com a Lei n. 13.467/2017 para abranger apenas as
contribuições previdenciárias e o jus postulandi. Assim, se não podia imputar à
parte a inércia ou abandono da causa, também não era possível a aplicação da
prescrição intercorrente. Soma-se a esse argumento, a aplicação subsidiária da
Lei de Execução Fiscal n. 6.830/80, por força do art. 889 da CLT, que determina
a suspensão da execução enquanto não for localizado o devedor ou seus bens
(art. 40). Ainda que a prescrição intercorrente não fosse aplicada, o prazo seria
suspenso pela não citação do devedor ou pela inexistência de bens, até que esses
fossem encontrados.(683)
Atualmente a prescrição intercorrente encontra-se prevista expressamente no
art. 921, § 4º do Código de Processo Civil (2015) e também no texto consolidado
(679) Cf. MALLET, Estêvão. Novas e velhas questões em torno da prescrição trabalhista. In:
SILVESTRE, Rita Maria; NASCIMENTO, Amauri Mascaro (coord.). Novos paradigmas do direito do
trabalho: homenagem a Valentin Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 359-367.
(680) ALMEIDA, Ísis. Manual da prescrição trabalhista. 3. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 87.
(681) Mudando o posicionamento sobre a ação autônoma de execução para o cumprimento de
sentença enquanto fase processual, conferir as obras de Cândido Rangel Dinamarco: DINAMARCO,
Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2009. v. IV, p. 92 e p. 93 e DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria
geral do novo processo civil: de acordo com a Lei n. 13.256 de 4.2.2016. São Paulo: Malheiros, 2016.
p. 135.
(682) ALMEIDA, Ísis. Manual da prescrição trabalhista. 3. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 87.
(683) ALMEIDA, Ísis. Manual da prescrição trabalhista. 3. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 89-91.
189
(art. 11-A inserido pela Lei n. 13.467/2017). A legislação pátria trabalhista utilizou
o prazo de dois anos. O atual entendimento é o de que a execução é uma fase
processual que deve ser impulsionada pelo credor, salvo o credor previdenciário e
o trabalhador ou a parte que litigam sem a assistência de advogado (art. 878 da
CLT com a redação alterada pela Lei n. 13.467/2017). O art. 11-A, § 2º da CLT
previu o reconhecimento de ofício da prescrição intercorrente pelo juiz. Essa norma
não pode retroagir para abarcar relações jurídicas anteriores à edição da norma
legal(684), embora alguns magistrados já aplicassem a prescrição intercorrente antes
da alteração legislativa em razão do entendimento da Corte Constitucional e de
uma interpretação sistemática.(685)
O arquivamento provisório(686) é um dos marcos defendido como o primeiro
dia para a contagem da prescrição intercorrente. No Direito Processual do
Trabalho deve-se evitar as decisões surpresas, tanto quanto no Direito Processual
Civil, que tem um artigo expresso nesse sentido, art. 10 do CPC. O processo é o
concatenamento de atos jurídicos previamente conhecidos, em razão do princípio
constitucional do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF/1988). Dessa forma,
para que se aplique a prescrição intercorrente de ofício é necessário fixar um
marco de contagem conhecido pelas partes, diferente do arquivamento provisório.
Por exemplo, um despacho concedendo prazo para a prática de ato pela parte
com expressa indicação de aplicação da prescrição intercorrente, em caso de
inércia. Esse despacho será o marco da contagem dos dois anos para a prescrição
intercorrente, que poderá ser aplicada de ofício.(687) O tema da prescrição para
(684) “A 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) deu parcial provimento
ao agravo de petição interposto pelo exequente para afastar a prescrição intercorrente pronunciada
em primeiro grau e determinar o prosseguimento da execução. Por unanimidade, o colegiado
acompanhou o entendimento da relatora desembargadora Carina Rodrigues Bicalho, que afastou a
aplicação da prescrição intercorrente, por entender que a mesma não pode ser imposta a situações
anteriores à vigência da reforma trabalhista. Também afastou a prescrição bienal por entender que
ela não tem aplicabilidade em demandas coletivas, uma vez que a ação judicial individual que visa
a execução de crédito trabalhista reconhecido em ação coletiva pode ser ajuizada pelo beneficiário
em até cinco anos após o último ato produzido no processo que interrompeu a prescrição”. (BRASIL.
Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região — Rio de Janeiro. 7ª Turma decide: prescrição bienal não
é aplicável em execução individual de sentença coletiva. Últimas notícias. 03.08.2021, 09:36:00.
Disponível em: ttps://www.trt1.jus.br/ultimas-noticias/-/asset_publisher/IpQvDk7pXBme/
content/7-turma-decide-prescricao-bienal-nao-e-aplicavel-em-execucao-individual-de-sentenca-
coletiva/21078>. Acesso em: 3 ago. 2021).
(685) Cf. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Prescrição intercorrente e o direito intertemporal.
In: D’AMBROSO, Marcelo Ferlin (coord.). Direito do trabalho, direito penal do trabalho, direito
processual do trabalho e a reforma trabalhista: edição comemorativa dos 10 anos do IPEATRA. São
Paulo: LTr, 2017, v. 1, p. 310-313.
(686) Cf. MOLINA, André de Araújo. Da suspensão e da extinção do processo de execução no novo
CPC e seus reflexos no processo do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Belo Horizonte, v. 62, n. 94, p. 95-130, jul./dez. 2016, p. 128.
(687) No mesmo sentido: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prescrição e decadência: de acordo com
a reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 207.
190
pretensões individuais trabalhistas sempre foi bastante controvertido. O Direito
do Trabalho sempre trabalhou com o diálogo de fontes (arts. e 769 da CLT).
Outros países também derivaram as leis trabalhistas da legislação civil (capítulo 3).
Essa não é uma realidade exclusivamente brasileira.
Em 2021, a prescrição intercorrente ganhou uma nova previsão legal na área
do Direito Civil. O art. 206 do Código Civil foi alterado pela Medida Provisória
n. 1.040 (convertida na Lei n. 14.195/2021, com vetos), para receber a seguinte
redação: “Art. 206-A. A prescrição intercorrente observará o mesmo prazo de
prescrição da pretensão”. A norma jurídica é de duvidosa urgência e relevância. E,
como há regra expressa na Consolidação das Leis do Trabalho, art. 11-A da CLT
determinando a aplicação do prazo de dois anos, essa prevalece sobre o prazo de
cinco anos que poderia ser suscitado.
Dessa forma, a prescrição intercorrente é atualmente aplicável ao processo
do trabalho com prazo de dois anos contado do despacho que intimar o exequente
a produzir um ato jurídico. A inércia do credor será contada desta data e, quando
completar dois anos, o magistrado poderá extinguir o processo de ofício (art. 11-A,
§ 2º da CLT) em razão da prescrição intercorrente. A exceção ocorre nos casos de
impulso oficial determinado por lei (art. 878 da CLT).
4.2. PREVISÕES NORMATIVAS DA PRETENSÃO COLETIVA NO
MICROSSISTEMA
A Constituição Federal de 1988 é a base do acesso coletivo formado por
diversas leis que se amalgamam criando o microssistema de acesso coletivo à
Justiça. Poucas dessas leis normatizam o prazo prescricional das pretensões por
elas regulamentadas, especialmente as pretensões condenatórias ou prestacionais.
4.2.1. Pretensões coletivas contidas na Consolidação das Leis do
Trabalho (dissídios coletivos)
Os dissídios coletivos, considerados ações constitutivas, têm duas previsões
legais de prazos no texto celetista. A primeira delas encontra-se no art. 616, § 3º:
na vigência de normas coletivas, o dissídio coletivo deverá ser instaurado, leia-
-se ajuizado, dentro dos sessenta dias anteriores ao fim da vigência das normas
coletivas para que o novo instrumento passe a viger no dia imediato ao termo dos
acordos e convenções coletivas.
Esse prazo é denominado de data-base e pode ser entendido como um
pressuposto processual de eficácia da decisão. Não se trata de prescrição(688),
(688) MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O dissídio coletivo e suas fases procedimentais. Revista
do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo: TST, v. 63, 1994. p. 125-126.
191
porque não há pretensão condenatória. Também não se trata de decadência porque
o direito de criação das partes continua assegurado por lei, a sentença constitutiva
apenas não será ininterrupta no tempo com a norma anterior. A norma coletiva
criada passará a vigorar apenas após a publicação da sentença normativa
(acórdão)(689). Após a Emenda Constitucional n. 45/2005 houve a proibição de
criação originária de uma norma coletiva por meio do dissídio coletivo em razão da
alteração do § 2º do art. 114 da CF/1988. O processo coletivo trabalhista passou
a prever expressamente a colaboração das partes na construção da decisão.(690)
É importante relembrar que o prazo de sessenta dias do § 3º do art. 616 da
CLT não esteve presente no texto celetista originário, sendo incluído no fim da
década de sessenta (redação inserida pelo Decreto-lei n. 424, de 21 de janeiro
de 1969) em razão da obrigatoriedade da negociação coletiva como pressuposto
processual para o ajuizamento do dissídio coletivo.
O outro prazo previsto no texto celetista encontra-se no art. 873, que
estipula um ano da vigência da sentença normativa para o ajuizamento do dissídio
coletivo de revisão. A sentença normativa cria obrigações para os empregados e
empregadores, equivalendo às convenções e acordos coletivos. O dissídio coletivo
de revisão prevê a alteração dessas normas em razão de alguma nova conjuntura
social, econômica ou fática. No Direito Civil equivaleria à rescisão contratual (arts.
317, 478, 479 e 480 do Código Civil) por desproporção entre as prestações ou por
onerosidade excessiva para alguma das partes, com a intervenção judicial (cláusula
rebus sic stantibus). A revisão ocorrerá quanto às obrigações prestacionais, de
fazer, não fazer e pagar, que são direitos prestacionais. A natureza jurídica do
prazo dessa pretensão é prescricional.
4.2.2. Prescrição em pretensões coletivas contidas na lei da ação popular
As ações populares também têm origem no direito romano, como um
meio de defesa do patrimônio público por um indivíduo. Emerge da condição de
cidadão (civis) e pressupõe uma relação direta com o Estado romano em proveito
da boa gestão da coisa pública.(691) O indivíduo, singularmente considerado, é um
representante do povo.(692)
(689) BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. 2. ed. São
Paulo: LTr, 1985. p. 701.
(690) Conferir a doutrina de Fazzalari sobre o processo como procedimento em contraditório.
(FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Trad. de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller
Editora e Distribuidora, 2006. p. 35-37).
(691) MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular. 8. ed. rev., reimp. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, (versão ebook, 2. A ação popular: das fontes romanas ao nosso tempo). Disponível
em: ://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/105154451/v8/
document/107128988/anchor/a-107128988>. Acesso em: 12 jul. 2021.
(692) SCIALOJA, Vittorio. Procedura civile romana: esercizio e difesa dei diritti. Roma: Anonima
Romana Editoriale, 1894. p. 343.
192
A ideia da ação popular está presente desde a Constituição do Império de
1824 (art. 157), por influência do direito português, porém como enfoque penal
para o crime de suborno, peita, peculato e concussão praticado por juízes e oficiais
de Justiça, suprimido pela Constituição da República de 1891. A Constituição de 1934
reinseriu a ação popular em seu texto, porém como direito e garantia individuais
(art. 113) conferindo a qualquer cidadão a legitimidade para pleitear a nulidade ou
anulação de qualquer ato lesivo ao patrimônio público da União Federal, Estados e
Municípios, mas a Carta de 1937 não repetiu a norma. As ações populares foram
reinseridas no ordenamento com a Constituição Democrática de 1946.(693)
Em 1965, a ação popular foi regulamentada pela Lei n. 4.717. O texto
constitucional de 1967 manteve sua previsão fixando expressamente o nome ação
popular no art. 150, § 31 (inalterado pela Emenda Constitucional de 1969). Com a
reabertura do regime democrático e a Constituição Cidadã de 1988, a ação popular
permaneceu como um direito fundamental (art. 5º, inciso LXXIII)(694), ampliado
para anular atos lesivos ao patrimônio histórico e cultural, ao meio ambiente e
à moralidade administrativa. A regulamentação de 1965 foi recepcionada pela
Constituição Federal de 1988. A atual ação popular brasileira foca a ideia de
controle da gestão da coisa pública, mesma ideia do antigo direito romano.
Portugal, embora tivesse influenciado o Brasil com as ordenações e o pri-
meiro dispositivo brasileiro que tratou sobre o aspecto penal da ação popular,
apenas regulamentou a sua ação popular no ano de 1985, por meio da Lei n. 83,
permitindo não apenas aos cidadãos, mas ao Ministério Público, às associações e
fundações defensoras dos interesses referentes à saúde pública, ao ambiente, à
qualidade de vida, à proteção do consumo de bens e serviços, ao patrimônio cultu-
ral e ao domínio público.(695) Em razão da ampliação dos legitimados e dos direitos,
difusos e coletivos, Ada Pellegrini Grinover afirma que essa ação portuguesa seria
equivalente às ações brasileiras: popular, civil pública e civil coletiva.(696) A legisla-
ção portuguesa da ação popular não contém previsão de regra para a prescrição.
(693) QUEIROZ, Lorrane; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. História da ação popular no sistema
constitucional brasileiro: evolução até o julgamento do STF — RE com agravo 824-781-MT. Revista de
Processo, São Paulo, v. 45, n. 302, p. 265-288, abr. 2020, p. 302.
(694) A presente redação é decorrente da alteração da Emenda Constitucional n. 81 de 2014:
“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais
e do ônus da sucumbência.” (BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988. Legislação. Disponível em:
constituicaocompilado.htm>. Aceso em: 12 jul. 2021)
(695) PORTUGAL. Ministério Público. PGDL — Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. Lei n. 83/95, de 31
de agosto: direito de participação procedimental e de ação popular. Legislação. Disponível em:
www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=722&tabela=leis>. Acesso em: 12 jul. 2021.
(696) Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação popular portuguesa: uma análise comparativa. Revista
de Direito do Consumidor. v. 18, p. 39-52, abr.-jun. 1996. MAZZEI, Rodrigo; DAL’COL, João Roberto
de Sá. Ação popular no Brasil e em Portugal. Revista de Processo, São Paulo, v. 40, n. 240, p. 317-
344, fev. 2015.
193
A ação popular brasileira refere-se à proteção de direitos difusos(697). Essa é
também uma ação constitucional que confere legitimação ao indivíduo, diferente
do que ocorre nas ações civis públicas e coletivas, que não permitem a legitimação
individual, mas apenas das pessoas físicas e entes públicos elencados na lei
exemplo). A legislação de 1965 previu expressamente o prazo de 5 anos como
prescricional para ação (art. 21).
Em sentido oposto, Arenhart e Osna afirmam que o prazo quinquenal serve
apenas para indicar que após esse período o instrumento processual não poderá
ser utilizado.(698) Esse termo deve ser interpretado tecnicamente como para as
pretensões decorrentes dos direitos por ela tutelados, quais sejam: anulação ou a
declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio do Estado, empresas públicas
e empresas privadas subsidiadas pelo Estado, com a ressalva sobre o ressarcimento
quanto aos prejuízos causados (art. 12 da Lei n. 8.429/1992).
4.3. ANTEPROJETOS E PROJETOS DE ALTERAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
PROCESSUAL COLETIVA: ENFOQUE NAS PREVISÕES QUANTO À
PRESCRIÇÃO DAS PRETENSÕES COLETIVAS
Ao longo dos anos houve a elaboração de anteprojetos de lei para o aprimo-
ramento da legislação processual coletiva. Um deles foi publicado em 2008, sob o
título “Rumo a um Código de Processo Civil Coletivo: a codificação das ações coleti-
vas no Brasil”. Trata-se de anteprojeto proposto dentro da dissertação de mestrado
de Antonio Gidi em 1993. Em razão do corte metodológico realizado quanto ao ins-
tituto da prescrição, será analisado apenas o dispositivo que menciona o instituto.
O art. 8º do anteprojeto de lei previu a interrupção da prescrição para
todas as pretensões individuais e transindividuais relacionadas com a controvérsia
coletiva, por meio da propositura da ação coletiva. A contagem do prazo proposta
tinha por reinício a notificação do grupo quanto à decisão transitada em julgado
(art. 8.1)(699), essa norma por ser especial excepciona a regra geral de reinício da
contagem prevista no Código Civil (art. 202, parágrafo único): da decisão transitada
em julgado. Porém, esse anteprojeto não foi apresentado ao Congresso Nacional.
Em 2009, houve o Projeto de Lei n. 5.139/2009 para a unificação do regramento
para as ações coletivas. Esse projeto encontra-se arquivado (12.05.2010). Ele previu
(697) CALHEIROS, Maria Clara. A ação popular revisitada. Notas à luz da atualidade jurídica e social
portuguesa. In: MESSA, Ana Flávia; FRANCISCO, José Carlos (coords.). Ação popular. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 84-90.
(698) ARENHART, Sérgio Cruz; OSNA, Gustavo. Curso de processo civil coletivo. 2. tir. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2019. p. 174.
(699) GIDI, Antonio. Rumo a um Código de Processo Civil Coletivo: a codificação das ações coletivas
no Brasil. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2008. p. 135 e p. 445.
194
três artigos sobre o instituto da prescrição (arts. 15, 37 e 45).(700) O texto proposto
para o art. 15 informa que a citação válida na ação coletiva interrompe o prazo de
prescrição das pretensões individuais até o fim do processo coletivo. O interessante
é que ele informa dois critérios: citação válida e distribuição. A distribuição do
processo na Justiça do Trabalho é o marco da interrupção do prazo prescricional
(item 1.1.2 deste capítulo) e não o despacho de citação (art. 202, inciso I, do
Código Civil). Como há uma diferença para a Justiça Comum, baseada na realidade
da Justiça especializada, que tem no servidor, e não no juiz, a atribuição da citação,
o esclarecimento da norma proposta, com retroação ao ajuizamento é salutar para
a Justiça Comum, pois a inércia foi movimentada com o ajuizamento e não com a
citação válida, ato inerente ao juiz, um terceiro à relação jurídica material.
O art. 15 do projeto de lei arquivado (PL n. 5.139/2009) também previu que a
extinção sem solução de mérito interromperia a prescrição. O art. 37 desse mesmo
projeto fixou a suspensão automática de todas as ações individuais com o mesmo
objeto da ação coletiva. Esclareceu a ausência de litispendência entre as ações e
permitiu que os juízes das ações individuais praticassem atos urgentes (art. 37, § 1º).
Quanto à publicização das ações coletivas, acertadamente, atribuiu ao réu o dever
de comunicação nos processos individuais, sob o ônus da sentença improcedente
no processo individual ser afastada pela coisa julgada coletiva (art. 37, § 2º) ante
o desconhecimento do autor, que não deve ser prejudicado. O mesmo dispositivo,
no § 4º, fixou a prolação da sentença do processo coletivo como fim da suspensão,
ao invés do trânsito em julgado dela, e a conversão desta ação em cumprimento de
sentença. Embora haja crítica quanto ao marco de recontagem do prazo, o melhor
momento em termos de segurança jurídica é o trânsito em julgado da decisão e
não a sentença pendente de recurso, é louvável a tentativa de eliminar o tempo
processual permitindo o cumprimento da sentença provisória.
O outro dispositivo que mencionava o instituto era o art. 45, referente ao
cumprimento de sentença. O texto proposto indicava que apenas após o prazo
prescricional das pretensões individuais seria possível aos legitimados coletivos
requerer a execução coletiva, mas retirava a preferência legal das pretensões
individuais, deixando ao juiz a escolha quanto à preferência de pagamento mediante
decisão motivada em proporcionalidade e razoabilidade. Nesse ponto, o projeto
de lei poderia gerar maiores debates e questionamentos quanto a essa decisão
judicial, dificultando a efetividade do cumprimento de sentença. Melhor seria que a
preferência inserida no capítulo dos direitos individuais homogêneos na codificação
consumerista fosse ampliada para direitos difusos e coletivos em sentido estrito.
Quase dez anos depois da apresentação do PL n. 5.139/2009, o Conselho
Nacional de Justiça apresentou um anteprojeto de lei, decorrente de estudos de
(700) BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei n. 5.139/2009. Atividades legislativas. Disponível
em: .
Acesso em: 6 out. 2021.
195
um grupo de trabalho sobre as ações coletivas (Portaria n. 152/2019), convolado
no Projeto de Lei n. 4.778/2020.(701) Esse projeto de lei previu no art. 26, § 4º,
que a propositura das ações coletivas não interrompe a prescrição das pretensões
individuais. Esse dispositivo segue a ideia italiana sobre o tema, porém, nesse
país há duas janelas de adesão aos indivíduos, uma na fase de conhecimento
e outra no cumprimento de sentença. A ação é publicada no portal telemático
do Ministério da Justiça italiano (atualmente), mas, desde a regulamentação das
ações coletivas na codificação do consumidor, a permissão de prescrição para as
pretensões individuais veiculadas na ação coletiva advém da faculdade de adesão
do indivíduo na fase de conhecimento, não prevista no projeto de lei proposto pelo
Conselho Nacional de Justiça.
O PL n. 4.778/2020 não permite a suspensão processual das demandas
individuais (art. 26, § 5º) e determina a desistência da ação individual para que
o indivíduo se beneficie da coisa julgada coletiva (art. 26, § 6º). O art. 9º faculta
aos lesados o cumprimento de sentença no processo individual ou coletivo. O
art. 8º indica a ausência de litispendência entre processo coletivo e individual,
dá preferência à destinação de valores para “realização de obras ou atividades
para restaurar o dano causado”, indica uma destinação subsidiária para um fundo
coletivo (art. 31), mas permite que na categoria de direitos individuais homogêneos
a condenação seja “apenas ao fundo, quando o benefício para os membros do
grupo for desproporcional ao custo da execução”. Há um distanciamento dos
interesses individuais, que ficam em segundo plano, para privilegiar-se a sociedade
e o Sistema de Justiça. O projeto do Conselho Nacional de Justiça preocupou-se
muito mais com o gerenciamento fático dos processos; com a redução dos conflitos
do cumprimento de sentença individual; com a prevenção e com a eliminação da
reparação individual, com foco na reparação coletiva do direito violado.
Olvida-se a experiência nacional da desjudicialização da execução(702) e a
experiência normativa internacional italiana (vide capítulo 3). Ademais, com um
olhar macroprocessual, o texto normativo proposto gera litigiosidade de massa
individual ou obsta o acesso à Justiça quando permite a condenação destinada a
um fundo com exclusividade ou à realização de obras ou atividades para restaurar
o dano causado. O alto custo do processo para o indivíduo, como fundamento do
processo coletivo, é desconsiderado nessa hipótese. O Projeto de Lei n. 4.778/2020
cria a sedimentação de injustiças sociais atomizadas, desarmonizando o Sistema
de Justiça a longo prazo, pois expressamente afasta os institutos da suspensão e
interrupção da prescrição.
(701) BRASIL. Câmara dos Deputados Projeto de lei n. 4.778/2020. Atividades legislativas. Disponível
em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2263651>.
Acesso em: 18 out. 2021.
(702) Cf. CABRAL, Antonio do Passo; ZANETI JR., Hermes. Entidades de infraestructura específica
para la resolución de conflictos colectivos: las claims resolution facilities y su aplicabilidad en Brasil.
Revista Italo- Española de Derecho Procesal, Madrid, v. 1, p. 5-37, 2019.
196
A publicidade prevista no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça
(art. 11 do PL n. 4.778/2020) assemelha-se à normativa italiana e é louvável
e constitui importante instrumento de transparência para a sociedade. Houve
uma maior preocupação com o congestionamento causado pelo cumprimento
de sentença das ações coletivas, mas não com a utilização dos mecanismos
de sucesso que otimizam esse cumprimento de sentença (vide capítulo 2), em
atendimento aos interesses coletivos e individuais. Em maio de 2021, esse projeto
foi apensado a outro, o Projeto de Lei n. 4.441/2020.
O Projeto de Lei n. 4.441/2020 expressamente separa direitos difusos
e coletivos dos individuais homogêneos no art. 15, com previsão de dois
prazos distintos: um para direitos difusos e coletivos, outro para os individuais
homogêneos, e prevê a interrupção do prazo para pretensões coletivas e
individuais.(703) A crítica realizada à doutrina quanto à separação dos direitos
metaindividuais contida no capítulo 2 (item 2.4.3) aplica-se ao PL n. 4.441/2020.
O art. 16 também previu a suspensão automática dos processos individuais, à
semelhança do PL n. 5.139/2009, mas avançou quanto ao fim da suspensão
quando o autor demonstra não ser membro do grupo, e, por conseguinte,
não ser abrangido pela decisão e, em inovação: se houver urgência ou demora
excessiva do julgamento definitivo do processo coletivo, reconhecidas em
decisão fundamentada (art. 16, § 1º, inciso I), com a opção ao juiz de limitar
essa decisão à concessão de tutela provisória (art. 16, § 4º). Trata-se de uma
visão de gerenciamento processual em atendimento aos interesses individuais
face à eventual mora do Poder Judiciário na solução da questão. Essa previsão
é muito interessante, pois eleva a importância da busca pela maior efetividade
do processo, mas exclui o autor dos benefícios da coisa julgada coletiva (art. 16,
§ 2º) com direito à retratação até o momento de prolação da sentença coletiva
(art. 16, § 3º).
Há outro projeto de lei apensado à tramitação do PL n. 4.441/2020 e
n. 4.778/2020. Trata-se do projeto mais novo, elaborado pelo Instituto Brasileiro de
Direito Processual Civil — IBDP, como um aprimoramento aos projetos anteriores,
que no Congresso Nacional ganhou o n. 1.641/2021. Expressamente o projeto
indica que alterou quanto o regramento dos projetos anteriores quanto ao instituto
da prescrição no item IX:
IX) a prescrição no caso dos direitos coletivos e difusos é remetida à disciplina geral
do Código Civil, sempre que não houver legislação específica prevendo prazos diver-
sos, sendo contada a partir da ciência pública e inequívoca da ameaça, da lesão ou
da sua cessação, ou do conhecimento de seus efeitos nocivos. Ainda, o substitutivo
prevê a imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento ao erário e fundadas na
(703) BRASIL. Câmara dos Deputados Projeto de lei n. 4.441/202. Atividades legislativas. Disponível
em: . Acesso em: 6 maio 2022.
197
prática de ato de improbidade doloso e a imprescritibilidade da pretensão de repa-
ração civil de dano ambiental, nos termos da jurisprudência do Plenário do Supremo
Tribunal Federal.(704)
Esse último projeto de lei foi apelidado de Projeto Ada Pellegrini Grinover
pelos juristas que o elaboraram. Ele mantém a interrupção da prescrição como
previsto pela jurisprudência trabalhista, na data da propositura da ação (art. 18).
Quanto ao prazo, novamente separa as categorias de direitos coletivos, deixando
o prazo decenal do art. 205 do Código Civil para a categoria dos direitos difusos
e coletivos, se outro prazo não for estipulado por lei, salvo as imprescritibilidades.
Fixa no § 2º a ciência pública e inequívoca dos efeitos nocivos do ato comissivo
ou omissivo. Mantém no § 3º o prazo prescricional das pretensões individuais
para as pretensões individuais homogêneas, excluindo-as da categoria de direito
coletivo ou metaindividual, lamentavelmente, mas no mesmo sentido do projeto
elaborado na década de noventa por Antonio Gidi. Quanto ao cumprimento de
sentença, o prazo prescricional tem por marco o trânsito em julgado da decisão
coletiva (art. 32, § 4º), em acertada escolha. O trânsito em julgado traz uma maior
segurança jurídica ao Sistema de Justiça e um marco claro para afastar a inércia
dos beneficiados pela decisão coletiva.
O grupo de estudos em ações coletivas formado pelo Conselho Nacional
do Ministério Público não apresentou a conclusão do trabalho até o momento.
É interessante observar que parte das pessoas designadas para integrar esse
grupo também esteve presente no Projeto de Lei n. 1.641/2021. Há a premente
preocupação quanto ao tratamento diferenciado entre as categorias de direitos
coletivos nos projetos de lei apresentados, perpetuando a tese doutrinária e
legislativa de que os direitos individuais homogêneos não são coletivos, apenas
recebem um tratamento diferenciado em razão da uniformidade e quantidade de
pessoas atingidas por um ilícito de natureza comum.
Entre os principais anteprojetos e projetos de lei apresentados, o projeto
de lei conhecido como Ada Pellegrini Grinover consiste no mais próximo de um
ideal de sistematização orgânica da disciplina do processo coletivo, especificamen-
te quanto ao instituto da prescrição dentro da perspectiva elaborada nesta tese.
Porém, seria importante o acréscimo de soluções para os problemas práticos le-
vantados nessa pesquisa quanto à prescrição, pois parte deles sequer foi abordada
em qualquer dos projetos de lei ou anteprojetos apresentados, como causas de
interrupção, suspensão e impedimento do prazo; aplicação da prescrição de ofício
e intercorrente; (in)existência de repristinação do prazo prescricional para as pre-
tensões individuais com incidência do prazo prescricional.
(704) BRASIL. Câmara dos Deputados Projeto de lei n. 1.641/2021. Atividades legislativas. Disponível
em: . Acesso
em: 18 out. 2021.
198
4.4. REVISÕES DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
A revisão das teses existentes na doutrina e na jurisprudência sobre a
prescritibilidade ou não das pretensões trabalhistas faz-se necessária para que
se entenda o alcance do problema que envolve o tema da prescrição no acesso
coletivo à Justiça. Serão apresentadas as teses atuais e a tese proposta.
4.4.1. A imprescritibilidade das pretensões coletivas
A prescrição envolve a ciência inequívoca do titular do direito e sua inércia
quanto à ameaça ou violação desse direito, nascendo a exigibilidade de pretensões
reivindicatórias, dentro e fora da Justiça. A Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça decidiu que não há prazo prescricional para as pretensões coletivas (REsp
n. 1.736.091)(705).
Na doutrina do processo civil há o argumento de que os direitos difusos são
imprescritíveis porque os titulares são indetermináveis. O instituto da prescrição
refere-se à inércia do titular do direito. Em se tratando de legitimado fixado por
lei, não há como atribuir-se a inércia ao efetivo titular do direito não determinado.
Não se poderia transportar o sistema individual da prescrição, previsto no Código
Civil, para prejudicar toda a sociedade.(706) Essa tese foi desenvolvida sob o enfoque
do meio ambiente, genericamente considerado, mas ela não olvidou a existência
de microdanos individuais que têm previsão de três anos para a pretensão de
reparação civil (art. 206, § 3º, V do CC), referente ao dano ambiental reflexo,
contado do conhecimento da lesão ambiental, que pode repetir-se no tempo
quando há um dano ambiental continuado.(707)
Sérgio Cruz Arenhart defende o enquadramento dos direitos coletivos na
hipótese do art. 198, I do Código Civil, caso em que o direito existe mas não
pode ser exercido pelo seu titular porque o titular é incapaz. No caso dos direitos
coletivos, o não exercício pelo seu titular não é decorrente de inércia, mas do
fato da lei determinar expressamente a legitimação a terceiros (art. 82 do Código
os direitos individuais homogêneos — o titular e o legitimado extraordinário têm
(705) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Não há prazo determinado para ajuizamento de ação
coletiva de consumo, decide Terceira Turma. Notícias. Disponível em:
sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Nao-ha-prazo-determinado-para-ajuizamento-de-acao-
coletiva-de-consumo--decide-Terceira-Turma.aspx>. Acesso em: 2 out. 2021.
(706) Por todos NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Barreto B. Andrade. Responsabilidade civil,
meio ambiente e ação coletiva ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman de V. e. Dano ambiental,
prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 291-292.
(707) Cf. MILARÉ, Édis; MORAIS, Roberta Jardim de; BEZERRA, Mayara Alves. Publicado em 15 ago.
2019. Migalhas de peso. Disponível em:
ambiental-individual-e-o-prazo-prescricional-da-respectiva-acao-reparatoria>. Acesso em: 6 set. 2021.
199
pedidos coincidentes nas ações coletivas e individuais.(708) Arenhart insere os direitos
individuais homogêneos fora da categoria dos direitos coletivos. Parafraseando
Xisto Tiago de Medeiros Neto(709), relembra-se que o pedido de dano moral
coletivo não poderá ser formulado pelo titular individual contido na categoria
dos direitos individuais homogêneos, apenas pelos legitimados extraordinários.
Assim, os direitos individuais homogêneos devem fazer parte da categoria dos
transindividuais.
O fundamento da inexistência de previsão legal da prescrição em direitos
metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) é um motivo que
reforça a imprescritibilidade, conforme Ronaldo Lima dos Santos.(710) O Processo
Civil Coletivo tem previsão expressa de imprescritibilidade quanto às sanções
aplicáveis aos crimes de improbidade administrativa (art. 12 da Lei n. 8.429/1992).
Para Ricardo de Barros Leonel(711), restaria apenas essa previsão legal da Lei de
Improbidade Administrativa no âmbito do Direito Processual Civil, porque a
previsão do prazo prescricional de cinco anos do art. 21 da Lei da Ação Popular
(Lei n. 4.417/1965) não teria sido recepcionado pelo art. 37, § 5º da Constituição
Federal ante a imprescritibilidade das reparações aos danos ao erário público.
O Supremo Tribunal Federal não seguiu o posicionamento apresentado por
Ricardo de Barros Leonel. Em repercussão geral, RE n. 669069 (Tema n. 666), o STF
afastou expressamente a textualidade do art. 37, § 5º, da CF/1988 para reconhecer
a prescritibilidade quinquenal das reparações em favor do erário público(712),
ressalvados os danos decorrentes da lei de improbidade administrativa (art. 12 da
Lei n. 8.429/1992). Assim, até o dia 26 de outubro de 2021, o entendimento sobre
a imprescritibilidade do ressarcimento integral do dano como pena civil prevista no
art. 12 da Lei n. 8.429/1992 foi uma interpretação possível. Após essa data, com
a supressão da expressão “ressarcimento integral do dano” dos incisos I, II e III do
art. 12 pela Lei n. 14.230/2021, essa possibilidade interpretativa passou a inexistir.
O Tribunal Superior do Trabalho acolheu a tese da imprescritibilidade
dos direitos metaindividuais ou coletivos decorrentes da ação civil pública e da
(708) ARENHART, Sérgio Cruz. O regime de prescrição em ações coletivas. Academia.edu, 2018.
Disponível em:
em_a%C3%A7%C3%B5es_coletivas>. Acesso em: 1º out. 2021, p. 14-15.
(709) No mesmo sentido MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 4. ed. rev. atual. rev.
São Paulo: LTr, 2014. p. 257-260.
(710) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça, jurisdição coletiva
e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 5. ed. rev. ampl. São Paulo: LTr,
2019. p. 303-304.
(711) LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 355-358.
(712) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema n. 666: acórdão em RE n. 669069: É prescritível a
ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Teses de Repercussão Geral.
Disponível em: . Acesso
em: 6 set. 2021.
200
ação civil coletiva com base no argumento da ausência de inércia do titular do
direito, que não pode ser prejudicado pelo legitimado extraordinário.(713) Outro
acórdão do Tribunal Superior do Trabalho decidiu em sede julgamento de danos
morais coletivos trabalhistas que essa indenização, ou a reparação desse dano, é
imprescritível por abranger um sentimento coletivo, sem conteúdo pecuniário. O
argumento é o de que a honra coletiva tem princípios próprios diferentes da honra
individual que se adequam ao regramento previsto no Código Civil.(714)
Ronaldo Lima dos Santos(715) entende que a relevância dos direitos difusos e
coletivos impede a aplicação da prescrição, pois esses direitos são indisponíveis, têm
caráter não patrimonial, e porque os legitimados não são os titulares do direito.
Francisco Antônio de Oliveira acrescenta que aplicar o instituto da prescrição
aos direitos difusos e coletivos seria o mesmo que impedir a tutela preventiva e
repressiva desses direitos.(716) Outro argumento, apresentado por Raimundo Simão
de Melo, é o da indivisibilidade dos direitos transindividuais, que seria outro fator
impeditivo à aplicação do instituto da prescrição.(717)
É importante mencionar a conclusão de Ricardo de Barros Leonel sobre
a inclusão dos direitos individuais homogêneos na posição que defende a
imprescritibilidade, porque os prazos prescricionais não correm para os direitos
metaindividuais. Eles podem ser pleiteados a qualquer tempo em razão da
impossibilidade de ajuizamento da demanda coletiva pelos titulares do direito. Os
titulares podem pleitear direitos individuais, que são homogêneos, apenas em seu
espectro individual. Justifica-se o prazo de cinco anos do art. 21 da Lei da Ação
Popular, para os que entenderem que ele foi recepcionado, porque o indivíduo
(cidadão eleitor), nesse caso, é o legitimado.(718)
Dentro da posição de inclusão dos direitos individuais homogêneos na
condição de coletivos, há o argumento de que os direitos individuais amalgamados
(713) BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão em recurso de revista RR n. 2124200-
92.2002.5.10.0900. 1ª Turma. Ministro Relator Lélio Bentes. Publicação DJ em 16.04.2004. Jusbrasil:
jurisprudência. Disponível em:
rr-2124200922002510-2124200-9220025100900/inteiro-teor-10181835>. Acesso em: 6 set. 2021.
(714) BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão do processo n. AIRR — 47640-
86.2006.5.13.0006. 7ª Turma. Ministra Relatora Maria Doralice Moraes. Publicado no DJ 03.09.2010.
Disponível em:
o;airr:2010-09-01;47640-2006-6-13-40>. Acesso em: 6 set. 2021.
(715) SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça, jurisdição coletiva e
tutela dos interesses, difusos, coletivos e individuais homogêneos. 5. ed. rev. ampl. São Paulo: LTr,
2019. p. 303.
(716) OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Da ação civil pública: instrumento de cidadania. Revista LTr.
São Paulo: LTr, a. 61, n. 7., p. jul. 1997, p. 885.
(717) MELO, Raimundo Simão de. Ação civil pública na Justiça do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
2004. p. 183-184.
(718) LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 358-361.
201
pela lesão de origem comum podem individualmente ter o prazo prescricional
postergado em razão de impedimento, suspensão ou interrupção individual. Dessa
forma, como poderia a tutela coletiva prescrever e a individual que lhe dá suporte
manter-se? Esse é outro fundamento para a tese da imprescritibilidade dos direitos
coletivos do tipo individual homogêneo, apresentada por Zaneti Jr. e Didier.(719)
É importante mencionar a posição doutrinária defendida por Arenhart
e Osna(720) quanto ao tema. As três categorias previstas (difusos, individuais
homogêneos e coletivos) submetem-se ao impedimento equivalente ao existente
para os incapazes (art. 198, inciso I, do Código Civil), pois os titulares do direito não
podem exercer a pretensão coletiva por si próprios, independente do direito ser
de natureza pública ou privada, dependendo do ente legitimado, o que equivale
à imprescritibilidade dos direitos metaindividuais ou coletivos em sentido amplo.
A despeito de toda argumentação jurídica apresentada, entende-se que o
ordenamento pátrio foi criado dentro de uma sistemática de prescricionariedade
de pretensões, com exceções expressamente previstas em legislação constitucional
e infraconstitucional. As pretensões, em regra, não se eternizam. Por esse motivo,
se não há norma expressa indicando a imprescritibilidade das pretensões coletivas
prestacionais previstas nas ações civis públicas e coletivas, essas pretensões são
temporárias e não perpétuas.
4.4.2. Prescrição das pretensões coletivas e o prazo quinquenal
O caso paradigmático sobre o prazo prescricional aplicável para as ações civis
coletivas e civis públicas ocorreu na Justiça Comum. Envolveu o direito bancário
e o do consumidor referente aos reajustes decorrentes dos planos econômicos
criados para conter a inflação das décadas de oitenta e noventa (Plano Bresser,
Collor I e II). Não há como adentrar no tema da fixação da tese jurisprudencial
do Tribunal Superior do Trabalho sem mencionar alguns detalhes desse caso
paradigmático. Embora haja outros posicionamentos no Superior Tribunal de
Justiça, será analisado apenas o caso decorrente do Plano Bresser, Collor I e II, em
razão do corte metodológico realizado.
Nessa época, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul ajuizou ações cole-
tivas às vésperas do prazo prescricional de 20 anos, que vigia, perante o Código
Civil de 1916 para pretensões sem prazo especificado em lei. Os magistrados do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinaram a suspensão das ações
individuais. O resultado dos processos foi a procedência das ações e a conversão
(719) DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 14.
ed. rev. atual. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 356-357.
(720) ARENHART, Sérgio Cruz; OSNA, Gustavo. Curso de processo civil coletivo. 2. tir. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2019. p. 177.
202
das ações individuais em liquidação de sentença. Houve pedido da Defensoria
Pública para que o cumprimento de sentença fosse realizado extrajudicialmente,
prevenindo-se novos litígios individuais, pois a jurisprudência estava consolidada
quanto à exigência dos bancos apresentarem os extratos bancários para o cálculo
dos valores deferidos. Foi nomeado perito extrajudicial para acompanhar os cálculos
apresentados pelo devedor. Em sede de recurso especial, o Superior Tribunal de
Justiça mudou o entendimento e decidiu aplicar o prazo quinquenal e não o vinte-
nário para o cumprimento de sentença.(721)
O fundamento do acórdão foi a omissão de prazo prescricional na Lei
n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) e aplicação por analogia do prazo
quinquenal do art. 21 da Lei n. 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), pois ambas as
ações compõem o microssistema de acesso coletivo à Justiça. O Ministro Relator
também entendeu que os fatos eram anteriores à possibilidade de tutela de
direitos individuais homogêneos por meio de uma ação civil pública, pois para ele
esses direitos só foram ampliados para a tutela por essa ação com o advento do
Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/1990. Por fim, indicou que o art.
177 do Código Civil de 1916 é uma norma de fora do microssistema, e por essa
razão inaplicável quando há outra norma na legislação. A ementa ainda consta
que o art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, que é uma abertura normativa
para outras normas, não afasta o prazo quinquenal previsto no art. 27 do mesmo
diploma.(722)
Uma associação de defesa do consumidor, assistente processual, opôs em-
bargos de declaração sob os seguintes fundamentos: contradição no acórdão por
afirmar a correção da tutela de direitos individuais homogêneos por meio de ação
civil pública ao mesmo tempo em que a afasta no caso concreto sobre direitos
individuais homogêneos; a aplicação do Código de Defesa do Consumidor apenas
na parte processual e não nas normas materiais; a impossibilidade de aplicação
por analogia de um prazo prescricional, por ser norma de restrição de direitos; o
mesmo diploma não pode ser aplicado a fatos anteriores à sua existência na parte
material, devendo aplicar-se às normas contratuais do Código Civil; e, o retorno
ao entendimento aplicável quando ao prazo vintenário de prescrição. Os embar-
gos não foram conhecidos sob o argumento de descabimento de rediscussão da
matéria meritória, prevalecendo a posição de aplicação do prazo de cinco anos
previsto na ação popular, porque é um prazo retirado do microssistema de acesso
(721) REFOSCO, Helena Campos. Ação coletiva e democratização do acesso à Justiça. São Paulo:
Quartier Latin, 2018. p. 259-265.
(722) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão do REsp. 1.070.896/SC. Ministro Relator Luis
Felipe Salomão, DJE 04.08.2010. Disponível em:
documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1900648&num_registro=201900468823&dat
a=20200504&formato=PDF>. Acesso em: 13 jul. 2021.
203
coletivo.(723) Dessa forma, a tese que prevalece no Superior Tribunal de Justiça é a
de que as ações coletivas têm prazo prescricional quinquenal.(724)
Essas considerações são importantes para ajudar a compreender o
posicionamento mais recente do Tribunal Superior do Trabalho, que manteve
o prazo quinquenal da prescrição. O julgamento baseou-se no caso paradigma
julgado por maioria na Subseção de Dissídios Individuais I. Esse julgamento fixou
o argumento de que, na ausência de norma quanto ao prazo prescricional para a
reivindicação de direitos metaindividuais tutelados pela ação civil pública e ação
civil coletiva, aplica-se outra regra do microssistema de acesso coletivo à Justiça,
e não as regras pertinentes ao art. 7º, inciso XXIX da Constituição Federal. Nesse
caso, a regra do art. 21 da Lei da Ação Popular.(725) Marcelo Freire acompanha o
fundamento dessa decisão.(726)
O acórdão paradigma do STJ, REsp n. 1.070.896SC, chegou a debater a
aplicação do prazo quinquenal para as pretensões reparatórias findadas no
produto ou serviço, previsto no art. 27 da Lei n. 8.078/1990 ao direito coletivo.
Porém, entendeu pelo afastamento do artigo, porque à época dos fatos não havia
previsão no ordenamento jurídico de ajuizamento de ações civis públicas para
direitos individuais homogêneos.(727)
(723) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Embargos de Declaração do REsp. 1.070.896/
SC. Ministro Relator Luis Felipe Salomão, DJE 04.10.2011. Disponível em:
br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1114822&num_registro=
200801158256&data=20120227&peticao_numero=201100336882&formato=PDF>. Acesso em: 13
jul. 2021.
(724) DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 14.
ed. rev. atual. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 358-359.
(725) “EMBARGOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL MANTIDA PELA C. TURMA.
APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NA LEI DE AÇÃO POPULAR. Os direitos difusos
e coletivos dos trabalhadores se submetem à prescrição quinquenal prevista no art. 21 da Lei n.
4.717/65 (Lei de Ação Popular), aplicável analogicamente à Ação Civil Pública. Precedentes do STJ.
Como no caso o Ministério Público do Trabalho teve ciência dos fatos alegados — conduta antissindical
— em junho de 2009, ajuizando, porém, a presente Ação Civil Pública somente em julho de 2014,
quando já escoado o aludido prazo prescricional, não há como reformar a v. decisão que extinguiu
o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, II, do NCPC. Embargos conhecidos e
desprovidos.” (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão EE-RR n. 2302-73.2014.5.17.0014.
SDI-1. Min. Relator Aloysio Corrêa da Veiga. DEJT 14.05.2021. Disponível em:
jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=230
2&digitoTst=73&anoTst=2014&orgaoTst=5&tribunalTst=17&varaTst=0014& submit= Consultar>.
Acesso em: 7 set. 2021)
(726) Cf. COSTA, Marcelo Freire Sampaio. Curso de processo coletivo do trabalho: em consonância
com a reforma trabalhista. São Paulo: LTr, 2018. p. 158-159.
(727) TESHEINER, José Maria Rosa. 32. Prescrição nas ações homogeneizantes ou relativas a
direitos individuais homogêneos: comentário ao acórdão do REsp 1.070.896. In: ALVIM, Teresa
Arruda; GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de V.; VIGORITI, Vicenzo. Processo
Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014 (versão ebook). Disponível em:
thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/99874040/v1/document/100163211/
anchor/a-100163211>. Acesso em: 2 jun. 2021.
204
O professor Enoque Ribeiro dos Santos, acompanhado por Bernardes e Jahel
Filho, defendia que o prazo aplicável para a prescrição é o mesmo aplicado às ações
individuais, ou seja, dois anos após o fim do contrato de trabalho com a retroação
contada do ajuizamento da ação em cinco anos (art. 7º, inciso XXIX, da CF/1988
e art. 11 da CLT).(728) Atualmente, o professor Enoque Ribeiro dos Santos mudou
seu posicionamento para defender que os direitos individuais homogêneos fazem
parte dos metaindividuais sem distinção,(729) pretensões individuais homogêneas
também são abrangidas por essa categoria.
Em que pese, a posição da prescritibilidade quinquenal baseada na lei da
ação popular ser a dominante no Tribunal Superior do Trabalho, as ações civis
públicas e coletivas trazem em seu bojo pretensões coletivas que não foram
regulamentadas em termos prescricionais. O escopo da lei da ação popular é
anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio do Estado,
empresas públicas e empresas privadas subsidiadas pelo Estado, a finalidade é a
proteção do patrimônio público, interesse estatal e nessa ação os indivíduos são
legitimados, na condição de cidadãos eleitores, para tutelar seus direitos e o direito
público, objeto e escopo que abrangem uma parte, mas não todos os direitos
metaindividuais. E, dessa forma, hermeneuticamente, essa não é a regra mais
apropriada para colmatar a lacuna deixada pela legislação da ação civil pública e
da ação coletiva.
4.4.3. Direitos individuais homogêneos e multas decorrentes das
pretensões coletivas
O professor Enoque Ribeiro dos Santos e Jahel Filho(730) defendem a aplicação
do Decreto n. 20.910/1932(731) para o prazo prescricional da pretensão de
cobrança das multas ou obrigações pecuniárias nascidas das ações civis públicas,
ações civis coletivas e Termos de Ajustamento de Conduta — TAC. Por analogia,
o prazo aplicável seria o de cinco anos, porque a multa seria aplicada em favor
do ente público. No entanto, se o sujeito passivo for pessoa física ou jurídica
privada, o prazo seria o decenal do art. 205 do Código Civil, por ausência de
(728) SANTOS, Enoque Ribeiro dos; JAHEL FILHO, Ricardo Antônio Bittar. Curso de direito processual
do trabalho. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2019. p. 431. BERNARDES, Felipe. Manual
de processo do trabalho. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 709.
(729) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A polêmica sobre os direitos individuais homogêneos:
essencialmente individuais e acidentalmente coletivos ou autênticos direitos coletivos, na seara
trabalhista. In: SANTOS, Enoque Ribeiro dos (coord.); BARBOSA, Felipe de Melo (org.). Fundamentos
do processo coletivo do trabalho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. p. 28.
(730) SANTOS, Enoque Ribeiro dos; JAHEL FILHO, Ricardo Antônio Bittar. Curso de direito processual
do trabalho. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2019. p. 432-433.
(731) BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932: regula a
prescrição quinquenal. Disponível em:
d20910.htm>. Acesso em: 8 set. 2021.
205
norma específica. Em regra, essa corrente adota diferentes prazos para cada uma
das obrigações previstas no cumprimento de sentença decorrente de ações civis
públicas e coletivas. E, salvo direitos individuais homogêneos, os demais direitos
metaindividuais seriam imprescritíveis.
As multas que emergem das ações civis públicas e coletivas têm natureza
jurídica de medida coercitiva para o cumprimento de uma decisão judicial, e não
de multa administrativa, como a prevista no Decreto n. 20.910/1932. Essas multas
decorrem tanto do art. 139, inciso IV do CPC como do art. 765 da CLT. Elas são o
produto do poder geral de efetivação da decisão. São meios executivos atípicos ou
medidas coercitivas.(732) Independente da destinação conferida pelo magistrado,
essas medidas coercitivas são obrigações acessórias. As obrigações acessórias são
aquelas que têm sua existência subordinada à outra relação jurídica, denominada
de obrigação principal. Uma obrigação acessória típica da Justiça do Trabalho é
a multa diária (art. 765 da CLT) fixada para que o empregador anote a CTPS —
Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado (art. 29 da CLT).
O Código Civil adotou no art. 92 a regra de que a obrigação acessória segue o
destino da obrigação principal. O art. 184 do CC também enuncia: “a invalidade da
obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a dessas não induz a
da obrigação principal”. Dessa forma, prescrita a pretensão referente à obrigação
principal, prescritas as pretensões que emergem das obrigações acessórias. O
prazo aplicável às pretensões decorrentes das obrigações acessórias, como as
multas coercitivas, será o mesmo da obrigação principal e não será modificado em
função da destinação fixada pelo magistrado — erário público ou entes privados.
As multas previstas nos Termos de Ajustamento de Conduta também têm
natureza jurídica de obrigação acessória. Nesse caso, sua natureza jurídica é a
de cláusula penal fixada pelas partes dentro da celebração desse acordo, como
um ato negocial(733), título executivo extrajudicial(734), com pouca margem de
negociação por se tratar de cumprimento de direitos decorrentes de obrigações
legais. Exatamente por esse motivo é que os convenentes poderão ajustar as
medidas coercitivas típicas e atípicas, a cláusula penal, que não está restrita apenas
às multas pecuniárias, como melhor lhes aprouver para a efetivação da obrigação.
Nos termos do art. 409 do CC, elas podem referir-se à inexecução completa da
obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora. Mesmo assim,
continuam sendo obrigação acessória, que segue o principal. O prazo prescricional
para essas pretensões é o mesmo da pretensão relacionada ao direito principal. As
(732) ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 186.
(733) NERY, Ana Luiza de Andrade. Compromisso de ajustamento de conduta: teoria e análise de
casos práticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 141.
(734) LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 325.
206
multas decorrentes dos Termos de Ajustamento de Conduta também podem ter
destinação pública ou privada.
4.5. O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO APLICADO ÀS PRETENSÕES
TRABALHISTAS COLETIVAS
Os direitos coletivos ou metaindividuais estão classificados entre os individuais
e os públicos. Os direitos transindividuais interessam à sociedade como um todo,
não apenas a um indivíduo ou ao Estado.
Na União Europeia, cada país é independente para elaborar seu próprio
regramento jurídico nacional (vide capítulo 3). Há uma tentativa de harmonização
da legislação dos países do bloco para uma melhor convivência e uniformidade de
tratamento quanto ao infrator, evitando-se a concorrência desleal ou a atração do
investimento econômico para países com legislação mais flexível.
O ordenamento pátrio fixou a regra da temporariedade das pretensões,
com exceções previamente fixadas em lei. A pretensão declaratória é uma dessas
exceções (art. 11 da CLT). Nesse quesito, faz-se necessário recordar o efeito
condenatório ou executivo das ações declaratórias, as chamadas pseudoações
declaratórias, porque em seu bojo encontra-se a certificação de uma dívida líquida
e certa (pretensão condenatória). Se a demanda coletiva envolver uma dessas
pretensões, haverá incidência da prescrição nesse caso tal qual ocorre com a
pretensão individual (capítulo 4, item 4.1).
A normatização do instituto da prescrição encontra-se na codificação civil,
que é aplicável às mais diversas especialidades do Direito quando não há norma
especial e também quando essa norma é lacunosa para suprir suas omissões. No
caso do microssistema coletivo não há diferença. O art. 205 da codificação civil
indica a prescrição decenal na omissão da lei quanto a um prazo especial. Esse é o
caso das normas que regulamentam as ações civis públicas e civis coletivas.
Dentro do acesso coletivo à Justiça somente a Lei da Ação Popular e a Lei de
Improbidade Administrativa têm prazos normatizados. No primeiro caso, o prazo
fixado foi o quinquenal (vide item 4.3.2, deste capítulo). A exceção dentro da Lei
n. 8.429/1992 fez-se quanto às pretensões de ressarcimento ao erário fundadas
na prática de ato doloso (art. 12). O entendimento fixado pelo Supremo Tribunal
Federal, em repercussão geral com julgamento de mérito no Tema n. 897(735)
(recurso extraordinário RE n. 852.475, Ministro Relator Edson Fachin, publicado
no DJ em 08.08.2018). Porém, essa sanção foi extinta pela alteração promovida
(735) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo n. 910. Informativo STF. Disponível em:
www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo910.htm>. Acesso em: 7 set. 2021.
207
quanto à improbidade administrativa pela Lei n. 14.230, de 25 de outubro de
2021, com vigência no dia seguinte.(736)
As pretensões coletivas contidas na ação civil pública e na ação civil coletiva
não têm previsão legal. Enquadram-se, portanto, na regra geral do Código Civil,
art. 205, ou seja, têm prazo decenal. A codificação civil de 1916 previa como regra
geral o prazo vintenário (arts. 177(737) e 179), embora até o ano de 1955 esse prazo
fosse ainda maior, trintenário como regra geral. A ministra do Superior Tribunal de
Justiça, Isabel Galloti, em aula magna proferida na Escola da Magistratura Federal,
transmitida pelo Youtube em 29 de março de 2021, também defendeu a aplicação
do Código Civil, art. 177 do diploma de 1916 e art. 205 do diploma de 2002, para
as ações coletivas e civis públicas e criticou a posição fixada pelo STJ no julgamento
que fixou o prazo quinquenal com base na Lei da Ação Popular.(738)
O direito pátrio afastou-se do direito estadunidense ao criar categorias de
direitos metaindividuais. Os Estados Unidos da América têm o acesso coletivo
à Justiça fixado de modo pragmático, diferenciado da sistemática brasileira, o
prazo prescricional aplicado é o mesmo previsto para as pretensões individuais.
Isso também se explica porque os indivíduos pertencentes ao grupo podem
representá-lo de per si, a preocupação do Sistema de Justiça norte-americano
está mais focada na capacidade postulatória dos escritórios de advocacia, do que
no membro representante do grupo. Verificando-se o prejuízo às outras pessoas
atingidas pela lesão, sequer os acordos individuais dentro das class actions são
homologados pelo juízo. O sistema processual americano é adversarial, a colheita
de provas é realizada pelos advogados que a apresentam para os juízes valorarem,
diferente da colheita de prova brasileira — realizada na presença do juiz, salvo
prova documental.
Por outro lado, houve uma maior aproximação do Direito Coletivo brasileiro
com o italiano. O ordenamento jurídico italiano tem por característica a categori-
zação dos direitos, diferente do ordenamento jurídico estadunidense, que tem por
tradição a construção do Direito a partir da análise e da aplicação pragmática da
lei, sem se importar tanto com a classificação do direito vindicado em coletivo ou
individual. O Direito estadunidense preocupa-se com o resultado e o impacto da
lesão, se atingirá uma pessoa ou muitas, quando busca resolver um conflito.
(736) BRASIL. Presidência da República. Lei n. 14.230, de 25 de outubro de 2021. Legislação. Disponível
em: . Acesso
em: 1º nov. 2021.
(737) Redação alterada pela Lei n. 2.437, de 7 de março de 1955.
(738) BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. INSTITUCIONAL: Magistrados discutem “O
Anteprojeto CNJ de Lei de Ações Coletivas” em aula magna na Esmaf. Notícias. Pub. 21.03.2021.
Disponível em:
institucional-magistrados-discutem-o-anteprojeto-cnj-de-lei-de-acoes-coletivas-em-aula-magna-na-
esmaf.htm> e . Acesso em: 7 set. 2021.
208
O legislador pátrio optou por conceituar os direitos metaindividuais seguindo
os estudos italianos sobre a class action (vide capítulo 3). Essa observação também
se extrai do veto presidencial ao art. 333 do Código de Processo Civil de 2015
que propunha a coletivização das ações individuais, à semelhança do que ocorre
no direito estadunidense. Ambos os sistemas são úteis para as sociedades que
regulamentam, porém é importante destacar quando o direito pátrio aproxima-se
de um ou de outro, mesclando-os para criar sua própria sistemática.
Na área trabalhista há um caso paradigmático do ordenamento jurídico
pátrio que enfrentou o tema da prescrição traçando importantes balizas para o
seu tratamento. Esse caso ficou conhecido como Shell-Basf. Trata-se da ação civil
pública trabalhista n. 002200-28.2007.5.15.0126, ajuizada pelo Ministério Público
do Trabalho em face das empresas mencionadas, na Vara do Trabalho de Paulínia
(Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que abrange parte do Estado de
São Paulo).
A sentença de primeiro grau deixou de pronunciar a prescrição suscitada pelas
reclamadas sob o argumento de que o direito é indisponível e fundamental,(739)
mas também porque observou o prazo vintenário do Código Civil de 1916,
considerando que a lesão teve início em 2003, ano em que o Código Civil de 2002
entrou em vigor. O acórdão que julgou o recurso ordinário também seguiu a linha
de fundamentação da sentença. No caso em questão, até a data dos julgamentos
não havia a estabilização das lesões praticadas contra a saúde dos trabalhadores. O
Ministério Público do Trabalho sequer conseguiu, até aquele momento, entender e
conhecer as reais consequências geradas pela empresa na saúde dos empregados
e das futuras gerações ante a contaminação por componentes químicos gerada
pelas reclamadas.(740) A incidência da prescrição foi afastada por ausência de
ciência inequívoca das repercussões do dano, marco inicial fixado para a contagem
do prazo nas decisões de primeiro e segundo graus.
O acórdão manteve a sentença, mas em sua fundamentação não mencionou
o prazo prescricional aplicável.(741) A decisão foi mantida em caráter provisório pelo
(739) SHINESTECK, Clarissa Ribeiro. A história da contaminação do meio ambiente do trabalho em
Paulínia: o caso Shell-Basf. In: SANTOS, Adriana Augusta dos (coord. et. ali). Grandes acidentes do
trabalho no Brasil: repercussões jurídicas e abordagem multidisciplinar. Belo Horizonte: RTM, 2020.
p. 69.
(740) BRASIL. Relatório de Avaliação das Informações sobre a exposição dos trabalhadores das
empresas Shell, Cyanamid e Basf a compostos químicos. Disponível em:
arquivos/pagina-nossa-luta/
avaliacao-de-risco/caso-shell-sp/avaliacao-risco-paulinia.pdf>. Acesso em: 6 set. 2021.
(741) Argumentos retirados das decisões contidas nas peças físicas integralmente fornecidas pelo
Ministério Público do Trabalho, autor da ação, sob a presidência da Procuradora do Trabalho, Clarissa
Ribeiro Schinestsck. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Sentença em ACP
n. 22200-28.2007.5.15.0126. Juíza Maria Inês Targa. Pub. 19.08.2010 e BRASIL. Tribunal Regional
do Trabalho da 15ª Região. 4ª Câmara (Segunda Turma). RO — 22200-28.2007.5.15.0126. Rel. Des.
Dagoberto Nishina. Pub. 06.04.2011).
209
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho ao apreciar o pedido de suspensão do
cumprimento provisório do julgado por meio de recurso interposto pelas empresas.
Em apreciação a esse pedido, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, que
presidia uma comissão de conciliação junto àquele Tribunal, e por isso apreciou o
pedido em lugar da Ministra Relatora Delaíde Arantes, para quem foi distribuído
o recurso de revista, manteve a obrigação de custear o tratamento médico das
vítimas de contaminação por elementos químicos e a indenização fixada para fins
de danos morais coletivos e os individuais, sendo suspensa apenas a obrigação de
depositar um bilhão de reais antes do trânsito em julgado.(742) O processo foi finalizado
com um acordo entre as partes no próprio Tribunal Superior do Trabalho.
Embora prevalecesse a sentença de primeiro grau fixando o prazo vintenário
para a prescrição, se as lesões fossem conhecidas, pois também fixou o marco
inicial da contagem a partir da ciência inequívoca dessas lesões, o Tribunal Superior
do Trabalho não chegou a manifestar-se sobre o tema, que continua em aberto,
apesar do precedente julgado por maioria na Subseção de Dissídios Coletivos I
(vide explicação no item 3.2).
O instituto da prescrição concretiza a segurança jurídica do sistema ao es-
tabelecer um tempo para as expectativas da sociedade, evitando exposições a
inseguranças e incertezas perpétuas tão bem demonstradas na obra francesa “Os
miseráveis”(743), em que o inspetor Javert perseguia por ódio Jean Valjean por seus
crimes do passado, mesmo quando o cidadão já havia reconstruído sua vida. É
importante a fixação de um prazo razoável para que os legitimados atuem no
lugar dos titulares dos direitos, quando se trata de direitos coletivos. Não se pode
importar o mesmo prazo da pretensão individual para a coletiva, quando opta-se
por excluir o titular do direito da representação da coletividade independente da
categorização dessa coletividade como difusa, coletiva em sentido estrito, ou mesmo
individual homogênea.
As regras hermenêuticas indicam que as normas com conteúdo sancionatório
ou de limitação de direitos são interpretadas restritivamente.(744) A prescrição é
uma delas, produz limitação na pretensão. O prazo decenal do art. 205 para
os casos omissos previsto no Código Civil de 2002 não encontra óbice no texto
constitucional (art. 7º, caput) e nem no texto celetista (art. 8º, § 1º). Tanto a
referentes aos direitos coletivos materiais e processuais que permitem não só a
(742) BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. TST suspende execução de R$ 1 bi contra Shell e BASF,
mas mantém assistência a contaminados. Rádio TST, jul. 2012. Disponível em:
jus.br/web/guest/calendario-do-tst/-/document_library/3Ezv/view_file/2143728>. Acesso em: 6 set.
2021.
(743) HUGO, Victor. Os miseráveis. Adaptado por Walcyr Carrasco. São Paulo: Editora FTD, 2002.
(744) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 167.
210
aplicação da norma mais favorável como também a importação das normas de
direito comum, na ausência de regramento próprio.
Há pretensões coletivas dos legitimados para com a sociedade que o próprio
indivíduo não tem legitimidade para reivindicar, seja no processo individual
porque o reflexo do pedido é coletivo, seja no processo coletivo como legitimado
autônomo. Os dissídios coletivos e as ações civis públicas contêm essas pretensões.
Por exemplo, as pretensões coletivas ligadas às indenizações por danos morais,
presentes inclusive nas demandas envolvendo direitos individuais homogêneos,
demonstram que esses direitos são efetivamente coletivos. A legitimação
processual ativa é exclusivamente coletiva nesses casos. Outro exemplo é o pedido
inibitório quanto à eliminação de um agente nocivo para todos os empregados. E,
por isso, o prazo decenal da pretensão coletiva é o mesmo para qualquer direito
metaindividual. O termo inicial da contagem será o fim dos efeitos do ato. Pode ser
o mesmo dia da lesão, se instantâneo, ou o último dia da irradiação desses efeitos,
se o ato ou o efeito for continuado.
Dentro da área trabalhista haverá a modulação dessa regra (prazo decenal)
para as pretensões coletivas relacionadas ao direito de reintegração nascido da
extinção contratual em massa, o prazo prescricional da pretensão veiculada na
tutela de reintegração será bienal, art. 7º, inciso XXIX, da CF/1988. Não fará
sentido a atuação do legitimado extraordinário em defesa, por exemplo, da
garantia dos empregos quando a norma constitucional já sedimentou a relação
jurídica individualmente considerada, impedindo qualquer reivindicação.
A ação civil pública ou coletiva pode ser ajuizada no terceiro ano após a
dispensa em massa, por exemplo. Porém, a pretensão reintegratória requerida em
tutela de urgência, salvo impedimentos, suspensão e interrupção do prazo, estará
prescrita para os titulares do direito, individualmente considerados. A lesão a toda
essa coletividade de empregados nasceu no mesmo dia. O dano moral coletivo
pode ser pleiteado no prazo de dez anos, mas para que os trabalhadores atingidos
sejam coletivamente reintegrados, utilizando-se o processo coletivo com o escopo
de economia e celeridade que lhe são inerentes para cessar o dano, essa pretensão
deve ser exercida pelo legitimado extraordinário no prazo bienal, contado da
extinção contratual integrada pelo aviso prévio (OJ n. 82 da SDI-1 do TST). Essa
medida garante a efetividade da tutela coletiva jurisdicionalmente pleiteada.
As ações coletivas atuam para prevenir ou reprimir a desarmonização do
sistema em sede de direitos trabalhistas. São objeto comum a essas ações as pre-
tensões relacionadas ao meio ambiente do trabalho, ao trabalho decente e seguro,
às proteções referentes a trabalho das crianças e adolescentes, ao cumprimento
do sistema normativo trabalhista em geral, mas se o direito veiculado está relacio-
nado à extinção contratual, como a dispensa em massa e houver tutela coletiva
reintegratória, de nada adiantará aos legitimados tutelar o direito ao emprego e a
211
nulidade da dispensa, sem prévia negociação coletiva(745), após o fim dos dois anos
fixados pela norma constitucional para a exigibilidade do direito dos trabalhadores.
As tutelas coletivas de reintegração pleiteadas a favor das dispensas discriminató-
rias também adequam-se ao mesmo raciocínio. Nesse caso, não se trata de lacuna,
mas da busca pela efetividade da tutela pretendida, reintegratória. Essa tutela não
pode ser exercida após os dois anos do fim do contrato de trabalho individual,
ainda que o legitimado seja um ente coletivo — legitimado extraordinário do art. 5º
Há, por fim, as exceções constitucionais e legais quanto à regra da prescriti-
bilidade das pretensões na área trabalhista, tal como ocorreria em outras áreas.
Caso a competência penal da Justiça do Trabalho seja regulamentada em algum
momento (art. 114, IX da CF/1988(746), os crimes de racismo e os crimes pratica-
dos por grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático,
relacionados às relações de trabalho, podem ser atraídos para a competência da
Justiça Especializada). Esses crimes têm pretensão imprescritível por força do art.
5º, XLIII e XLIV, da CF/1988. E, no âmbito infraconstitucional, o texto consolidado
previu que as pretensões declaratórias são imprescritíveis, art. 11, § 1º.
Outra recente exceção, fixada por meio do Tema de Repercussão Geral n. 999
do Supremo Tribunal Federal, foi quanto à pretensão de reparação civil decorrente
de dano ambiental. A partir da interpretação ao art. 225, § 3º da Constituição
Federal (RE n. 654.833 com trânsito em julgado em 19.08.2020), sedimentou-
-se o entendimento de que essas pretensões reparatórias são imprescritíveis.(747)
Esse julgamento é importante, na medida em que o meio ambiente do trabalho
constitui subsistema do meio ambiente geral.(748) E dessa forma, ocorrendo lesão
ao meio ambiente, com reflexos nos trabalhadores, como ocorreu com o caso da
paradigmática ação conhecida como Shell-Basf, o entendimento fixado pela Corte
Constitucional sobre a imprescritibilidade das reparações decorrentes de danos ao
meio ambiente será aplicado também à área trabalhista.
As pretensões potestativas são imprescritíveis por sujeitarem-se à caducidade
(decadência). As pretensões declaratórias são imprescritíveis por lei (art. 11, § 1º
da CLT e art. 19, I do CPC), à exceção das pretensões declaratórias de conteúdo
condenatório.
(745) MANNRICH, Nelson. Dispensa coletiva: da liberdade contratual à responsabilidade social. São
Paulo: LTr, 2000. p. 553-558.
(746) Cf. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Competência da Justiça do Trabalho para o
julgamento de lides de natureza penal trabalhista. São Paulo: LTr, 2009.
(747) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tema n. 999: acórdão em RE n. 654.833: É imprescritível a
pretensão de reparação civil de dano ambiental. Teses de Repercussão Geral. Disponível em:
stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/abrirTemasComRG.asp>. Acesso em: 18 out. 2021.
(748) Cf. MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e saúde do trabalhador:
responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma
chance, prescrição. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 27.
212
Todas essas normas jurídicas precisarão ser compatibilizadas na análise do
caso concreto a partir dos pedidos formulados. As exceções constitucionais, legais
e decorrentes da interpretação do Supremo Tribunal Federal serão ponderadas,
para, no resíduo, aplicar-se o prazo decenal.
4.5.1. A prescrição de ofício da pretensão coletiva trabalhista
O sistema (ou microssistema) de acesso coletivo à Justiça não tem regra que
determine a aplicação da prescrição de ofício às pretensões trabalhistas. Como o
instituto da prescrição é matéria de defesa, exceção, a ser suscitada pelo devedor
da obrigação descumprida em sua contestação. A alteração da tradição jurídica
ocorreu em 2006 com a reforma do Código de Processo Civil de 1973 (art. 219,
§ 5º), regra repetida na codificação do processo civil de 2015 (arts. 332, § 1º e
487, inciso II) e também em 2017 com a reforma trabalhista da Consolidação das
Leis do Trabalho (art. 11-A). Essas são regras pertinentes às demandas individuais.
Houve silêncio eloquente do legislador ordinário tanto para a fase de conhe-
cimento do processo individual trabalhista quanto para o microssistema de acesso
coletivo à Justiça e os direitos e pretensões por ele tutelados. Trasladar essa regra
para as demandas coletivas a fim de aniquilar a pretensão pelo decurso do tempo,
de ofício, pelo magistrado, é impor norma restritiva ao sistema. Diferente do que
ocorre com a fixação de prazo para as pretensões coletivas, porque as normas ge-
rais do instituto da prescrição encontram-se no Código Civil e há regra expressa de
aplicação do prazo decenal para as pretensões do ordenamento jurídico que não
tenham prazo definido (art. 205).
A norma que prevê o reconhecimento de ofício da prescrição está inserida no
Código de Processo Civil, expressamente previsto como de aplicação subsidiária ao
microssistema de acesso coletivo à Justiça, se com ele compatível: art. 21 da Lei da
e com o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho. Portanto, para fins de
ações coletivas não se aplica o reconhecimento de ofício da prescrição.
4.5.2. A inegociabilidade dos prazos prescricionais coletivos
A negociação coletiva é um procedimento extrajudicial de autocomposição
em que as partes solucionam o conflito. No caso da negociação coletiva de trabalho,
nas palavras de Enoque Ribeiro dos Santos, o trabalhador isolado é praticamente
impotente ante a força e o poder político e econômico de seu empregador(749).
A negociação coletiva trabalhista tem base constitucional em vários incisos do
(749) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos humanos na negociação coletiva: teoria e prática
jurisprudencial. São Paulo: LTr, 2004. p. 90.
213
art. 7º, dentre eles não se encontra o inciso XXIX que trata do prazo prescricional
para as pretensões individuais trabalhistas. Infraconstitucionalmente, a negociação
coletiva tem limites expressos nos arts. 611-A e B da Consolidação das Leis do
Trabalho, com atual redação inserida pela Lei n. 13.467/2017. A prescrição não se
encontra entre os direitos capazes de serem negociados, mesmo após a reforma
trabalhista de 2017. Doutrinariamente há teorias sobre os limites da negociação
coletiva trabalhista(750) que envolvem as normas de ordem pública, mas também
o chamado núcleo duro do Direito do Trabalho — normas relacionadas à saúde,
segurança e medicina do trabalho.(751) Esse tema não será aprofundado, devido ao
corte metodológico.
Essas observações agregam-se ao fato da prescrição ser norma de ordem
pública, infensa à negociação individual, como demonstrado nesse capítulo. Mesmo
no âmbito coletivo é infenso às partes reduzir ou ampliar os prazos prescricionais.
Isso ocorre tanto na criação de direitos trabalhistas por meio das convenções e
acordos coletivos de trabalho, como em sede de negociações envolvendo os entes
legitimados e as pessoas físicas ou jurídicas que ameaçam ou lesionam direitos
metaindividuais.
O Tribunal Superior do Trabalho tem precedente sobre a inegociabilidade do
prazo prescricional, ao analisar a negociação coletiva quanto à comunicação da
gravidez para a gestante, considerando esse prazo decadencial, e, por isso, afeto à
negociação coletiva. Diferente do âmbito do direito individual, não cabe aos entes
legitimados, por não serem titulares do direito, renunciar ao prazo prescricional
em detrimento dos indivíduos, no caso das ações coletivas passivas. A renúncia
ao prazo prescricional cumpre ao ente privado, público ou ao indivíduo titular do
direito. Se esse direito é representado por legitimados extraordinários, no polo
passivo ou ativo, a renúncia não será cabível.
4.6. A PRESCRIÇÃO E O DIREITO INTERTEMPORAL
O direito intertemporal trata da lei aplicável no tempo. O tempo é um fator
paradigmático para o sistema jurídico. Uma lei entra em vigor na data de sua
publicação, se outro momento não for nela referenciado (art. 1º do Decreto-lei
(750) Cf. SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direitos humanos na negociação coletiva: teoria e prática
jurisprudencial. São Paulo: LTr, 2004. p. 90 e MELO, Raimundo Simão de. Os limites da negociação
coletiva para o sistema jurídico brasileiro. Reflexões Trabalhistas. ConJur, publ. 22.01.2016.
Disponível em:
coletiva-sistema-juridico>. Acesso em: 10 set. 2021.
(751) COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Indisponibilidade e proteção de direitos a partir da
perspectiva do núcleo duro da normatividade trabalhista: bioética e sustentabilidade humana como
limites à negociação coletiva. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.
Curitiba: TRT9, v. 6, n. 58, p. 63-81, mar./abr. 2017.
214
prescricionais, por serem normas de ordem pública, vêm expressos em lei. Essas
leis podem ser alteradas ou revogadas por outras enquanto vige uma relação
jurídica, especialmente as relações jurídicas continuadas. Nesse momento, surge a
dúvida quanto ao prazo prescricional aplicável à relação jurídica que se extinguirá
no futuro. Qual o prazo prescricional aplicável? Se um ato inerente a essa relação
jurídica ativa é reivindicado, sem que a relação jurídica finde, qual o prazo aplicável?
Para responder a essas perguntas é necessário pesquisar a lei no tempo.
A irretroatividade das leis é um princípio caro ao Direito. A irretroatividade
tem matriz constitucional desde a Constituição do Império (1924)(752), com exceção
apenas da Constituição de 1937(753), atualmente encontra-se prevista no art. 5º,
XXXVI, da CF/1988. Tem origem no direito romano: lex prospicit, non respicit (a lei
não tem efeitos pretéritos).(754) Beviláqua já apontava em 1920 que a irretroatividade
é um preceito de política jurídica — “o direito existente deve ser respeitado tanto
quanto a sua persistência não sirva de embaraço para os fins culturais que a nova
lei pretende implementar na sociedade ou satisfazer”.(755) Quando sobrevém lei
nova é necessário traçar temporalmente o dia de sua aplicação, mas também
alguma regra que regulamentará as relações jurídicas iniciadas sob a lei anterior.(756)
Ao entrar em vigor uma nova lei, apresentam-se três espécies de situações
jurídicas: a) pretéritas, iniciadas e finalizadas antes da vigência da nova lei; b)
pendentes, iniciadas antes da vigência da lei sem conclusão; e, c) futuras, iniciadas
após a vigência da lei nova. A essas situações aplicam-se os princípios do efeito
imediato e da irretroatividade.(757) A doutrina clássica debateu bastante o conflito
de normas no tempo e fixou conceitos importantes sobre expectativa de direito,
ato jurídico perfeito e direito adquirido. Expectativa de direito refere-se às situações
abstratas, onde o titular do direito ainda não o adquiriu e por isso não pode opor
a lei antiga a outrem. Já a situação concreta, refere-se ao direito propriamente
adquirido, funcionando como um escudo que impede a retroação da lei nova.(758)
O ato jurídico perfeito é um ato de intervenção humana que tem começo
e fim, aplicando-se a lei vigente ao tempo em que se realizou. O ato jurídico
(752) Cf. FRANÇA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 4. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 1994. p. 205 e BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed.
Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1929. p. 21.
(753) BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. A aplicação dos preceitos de direito material da Lei
n. 13.467 no tempo. In: MARTINEZ, Luciano et al. (org.). A reforma trabalhista na visão da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho. Porto Alegre: Lex Magister, 2018. p. 132-133.
(754) MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 1, p. 69.
(755) BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,
1929. p. 21.
(756) MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal ou teoria da irretroatividade das leis. 2. ed. Rio
de Janeiro, São Paulo: Freitas Bastos, 1955. p. 7.
(757) AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. rev. mod. ampl. Rio de Janeiro: Renovar,
2008. p. 131.
(758) MAXIMILIANO, op. cit., 1955, p. 38.
215
perfeito é uma das causas do direito adquirido, mas não a única. Os fatos jurídicos
(fatos sem a participação humana), os quase delitos, a lei e o próprio delito seriam
outras.(759)
Denomina-se adquirido o direito que um titular pode exercer em nome pró-
prio, ou alguém em nome dele. Agrega-se a esse conceito o direito cujo início do
exercício tenha termo prefixado ou condição previamente estabelecida inalterá-
vel pela vontade de outrem. São os direitos incorporados ao patrimônio de uma
pessoa, tanto porque já realizados, quanto porque possuem os requisitos de rea-
lização dependendo apenas de um prazo para o seu exercício ou uma condição,
inalteráveis por vontade alheia.(760)
Esses são os elementos utilizados para questionar-se a aplicação da lei no
tempo, e, por conseguinte, a aplicação dos prazos fixados para o exercício das
pretensões. O texto celetista, desde a sua origem, contém regras de direito
intertemporal (arts. 911, 912 e 916). O art. 911 da CLT indica o marco inicial da
vigência das normas trabalhistas como o dia em que a lei for publicada no Diário
Oficial, mas também na data por ela indicada para a vigência. O art. 912 da CLT
determina que os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às
relações iniciadas, mas não consumadas à data de vigência do texto celetista. E o
art. 916 da CLT prevê que os prazos reduzidos pela legislação nova serão contados
da vigência dela.
O Tribunal Superior do Trabalho manifestou-se quanto ao marco inicial da
contagem da prescrição em conflito de leis no tempo referente à redução do prazo
prescricional previsto para as pretensões decorrentes da relação de trabalho rural.
A data da extinção contratual, e não a data do ajuizamento da ação, foi fixada
como marco temporal para a aplicação da lei nova (Orientação Jurisprudencial da
SDI-1 n. 271). Essa decisão acompanha a mesma fundamentação utilizada pelo
Tribunal Constitucional italiano (vide capítulo 3): a inércia do trabalhador durante
a relação contratual trabalhista não pode ser penalizada, em razão do receio da
dispensa. Esse receio materializa-se na construção do Direito do Trabalho, a partir
do princípio da proteção, pois essa relação jurídica é desigual.
A nova codificação civil também tem norma expressa sobre o direito inter-
temporal quanto aos prazos, pois vários deles foram reduzidos (art. 2.028). Por
meio do art. 2.028 do CC, regra expressa de direito intertemporal, aplica-se a lei
anterior se o prazo for reduzido pela nova lei, ou ainda, se houver transcorrido
mais da metade do prazo previsto na lei antiga, revogada. O microssistema de
acesso coletivo à Justiça retira dessa norma o substrato de aplicação do direito
(759) FRANÇA, R. Limonge. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 5. ed. rev. atual. São
Paulo: Saraiva, 1998. p. 220-221.
(760) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. v. 1. p. 105.
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intertemporal, assim como retirou do Código Civil o prazo decenal (art. 205), na
omissão de outro prazo ou na inexistência de norma jurídica expressa para a im-
prescritibilidade.
O prazo prescricional geral previsto no Código Civil de 1916 foi reduzido de 20
(vinte) para 10 (dez) anos. Esses são os prazos aplicáveis para a ação civil coletiva e
civil pública, tanto na área cível como na trabalhista, bem como a regra de direito
intertemporal do art. 2.028 do Código Civil. Por análise lógica e sistemática não se
deve aplicar imediatamente o prazo novo, decenal, sem a verificação do transcurso
dos dez anos (metade do prazo vintenário) em respeito ao direito adquirido do
titular da pretensão coletiva. Por outro lado, em pretensões individuais, o conflito
de leis no tempo será resolvido pelas normas contidas nos arts. 911, 912 e 916 do
texto celetista, pois o seu prazo prescricional também está contido na CLT. Aplicar
a norma celetista às pretensões coletivas significaria discriminar as pretensões
coletivas trabalhistas, sem substrato legal. A omissão existente na área trabalhista
para a pretensão coletiva também existe na área cível, salvo quanto à pretensão
decorrente da improbidade administrativa e da ação popular.
O prazo decenal para as pretensões coletivas é o mesmo em qualquer área
especializada do Direito, com as exceções para as pretensões imprescritíveis
(reparações decorrentes do dano ambiental e pretensão declaratória) e observância
ao prazo bienal da tutela coletiva de reintegração quando houver extinção
contratual em massa.

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